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Laura Fernades
Publicado em 15 de janeiro de 2021 às 06:03
- Atualizado há 2 anos
Depois de ter suas atividades interrompidas pela pandemia, o setor cultural ganha fôlego e anuncia a retomada de parte de sua programação. Neste fim de semana, tem teatro, literatura, dança, cinema e artes plásticas pulsando na cidade, em movimentação que resulta de projetos financiados pela Lei Aldir Blanc.
Basta dar uma passada - virtual - na Casa Preta Espaço de Cultura para encontrar, por exemplo, uma programação intensa. Ao longo de quatro meses, o projeto Enxurrada da Casa Preta III vai realizar 14 shows e espetáculos transmitidos via live, além de oito podcasts com temas como diversidade racial e de gênero.
O Enxurrada começa este fim de semana com show da cantora e compositora nigeriana Okwei Odili e o espetáculo Pindorama, Antes de Chamar Brasil, sábado e domingo, respectivamente, às 20h e 17h. A programação virtual e gratuita vai até abril e inclui apresentação do ator Leno Sacramento, com o monólogo Encruzilhada, ainda em janeiro.
Para quem gosta de cinema, a Live de Roteiristas acontece sábado, às 16h, com a participação do cineasta Rosa Caldeira. O olhar sobre “a imagem de experiências transviadas faveladas em primeira pessoa” serve de mote para o encontro que é liderado por Carollini Assis e Ceci Alves. Ao todo, serão 15 encontros e 15 convidados, em 30 horas de conteúdo.
No campo da literatura, a sexta - dia de usar branco e reverenciar Oxalá - vai ganhar a companhia da Oxalaive, série de 14 programas sobre poética e cultura negra com edições semanais sempre às 16h, até 9 de abril. Os encontros vão reunir poetas do Brasil, Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, com transmissão no YouTube e Facebook do Coletivo Blackitude - Vozes Negras da Bahia. Escritor Nelson Maca (Foto: Antônio Terra/Divulgação) “Tô achando muito bacana a movimentação artística na cidade. E isso acontece em todo o Brasil. A Lei Aldir Blanc é realmente importante nesse momento. Mas não penso que o governo ou os políticos estejam nos fazendo caridade ou favor. Na verdade, o mecanismo da lei obriga o estado a investir em cultura. E o resultado é esse”, destaca o escritor Nelson Maca, 55, curador da Oxalaive.Apesar da pandemia, artistas, produtores e prestadores de serviços “estão produzindo, vivendo a arte”, destaca Nelson.
“E a população já recebe os primeiros resultados positivos. Tudo isso com incentivo financeiro que sempre esperamos, mas que chega para poucos. Dinheiro recolhido em impostos da própria população, é bom ressaltar. Espero que o momento sirva de exemplo para o que virá depois. O investimento democrático na cultura tem que ser tratado como uma prioridade”, defende.
Conquistas A Lei Aldir Blanc destinou R$ 3 bilhões para a cultura, através de renda emergencial mensal aos trabalhadores da área; subsídio mensal para manutenção de espaços artísticos e culturais; fomento a projetos; e linhas de crédito. “Sem dúvida, vai trazer um fôlego para a cultura e para os artistas durante quatro meses”, reforça a atriz e diretora Chica Carelli, 63 anos.
Em parceria com o Teatro Vila Velha, Chica oferece gratuitamente a Oficina de Criação de um Espetáculo Teatral. São aulas virtuais de dramaturgia, voz, figurino, cenário, iluminação, corpo/espaço e encenação, entre fevereiro e abril. As inscrições vão até dia 24, no site do Vila. Apesar da conquista, ela confessa que está receosa com o futuro.
Em sua opinião, é importante o poder público olhar com atenção para os espaços culturais contemplados. “Uma casa de espetáculo fechada vai ter seus equipamentos deteriorados. A gente não consegue nem imaginar o que será necessário para reabrir o teatro. Estamos preocupados com o futuro”, confessa.
