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Da Redação
Publicado em 8 de setembro de 2009 às 10:03
- Atualizado há 2 anos
A famosa frase do escritor João Guimarães Rosa (1908-1967), de que o sertão está em toda parte, poderia servir de síntese para a exposição Sertão contemporâneo, que tem abertura nesta terça-feira (8), para convidados, na Caixa Cultural Salvador (Carlos Gomes).
A mostra apresenta a visão de seis artistas plásticos atuais, que fizeram viagens - reais e imaginárias - a diferentes pontos de Minas Gerais e do Nordeste. O projeto, que estreou no Rio de Janeiro em março passado, retoma o clima das expedições exploratórias dos artistas modernistas, que queriam desvendar e traduzir o Brasil. Mas com uma nova perspectiva, como explica o professor e crítico de arte carioca Marcelo Campos, 36, que assina a curadoria da mostra.
Instalação de Rosângela Rennó: pessoas conectadas virtualmente
“Sertão, na verdade, é um termo muito abrangente. Se refere a qualquer lugar interiorano e não aquele sertão clássico de cidades como Juazeiro e Canudos”, amplia Marcelo, que defendeu tese de doutorado em 2005 na UFRJ sobre o conceito de brasilidade na arte contemporânea.
Ao contrário da arte moderna, que explorou o tema em várias expressões, a contemporânea, destaca o curador, não se voltou para esse universo. Marcelo, então, resolveu investigar como criadores dos nossos dias olhariam para as vertentes geográficas e simbólicas dos sertões. Ou, ainda, questionar se existe identidade nacional na produção artística atual. “Que Brasil interessa à arte contemporânea?”, pergunta.
Ele convidou, então, os artistas plásticos Brigida Baltar, Efrain Almeida, José Rufino e Rosângela Rennó para a empreitada. Entre o final de 2007 e o início de 2008, os três primeiros viajaram, junto com Marcelo, para localidades do Ceará, Paraíba, Pernambuco, João Pessoa e do Rio Grande do Norte. Já Rosângela Rennó preferiu trabalhar a partir de registros de outros fotógrafos, da literatura de Guimarães Rosa e da própria memória.
Desenho de José Rufino, que recolheu raízes, pedras e imagens estranhas em seu caminho pelos sertõesFoto: Divulgação/Fernando Leite
Para a versão baiana, a exposição ganhou mais dois participantes: Delson Uchôa, que representa o sertão alagoano, e Luiz Zerbini, que traduz o sertão baiano. “Minha intenção é acrescentar sempre novos trabalhos, novas visões”, afirma Marcelo, que destaca a diversidade de propostas apresentadas pelo sexteto, formado por artistas reconhecidos no cenário nacional . “São visões muito diferentes, que às vezes esbarram no regionalismo e na paisagem, mas sempre dialogam com ferramentas contemporâneas”, pontua.
Os artistas utilizam técnicas variadas como fotografia digital, desenho, pintura e slides em seus trabalhos. E passam longe do registro do folclore, mesmo quando dialogam com temas como a forte religiosidade do nordestino. É o caso, por exemplo, do cearense Efrain Almeida, 45, que deu uma leitura muito particular à fé que os habitantes de Mossoró (Rio Grande do Norte) têm em Santa Luzia, protetora dos olhos e padroeira da cidade. Ele preparou quatro sequências de pinturas, focando apenas os olhos. Os modelos foram pessoas da própria região.
CenáriosJuazeiro do Norte, no Vale do Cariri, foi o cenário da paulista Brigida Baltar, 50. Quando iniciou o trabalho, conta Marcelo Campos, ela pensava que iria encontrar a seca, aquela paisagem de pouco verde e rachadura no chão. Mas, para sua surpresa, foi o contrário. Por isso, idealizou a instalação De repente é verde sertão, na qual utiliza tijolos fabricados por ela mesma em olarias populares, misturados com desenhos, fotos e slides de sua atuação.
Já o paraibano José Rufino, 44, viajou de João Pessoa ao sertão de Sousa e Cajazeiras, no limite da Paraíba com o Ceará. Paleontólogo de formação, se interessou pela geologia e pelo que o homem faz com esses elementos. No percurso, fotografou a estranheza nas raízes queimadas, pedras manchadas pela natureza ou pintadas de branco. Integrante da segunda etapa do projeto, Delcio Uchôa, 53, partiu do litoral de Maceió até o sertão de Paulo Afonso. Seu interesse maior, conta Marcelo, era buscar pistas da história de Lampião, mas do ponto de vista do homem delicado que fazia suas próprias roupas. Como resultado, exibe um tecido costurado com fios de eletricidade, linkando o rei do cangaço à fartura de energia da usina hidrelétrica da região.
Juntamente com a exposição, foi lançado um livro-catálogo que detalha seu processo de montagem e traz outras imagens que acabaram não entrando na seleção. Também inclui relatos de cada um dos artistas, falando sobre o que a viagem teve de mais marcante.
Deslocamento imaginárioRosângela Rennó, 47, e Luiz Zerbini, 50, preferiram não viajar. Trabalharam a partir da memória e da experiência que tinham sobre o sertão. Ela, que é mineira, abordou seu estado. Já o paulista Zerbini foi convidado a pensar o sertão baiano.
O trabalho de Rosângela Rennó faz referência ao livro Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, no qual o escritor mineiro retrata o sertão das Gerais, com sua riqueza de tipos e histórias. Ela também utiliza registros dos fotógrafos Léo Drummond e João Castilho, imagens de pessoas ou redemoinhos de terra, um fenômeno efêmero comum em lugares muito quentes, interpretado popularmente como relacionado ao mundo sobrenatural. Rosângela interfere nas fotos, propondo novas maneiras de expô- las, como na instalação com computadores, que ilustra a página anterior.
Artista plástico e músico, Luiz Zerbini, um dos integrantes do polêmico grupo Chelpa Ferro - que faz performances misturando várias linguagens - foi por duas linhas distintas: retratou o caminho simbólico dos rios, com destaque para o SãoFrancisco, que cruza vários sertões, e lembrou os naturalistas, colocando madeira queimada em tubos de ensaio.
ServiçoExposição Sertão contemporâneo Onde Caixa Cultural Salvador (Rua Carlos Gomes, Centro) Abertura Nesta terça-feira (8), 19h, para convidados Visitação de quarta-feira (9) a 11 de outubro, de terça a domingo, das 9h às 18h. Visitas guiadas: (71) 3421-4200