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Laura Fernades
Publicado em 28 de outubro de 2020 às 06:00
- Atualizado há um ano
Depois de quase perder o movimento das pernas e se recuperar do susto com cirurgia e fisioterapia, o jornalista, escritor e produtor musical Nelson Motta escorregou em um degrau de casa e caiu. Junto com o grito de dor, a fratura do osso que liga a perna ao tornozelo. Azar? Não só, afinal foi de molho em casa que começou um romance com uma morena baiana de 48 anos, depois de intensa troca de correspondência.
“O papai é mesmo um homem de sorte. Com 73 anos, todo estropiado, conquistou uma gata dessas. E sem sair de casa!”, brincou sua filha Joana na época, em um dos episódios da vida de Nelson retratados na autobiografia De Cu pra Lua – Dramas, Comédias e Mistérios de um Rapaz de Sorte (Sextante | 480 páginas | R$ 62). A obra cheia de humor será lançada no dia do seu aniversário de 76 anos, nesta quinta-feira (29), com uma live com a jornalista Andréia Sadi, às 19h, no Instagram de Nelson.
Ao longo das quase 150 histórias, Nelson mostra como a sorte guiou sua vida em momentos de conquistas e dramas pessoais. Em curtos capítulos separados por ano de acontecimento, o autor narra momentos como o dia em que tirou “a sorte grande” ao ter escapado ileso de um acidente de carro com toda a família. “Para quem testemunhou o acidente, os prognósticos eram tenebrosos”, conta no livro.
“Tive muita sorte e muita falta de sorte também”, resume Nelson, ao CORREIO. Autor de biografias como a de Tim Maia e Glauber Rocha, ele explica por que escolheu a terceira pessoa para compartilhar fatos que marcaram sua vida. “Achei que ia ficar mais à vontade para ser mais verdadeiro, para aproveitar o humor. Sou carinhoso com o personagem, mas sacaneio, dou esporros”, ri o autor.
Assim, sem pudor, ele revela que a primeira paixão de Nelsinho foi Gabriela, personagem de Jorge Amado (1912-2001), e que sua virgindade foi perdida com uma babá baiana, aos 15 anos. O personagem, que até os 20 anos se achava “medonho”, também compartilha de forma respeitosa fatos do casamento com personalidades como a atriz Marília Pêra e a empresária e consultora de moda Constanza Pascolato.
Em diversos momentos, o autor preservou o nome dos personagens para proteger a outra pessoa. “Acho que fui no meu limite tolerável de exposição, principalmente de episódios muito antigos”, explica Nelson. Questionado se teme essa exposição, afirma com tranquilidade que não se incomoda porque Nelsinho “parece outra pessoa”.
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Chato Com início mais lento, marcado pela estrutura biográfica tradicional – nascimento, referência familiar e fatos cronológicos – o livro fica mais fluido à medida que Nelson avança com os fatos e as páginas. O próprio autor conta que escreveu as 50 primeiras páginas e parou por um tempo porque achou “chato”. Com a pandemia, ganhou fôlego e escreveu mais 300 folhas em apenas dois meses.
E é tirando sarro com a própria cara que Nelson compartilha uma foto sua ao lado de Roberto Carlos, “em momento quase comprometedor de tanto amor”, diz a legenda. O cantor é lembrado no capítulo No Castelo do Rei, que começa com a seguinte provocação: “Biografia não é um assunto muito recomendável para conversar com Roberto Carlos”.
Nas páginas seguintes, Nelson relembra como o artista se aborreceu com a biografia não-autorizada Roberto Carlos em Detalhes, feita por Paulo Cesar de Araújo, e proibiu judicialmente sua circulação. O autor também relembra o encontro que teve em 2018 com o Rei, que teria sua história contada em um filme dirigido por Breno Silveira, com roteiro de Nelsinho e Patrícia Andrade.
“Nelsinho imaginou uma piada cromática. Foi todo de azul: camisa, calça, suéter, até o tênis era azul. Roberto entrou, cumprimentou todo mundo e riu: ‘Poxa, bicho, não precisava exagerar’”, diz um trecho do livro. A biografia de Roberto será ampliada para uma série na TV Globo, mas Nelson revela ao CORREIO que não sabe em que pé está. “Fiz a minha parte. Só falta o Rei dar o ‘ok’”, diz. “Achei que ia ficar mais à vontade para ser mais verdadeiro, para aproveitar o humor. Sou carinhoso com o personagem, mas sacaneio, dou esporros” - Nelson Motta, sobre a escolha da terceira pessoa para falar de si mesmo Viva a Bahia Antes mesmo de conversar sobre qualquer detalhe do livro, incluindo a influência baiana, Nelson atendeu à ligação da reportagem com a frase: “Aê, viva a Bahia!”. Sinal do que estava por vir. Já nas primeiras páginas da obra, o autor explica como uma experiência no terreiro de Mãe Menininha do Gantois o levou ao estudo do transe e, por consequência, da sorte.
Ao longo das 480 páginas, o autor também faz referência a amigos como João Gilberto (1931-2019), Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros ícones da música brasileira. “Você vê como a Bahia está presente na minha vida, né?”, questiona, sorridente. “A Bahia está presente em vários livros meus. Já fui para lá escrever, porque é onde encontro paz. Alguma coisa faz a diferença ali”, elogia.
Além da conexão inexplicável com a cultura baiana, Nelson também deixa em aberto a origem de tanta sorte. Depois do mergulho em diferentes momentos da sua vida, que retratam também um homem de muito trabalho, segue sem saber explicar de onde vem a maré boa. “Estou cada vez mais perdido com os eventos que acontecem todo dia comigo”, confessa.
“A sorte é surpreendente. Isso sempre me interessou como um mistério, mas eu só consigo aprofundar o mistério da total impossibilidade de ser explicado racionalmente”, explica. A única coisa que Nelson sabe é que “Você tem que estar atento, de olho e preparado para quando a sorte aparecer. Mas não conte com a sorte (risos), é a maior roubada do mundo. Você se desarma, amolece e ela não vem”.