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Roberto Midlej
Publicado em 28 de abril de 2023 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Na história recente do mercado editorial brasileiro, poucos autores causaram tanto entusiasmo como o baiano Itamar Vieira Júnior. E isso não foi só por parte dos leitores, que comentaram muito o seu romance Torto Arado, de 2019, o primeiro de uma trilogia que ganha agora o segundo volume, Salvar o Fogo. Certamente, a editora Todavia teve motivos de sobra para celebrar o livro anterior, de 2019, afinal foram 700 mil cópias vendidas, o maior número da história da empresa.
Agora, quatro anos depois, Itamar chega com o seu esperado segundo romance, pela mesma editora. E o buxixo em torno do lançamento tem tudo pra ser o mesmo do anterior: só na pré-venda, já foram vendidos 37 mil exemplares e há um firme sinal de que vem um novo bestseller por aí. O romance já está nas livrarias desde segunda-feira.
No livro, Moisés vive com a irmã Luzia em um povoado rural conhecido como Tapera do Paraguaçu, no interior da Bahia. Tapera é uma comunidade de um povo de origens afro-indígenas que vive à sombra do poder da Igreja católica e dos humores de seus religiosos.
Moisés encontra afeto em Luzia, uma jovem estigmatizada por seus supostos poderes sobrenaturais. Para ganhar a vida, Luzia se torna a lavadeira do mosteiro e passa a experimentar uma vida de profundo sentido religioso, o que a faz educar Moisés com extrema rigidez.
O lançamento, cercado de expectativa, terá até direito a uma "book tour"do autor, que terá início em Salvador, nesta terça-feira, no Teatro Jorge Amado, com ingressos esgotados. Depois, Itamar passa por mais oito capitais. O CORREIO conversou com o escritor sobre o novo livro, a expectativa em torno do lançamento e a adaptação de Torto Arado para o audiovisual.
A religiosidade tem forte presença em Salvar o Fogo. Qual a importância desse elemento no livro?
Nessa história, acho que, mais importante que a religiosidade, tem importância a presença da igreja como uma instituição que fez parte do processo histórico brasileiro. Então, é a história de uma comunidade que vive ao redor de um convento. E essa igreja domina a vida da comunidade, é proprietária da terra e está instalada lá desde o século XVII. Então, muita coisa que a comunidade vive tem uma relação profunda com essa presença da igreja.
Muita gente de Tapera acredita que Luzia tem poderes sobrenaturais. Isso tem relação com o realismo mágico?
Eu escrevo realismo e, claro, a partir da perspectiva de personagens que têm histórias e visões de mundo muito distintas. E eu deixo as interpretações para os leitores. Muitos acham que tem magia; outros acham que aquilo faz parte dos credos, das paisagens de sua própria vida e de sua família. Sou profundo admirador de Gabriel García Márquez e de outros autores que têm a coragem de alargar o conceito de realismo e de trazer elementos que são considerados fantasia.
Salvar o Fogo é o segundo livro de uma trilogia. O que há de comum entre os três títulos? Os personagens ou a história? E quando deve ser lançado o terceiro?
O próximo livro da trilogia está esboçado, tem história, mas talvez não seja o meu próximo livro. Não me dei prazo para concluir, assim como não me dei prazo para escrever Salvar o Fogo. As coisas vão acontecendo e eu vou seguindo. Tem afinidade temática entre os três romances, mas as personagens não chegam a se repetir de uma forma tradicional.Esta não é uma continuidade da primeira história. Uma coisa central nos três romances é a relação de homens e mulheres com a terra. Falar sobre territorialidade: de que nós não podemos prescindir de uma terra para pisar.Torto Arado é um dos livro mais comentados e vendidos nos últimos anos no país. Como fica a expectativa para este segundo romance? Você se cobra?
