Harildo Déda volta ao palco em peça que homenageia os seus 70 anos

'A última sessão de teatro' estreia amanhã, no Vila Velha, e tem o teatro como tema central

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  • Da Redação

Publicado em 26 de novembro de 2009 às 10:55

- Atualizado há um ano

Desde o mês passado, Harildo Déda está oficialmente aposentado como professor da Escola de Teatro da Ufba. Foram 39 anos ensinando no curso de interpretação e ajudando a formar jovens atores. Se juntarmos as 70 peças em que atuou e as 20 que dirigiu, teremos um panorama que cruza a maioria dos caminhos recentes das artes cênicas da Bahia. A lista é grande e conta com nomes como Hebe Alves, Cleise Mendes, Frank Menezes, Fábio Lago, Marcelo Flores, Jackson Costa, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Vladimir Brichta... “Descobri um prazer muito grande em ensinar, em estar com a juventude”, resume Harildo, que vai interpretar um personagem inspirado nele mesmo.

Há quatro anos sem participar de um espetáculo, ele retorna como HD, um conceituado ator de 70 anos que esquece suas falas e resolve abandonar a profissão. HD é o protagonista de A última sessão de teatro, peça que tem direção de Luiz Marfuz e foi idealizada como uma homenagem aos 70 anos de Harildo Déda, completados no último dia 3.

Ator, diretor e professor teatral, Harildo Déda esteve presentena formação de muitos atores baianos

A montagem estreia sexta-feira (27), para convidados, no Teatro Vila Velha (Passeio Público), às 20h, e segue em cartaz até dezembro. Harildo divide a cena com os atores Neyde Moura e Fernando Santana. Ambos foram seus alunos. Cumprindo intensa agenda de ensaios pela manhã e à noite, o ator pediu para que a entrevista não fosse muito demorada, pois está usando as tardes para memorizar suas falas.

Voltar aos palcos, reflete, está sendo uma espécie de renascimento. “O fantasma do branco sempre nos acompanha”, diz, acrescentando que a geração mais jovem não o conhece. Seu último trabalho como ator foi na peça A prostituta respeitosa (2005), com direção de Márcio Meirelles. “Acho o último trabalho sempre o melhor”, desconversa o ator, que abre um parêntese para destacar os seis anos em que atuou no Teatro Vila Velha, dirigido por João Augusto.

Veteranos do teatroA montagem A última sessão de teatro faz parte do projeto Mestres da Cena, da Secretaria de Cultura da Bahia, que destaca nomes importantes do teatro local. Além da peça, serão produzidos um vídeo-documentário e um livro sobre a vida e a obra de Harildo Déda. Também serão realizadas oficinas comandadas por ele e um seminário sobre sua poética criativa. “Achei o projeto muito bom. O teatro é uma arte volátil e para que não se perca é preciso respeitar as pessoas que fizeram a sua história”, avalia. As outras ações do projeto acontecerão em 2010.

Ao lado da atriz Neyde Moura em leitura dramática de ‘A última sessão de teatro’: processo em debate

No caso de Harildo, há mesmo muito o que contar. Em seu extenso arquivo, há o registro de quase tudo que fez, a partir de 1962, quando abraçou a profissão no Centro Popular de Cultura. Nascido na pequena cidade de Simão Dias, Sergipe (e cidadão soteropolitano desde 2003), o ator ganhou uma bolsa e veio para Salvador estudar. “Lá não havia colégio”, recorda. Tinha apenas 12 anos e aguentou firme o internato no Colégio Dois de Julho. “Sempre fui muito determinado”, conta Harildo, que fez vestibular para letras e, em 1959, com 18 anos, foi para os Estados Unidos com nova bolsa de estudos. “Naquela época era uma verdadeira aventura. Para você ter uma ideia, assisti TV pela primeira vez nos Estados Unidos”, recorda, divertido.

Só não ficou por lá porque as cartas da mãe chegavam marcadas por lágrimas de saudade. Depois de tentar direito para agradar ao pai, Harildo resolveu assumir de vez o mundo artístico. Fez mestrado nos EUA e da década de 1970 para cá passou a se dividir entre a atuação, a direção e o ensino. Anualmente, conta, tinha o maior prazer em dirigir os espetáculos de formação dos alunos de interpretação.

Fora da escola, um dos seus trabalhos recentes de maior destaque foi a adaptação de Hamlet, de Shakespeare, para o Núcleo de Teatro doTCA, em 2005. Um dos integrantes do elenco da tragédia, o ator Marcelo Flores, também ex-aluno, destaca as qualidades do professor: “Ele conduziu nossa turma pelos caminhos de Shakespeare, Tchekov, Ibsen, Strindberg, Sófocles, Eurípedes e outros mestres do teatro”.

Culpa do cinemaWagner Moura conheceu Harildo na peça A casa de Eros (1996). Nos ensaios, lembra, ficava observando- o como um “menino diante de um ídolo do rock”. Wagner, que não cursou a Escola de Teatro, destaca a atuação de Harildo em peças como Equus e Noite encantada. “Harildo era e é uma figura mítica da arte da Bahia”, completa.

O ator em ‘A vida de Galileu’ (2001), dirigida por Elisa Mendes

Com currículo tão extenso no teatro, é difícil acreditar que ele começou a pensar em ser ator por causa do cinema. Na infância, todo fim de semana o compromisso era certo. “O cinema me fascina”, resume Harildo, que participou de filmes como Tieta do agreste (1996), Central do Brasil (1998) e Cidade baixa (2005); e está nos inéditos O homem que não dormia, de Edgar Navarro, e O Jardim das folhas sagradas, de Pola Ribeiro.

Peça discute conflitos, dificuldades e prazeres do teatro Harildo Déda diz que não estava muito motivado para “esta coisa de homenagem”. Mas, como gostou muito da ideia que lhe foi apresentada pelo diretor Luiz Marfuz (Policarpo Quaresma), embarcou no projeto. Um dos motivos foi o fato de o texto falar do próprio teatro. “Sempre gostei do teatro falando de si mesmo”, pontua o artista, que estreou na direção com o texto Seis personagens à procura de um autor (1981).

Em A última sessão de teatro, o seu personagem HD está em crise porque não consegue dar conta mais do texto dos espetáculos. Quer desistir de tudo. É a deixa para entrar em cena a amiga e colega de profissão Olga (Neyde Moura) e o jovem aspirante a ator Luiz Fernando (Fernando Santana). A relação dos três é mediada pela vontade de ensinar e aprender, pelos conflitos sobre a arte teatral, os significados e as dificuldades inerentes à profissão.

Esta é a primeira parceria de Harildo Déda e Luiz Marfuz, que assina também assina o texto. O diretor confessa que este era um desejo antigo. “Sempre tive uma vontade grande de dirigir Harildo. Ele é uma pessoa que admiro muito”, resume.

(Notícia publicada na edição impressa do dia 26/11/2009 do CORREIO)