Apesar das dificuldades, Chica destaca que existem muitos aprendizados nesse processo. Entre eles, o exercício de pensar além da zona de conforto. “Fomos obrigados a entender esse universo virtual e como trabalhar nele. Então, nas oficinas, vamos privilegiar o pessoal do interior que essa tecnologia nos permite atingir facilmente”, anuncia. A atriz e diretora Chica Carellli ministra uma oficina de criação teatral (Foto: Marcio Meirelles/Divulgação) Desigualdade Ator, diretor e dramaturgo João Guisande, 31, defende que a Lei Aldir Blanc “foi uma conquista histórica da classe artística que, mesmo em situação de extrema fragilidade devido a pandemia, se organizou, pressionou e lutou até o fim para que fosse aprovada”. Assim como outros artistas, João teve apresentações suspensas em 2020. A programação foi “por água a baixo”, define, mas ele não deixou de trabalhar.
“Dei continuidade à minha pesquisa em casa, e assim nasceu o Memória do Teatro da Bahia - Galeria Online”, conta, sobre o projeto que será lançado no dia 22. Leitura dramatizada, duas exposições, seis podcasts e um docudrama fazem parte da programação.
Mesmo empolgado com os benefícios da lei, Guisande diz que não dá para comemorar diante do cenário que vivemos. “Falo de um lugar privilegiado, pois contei com ajuda de meus pais durante a pandemia. Mas imagina não saber como vai pagar as contas e ter que sentar para escrever edital sem ter garantia de nada?”, indaga. “A pandemia revelou ainda mais a nossa desigualdade social”, diz.
Feminista negra, produtora cultural e multiartista, Sanara Rocha concorda que existem limitações. Apesar de ver a lei como “um respiro diante de um ano de completa instabilidade”, Sanara tem consciência de que “existe muita demanda para pouco recurso”. Ela foi contemplada com a Exposição Online de trabalhos em artes visuais apoiados na técnica da fotoperformance, cujas inscrições seguem até dia 31.
“As inscrições em meio online já produzem uma seleção natural para as mesmas pessoas de sempre. Afinal, não podemos nos esquecer nem por um segundo que ainda existem cerca de 30% da população brasileira desplugada, sem aparelhos para acessar a internet em suas casas. Como beneficiar essas pessoas também?”, questiona.
Guerrilha Depois de ter a luz cortada no segundo dia de flexibilização, o diretor artístico da Casa Preta Luiz Guimarães respira aliviado com o auxílio emergencial. “Agora, a gente se coloca novamente no mercado, dentro da seguinte perspectiva: estamos saindo do vermelho, nos reestruturando e preparando para o que vai vir. Remuneração dos profissianis que não deixaram a casa morrer, é um mínimo de dignidade”, agradece o idealizador do projeto Enxurrada Casa Preta.
Integrante do Aldeia Coletivo, grupo que coabita o espaço de cultura, Luiz reforça que esse auxílio “ajudou de forma significativa” principalmente os que falam de um lugar de periferia. “A gente sempre fez arte de guerrilha. Não tem microfone? Ensaia na voz. Mesmo durante a pandemia, a gente não parou”, conta.
Para além da Lei Aldir Blanc, Luiz acredita que o setor cultural só conseguirá se fortalecer quando a classe artística entender que precisa criar uma rede de articulação. Ao mesmo tempo, o público precisa aproveitar esse momento para refletir sobre como pode contribuir. “Assistir à live de um grupo, um espaço ou uma proposta independente é aquecer um mercado que sempre foi desprivilegiado”, convida.
"É o momento de quem está em casa abrir o coração e dividir. Não é só Pablo, Wesley Safadão e o paredão. Isso é bom e eu adoro. Mas e o posicionamento do que somos? Chegou a hora dessas pessoas todas que estão nas redes escolherem quais referenciais simbólicos querem para seus filhos. É a sociedade que vai escolher o que ela quer que seus filhos sejam", relfete.
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Editais distribuem cerca de R$ 120 mi para cultura
Bahia A Lei Aldir Blanc, regulamentada em agosto pelo governo federal, foi criada para dar um suporte à área cultural durante a pandemia. A Secretaria Especial de Cultura destinou R$ 3 bilhões ao setor para serem distribuídos no país. A lei é formada por três incisos: o primeiro previa o pagamento de R$ 600 mensais a profissionais; o segundo determinava uma ajuda mensal a espaços artísticos e culturais e o terceiro, que começa a ser executado agora, é destinado a editais.