Não, em nenhum momento. Tudo que aconteceu com Torto Arado foi um percurso muito particular, que não foi planejado. Depois que tudo isso acontece, talvez os leitores, os escritores e a editora criem uma expectativa de que tudo se repita. Já sou um jovem senhor, de 43 anos, acho que tenho uma parca, mas sólida compreensão da vida, então, não me iludo nem crio expectativas. Quero fazer aquilo que gosto: escrever sem ser cobrado. Não posso trair meu projeto de vida, meu projeto literário.
Torto Arado está sendo adaptado para uma série na HBO. Você tem envolvimento com a adaptação? Que outras adaptações aconteceram?
Eu não tenho acompanhado o que está acontecendo com a série, não participo. Não quis participar porque demanda muito tempo, ocupa muito, mas o meu "barato" é a liteatura. Tem esse projeto e tem uma adaptação teatral que será feita por Aldri Anunciação [o memso de Namíbia, Não]. Tem também uma adaptação para o teatro circulando na Europa e EUA, de Christiane Jatahy, que é brasileira. Ela levou inclusive uma quilombola que sonhava ser atriz, que agora é uma grande atriz que está circulando a Europa com esse espetáculo, Depois do Silêncio. Tem também uma música do Rubel, cantada por Luedji Luna. Tudo isso é inesperado.
Para você, o que tem mais "peso" na sua escrita: a linguagem ou o enredo?
Eu sempre estou tentando encontrar o tom de contar a história. Contar história, todos nós sabemos. A literatura é herdeira da tradição oral, de quando se contavam histórias ao redor do fogo, perto da família. A estrutura, eu vou conhecendo à medida que eu vou escrevendo. Sobre a linguagem, é de fato importante encontrar o tom de contar aquela história, que dê ritmo e seja harmônico, mas que provoque desconforto em quem lê a história. Essas são as minhas preocupações mais proeminentes quando eu estou escrevendo. Por isso, escrevo e reescrevo muitas vezes, até encontrar o tom adequado de contar a história. Mas acho que é muito importante, porque essa é a diferença de quem escreve: de que maneira contar essa história.Não vamos contar uma história de forma aleatória, como fazemos no cotidiano. Vamos contar histórias, mas de uma maneira mais elaborada, imaginando uma engrenagem que pode capturar o leitor.Você seria capaz de dizer por que Torto Arado fez tanto sucesso?
Quando acho que estou entendendo a razão, acontecem coisas novas. Primeiro, antes de tudo, achava que uma história dessa natureza, que trata de uma comunidade rural e negra, num país que é cada vez mais urbano, nunca atrairia leitores. Eu tinha essa expectativa, mas felizmente fui surpreendido. E aí, quando os leitores começam a relatar o que sentiram ao ler, percebo que há uma fome muito grande nossa, e aí me incluo, de compreender essa país. E a ficção pode nos ajudar a compreender a história do país. Então, é isso que percebo nos leitores. Mas a coisa extrapola, ganhou muitas traduções. Já não consigo explicar: o que faz um leitor japonês, alemão ou colombiano se interessar por essa história? Não tenho essa resposta. Talvez tenha interesse em conhecer culturas e lugares diversos do meu. Não só pela curiosidade de conhecer. Mas conhecendo esses lugares, essa culturas, estou tentando encontrar a mim mesmo. Compreender a mim mesmo, a minha existência e as coisas à minha volta. Mas não tenho uma resposta única pra falar sobre o êxito de Torto Arado.
Por que o livro é dedicado a sua mãe?
A primeira parte da trilogia foi dedicada ao meu pai. Ali, tinha personagens de diversos espectros que acho que carregavam um pouco das qualidades e dos defeitos dele, então foi dedicado a ele. Neste romance, assim como no primeiro, há uma presença muito forte das personagens mulheres e muitas delas foram inspiradas em mulheres da minha família.Então, uma maneira de dedicar a todas, seria dedicar a essa figura materna, que é minha mãe e eu estaria, por fim reverenciando, celebrando e homenageando todas as ancestrais, que deram sua contribuição a essa história.SERVIÇO Salvar o Fogo Autor: Itamar Vieira Júnior Editora: Todavia Preço: R$ 77 (impresso) | R$ 50 (e-book) Páginas: 320