Conheça Paulilo, criadora do primeiro paredão 120% LGBTQIA+ de Salvador

Paulilo Paredão foi criado há 3 anos e hoje ajuda na formação de pessoas trans com oficinas e pagode do bom: "Um movimento de periferia"

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  • Da Redação

Publicado em 15 de fevereiro de 2022 às 06:04

- Atualizado há 2 anos

. Crédito: divulgação

Pepeu Gomes canta que ser um homem feminino não fere o seu lado masculino. Afinal de contas, se até Deus é menina e menino, ele é masculino e feminino. Caminhando pelas ruas de São Caetano, a idealizadora do primeiro paredão reconhecido como 120% LGBTQIA+ personifica os versos do mestre baiano. Ela é ele. Ele é ela. Ela é Paulilo.

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A própria produtora explica quem é e o que é a sua festa. Paulilo é uma pessoa não-binária, moradora do bairro de São Caetano, pagodeira, estudante de Serviço Social, filha de Marrom - uma mulher lésbica que fundou a primeira companhia de teatro do Subúrbio - e que já nasceu "toda afetada". "Quando mainha me pariu, vim cheia de glitter. Brincava de Ana Maria Braga na cozinha de minha avó e me acabava de dançar no ritmo do liquidificador", diz.

Já a festa é um movimento de rua que fortalece a região e fomenta o comércio local, artistas da cena underground de Salvador e corpos dissidentes que sentem neste espaço acolhimento e representatividade. Para entender a história do Paulilo Paredão, que acaba de completar três anos, é preciso entender quem é a pessoa que lhe dá nome.

Paulilo posa para foto enquanto decora uma das edições de seu paredão (Brenda Santos/divulgação) Paulilo foi criada num verdadeiro caldeirão cultural. Ela, a mãe, o irmão mais novo (Maurício) e a madrasta são artistas. O gosto pela arte veio do útero da mãe e aflorou ainda mais após fazer um curso de teatro. Foi quando se montou pela primeira vez e percebeu como se sentia bem com aquilo. Naquela época, se identificava como um menino gay. O tempo passou, vieram novas referências, e ela se viu uma pessoa andrógina. Mais um tempo passou e hoje ela se define como uma pessoa não-binária.

Mas gosta de se chamar e ser chamada no feminino porque ela está aqui para "causar, e perceber o desconforto das pessoas para aceitá-la desse jeito"."Tem dia que me sinto muito menina mesmo e não sei explicar. Mas tem momentos que me sinto muito masculina, independente de como eu esteja vestido. Eu descobri a não-binariedade, essa fluidez sobre os gêneros, nem menino, nem menina, essa maluquice mesmo. Sei que é algo sobre sentir. E hoje eu me sinto muito eu", diz Paulilo.Essa busca por se sentir bem foi o que motivou a criação do Paulilo Paredão. Tudo começou com uma festa de aniversário de Paulilo, comemorada com amigas no antigo Bar de Mainha, em Pernambués - à época, gerido pelo fotógrafo Edgar Azevedo. Foi ali, no dia 5 de fevereiro de 2019, que nasceu o paredão.

Tudo conspirou pra dar certo: Pernambués é um reduto underground de Salvador, sendo um bairro ligado a culturas de rock e, principalmente, hip-hop em sua praça principal. Paulilo valoriza muito essa estética de underground e independência - levava para aquele espaço o público LGBTQIA+, possibilitando que as pessoas encontrassem um espaço divertido, seguro e bem feito para irem vestidas do jeito que desejassem para dançar, beijar e viver à sua própria maneira. Paulilo e a mãe, Marrom, que a teve com 17 anos. Marrom é artista, mulher lésbica e Paulilo diz que ela é o seu porto seguro de aprendizados e para a vida (Foto: Acervo Pessoal) Paulilo também fez questão de mexer no estilo musical do local. Agora, era hora de tocar as coisas que ela ouvia e dançava como criança, além de abrir espaço para que novos artistas pudessem florescer. A possibilidade de revelar sucessos do tamanho de Silvanno Salles ou Black Style, que ela tanto curte, tira sorrisos da produtora, hoje com 25 anos. Se forum hit feito por artistas LGBTQIA+ melhor ainda.

Paulilo lançou e deu espaço a muitaa gente. O ápice é a banda A Travestis, que foi lançada no projeto e, pouco tempo depois, a vocalista Tertuliana Lustosa gravou feat com Pabllo Vittar. "O público LGBTQIA+ veio com a gente e ocupou aquela praça mesmo, começou a ter picos. Fizemos festa em Pernambués, na Cidade Baixa, Candeal, Rio Vermelho, Santo Antônio, São Cristóvão... Fomos migrando para outros bairros", explica.

O cuidado com o público está em diversos aspectos, principalmente nos que andam de ônibus. No início, o paredão acontecia aos domingos, porque à época havia a política pública do Domingo É Meia, extinta pela Prefeitura. "Pensamos esse evento para pessoas de periferia, o paredão é um movimento de periferia", defende.

Sem medo do preconceito Fazer um evento que deixe viado, sapatão, trans e gente que nem sabe o que é à vontade é algo que incomoda a família tradicional brasileira. Mesmo seguindo todas as regras de convivência social, como fechar o som pontualmente às 22h e devolver a praça mais limpa do que encontraram, moradores de Pernambués fizeram um abaixo-assinado para que o Paulilo Paredão saísse do Bar de Mainha, hoje fechado.

Pouco importava se era uma ferramenta de lazer inclusiva e acessível. De nada valia dar espaço para que novos artistas se apresentem e experimentem a sensação de estar junto de um público. Fato semelhante já chegaram a enfrentar mesmo fazendo a festa num espaço fechado, no caso, a Casa La Frida, no Santo Antônio Além do Carmo, que recebeu número recorde de denúncias contra a festa. "A polícia foi lá duas vezes, queriam fechar a casa, mas não tinham argumento. A gente estava fazendo tudo certinho. Horário, protocolo, tudo nos conformes. Só que teve esse desgaste", lembra.

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A criminalização dos paredões de rua também é algo que pesa contra a festa, que já não acontece aberta do jeito que Paulilo quer desde que a pandemia explodiu e uma série de restrições a eventos foram impostas. Sonha em voltar para os bairros, mas sente que ainda não é a hora. Hoje, ela também fica feliz pelo paredão já dar passos mais largos. A edição de três anos teve um ciclo de oficinas gratuitas, voltado exclusivamente para formação de pessoas trans ao mercado artístico.

"A própria questão do dinheiro também é complicada. Faço tudo só, tenho apoio somente no dia do evento. Mas a pré e pós produção basicamente toda é comigo. Bebida, atração, local, tudo. É muita dor de cabeça e faço isso sem dinheiro", confessa.

Apesar de toda a dificuldade, Paulilo está orgulhosa de si. Esse é um combustível gigantesco para ela continuar com suas produções e fazendo o que sabe de melhor: ser artista. Também cantora, vai lançar seu EP de pagode neste semestre, contando suas desventuras sexuais e as resenhas que vive. A filha de Marrom não tem medo de cara feia e se guia por um lema inegociável: 'a gente vai fazendo, bê'. E fazendo direito.