Nesta terceira fase, município e estado são os responsáveis pela criação dos editais e destinação da verba. Em Salvador, a prefeitura, por meio da Fundação Gregório de Mattos (FGM), investiu cerca de R$ 17 milhões distribuídos para 500 agentes de cultura, entre projetos e instituições culturais, somando-se os valores referentes aos incisos II e III.
Já o Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura, executou mais de R$ 92 milhões referentes ao inciso III. Mais de 1,8 mil projetos foram pagos até o dia 31 de dezembro de 2020 ou empenhados para pagamento neste mês.
As iniciativas desenvolvidas pela FGM alcançam as dez regiões administrativas de Salvador, no território de comunidades remanescentes de quilombos e de comunidades tradicionais (povos originais, ciganos e de matriz africana). Os recursos serão distribuídos em três áreas: audiovisual (Prêmio Conceição Senna), com R$ 1,6 milhão para 16 propostas; patrimônio cultural (Prêmio Jaime Sodré), com R$ 2 milhões para 45 propostas, e linguagens artísticas (Prêmio Anselmo Serrat), com R$ 5 milhões para 75 propostas.
Já a Secult lançou sete premiações, entre chamamentos e editais. Para evitar a centralização, os valores foram distribuídos entre todos os 27 Territórios de Identidade da Bahia. “A territorialização é uma diretriz da Secretaria de Cultura e nesse sentido as premiações e chamadas públicas já foram elaboradas de forma que atendesse à diversidade cultural presente nos 27 territórios de identidade da Bahia”, afirma Arany Santana, secretária de cultura.
“Tivemos editais voltados para as linguagens artísticas, para os Pontos de Cultura, para o patrimônio, para os mestres da cultura popular, as comunidades quilombolas, indígenas e LGBTQIA+, as matrizes do samba, as feiras literárias, livro e leitura, entre outras expressões que tem presença marcante nos mais diversos municípios baianos”, acrescenta a secretária.
Tanto no caso da prefeitura como do Estado, os projetos premiados serão apresentados de forma virtual. Para o presidente da FGM, Fernando Guerreiro, que é também diretor teatral, os artistas premiados pelos editais vão superar o problema da ausência de público: “A cultura pressupõe um contato com o público, mas a tecnologia apresentou formas para a cultura se reinventar. Certamente, espetáculos de teatro e oficinas, por exemplo, têm tudo para funcionar bem”.
Guerreiro ressalta o papel estatal como fomentador da arte: “Na pandemia, é claro que é inevitável a atuação do Estado. Ele deve ser sempre um instrumentalizador da cultura. Mas não se pode cair sobre ele toda a responsabilidade e acho que o Estado, fora deste momento de pandemia, está sobrecarregado, há uma dependência muito grande dele”.
*Roberto Midlej
Tem música, poesia, teatro, cinema, dança...
Enxurrada Casa Preta III Show acústico Okwei Odili, sábado, às 20h; Espetáculo Pindorama Antes de Chamar Brasil, domingo, às 17h
Oxalaive Encontros virtuais, às sextas, 16h; no YouTube e Facebook do Coletivo Blackitude - Vozes Negras da Bahia
Oficina de Criação Com Chica Carelli, de 01/02 a 09/04, das 10h às 13h; Inscrição gratuita até dia 24, no site www.teatrovilavelha.com.br
Live de Roteiristas Com Rosa Caldeira, Carollini Assis e Ceci Alves, sábado, às 16h; Inscrições gratuitas no e-mail [email protected]
Residência artística online para bailarinos negros de Salvador e RMS Com Augusto Soledade, de 01 e 27 de fevereiro; Inscrição até dia 23, no site www.guegoanunciacao.com.br
Mostra de Cinemas Africanos Imersão com Fabio Rodrigues Filho, de 21 e 30 de janeiro; Inscrições gratuitas até dia 17 no site www.mostradecinemasafricanos.com Exibição de filmes: março
Oficina Música e Musicalidade na Cena Com Elinas, Luciano Salvador Bahia e Jarbas Bittencourt. De 09 a 13 de fevereiro. Inscrições gratuitas até dia 30 pelo link https://forms.gle/h4y85aBifMT2mhdB7
Futurismos Ladino Amefricanas Inscrição para exposição online até dia 31 pelo link https://bityli.com/9TQ9d