Comédia 'Carnaval', da Netflix, gravada em Salvador, apela para clichês

Produção com Gkay no elenco faz piadas óbvias e trata temas atuais superficialmente

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  • Roberto Midlej

Publicado em 1 de junho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: fotos: divulgação

Viralização, cancelamento, publipost, poder dos influencers, invasão de privacidade... todos esses temas contemporâneos estão em Carnaval, filme da Netflix que estreia nesta quarta-feira. Na história, a instagrammer Nina, interpretada por Giovana Cordeiro, descobre, a poucos dias da festa, que seu namorado a traiu, depois que um vídeo do flagra chega a suas mãos.

Decidida a superar o baixo astral, ela vai passar o Carnaval em Salvador, acompanhada das três maiores amigas: Michele, personagem da influencer Gkay; Vivi, interpretada por Samya Pascotto; e Mayra, vivida por Bruna Inocencio. No aeroporto, são recepcionadas pelo guia turístico Salvador, interpretado pelo baiano Jean Pedro.

O filme começou a ser gravado no início de 2020 e inclui cenas reais da folia baiana. Mas, surpreendida pela pandemia, a produção suspendeu as gravações em março e só as retomou em setembro.  Samya Pascotto, Giovana Cordeiro, Gkay e Bruna Inocencio (divulgação) "No início, eu queria fazer uma comédia bem-humorada e leve para as pessoas. Hoje, além disso, acabamos criando um filme saudosista. Isso porque, talvez, a gente tenha um registro histórico do carnaval de um jeito que nunca mais vai existir", diz o diretor Leandro Neri. Para ele, o longa tem um tom "escapista", devido ao momento por que todos passam: "Atualmente, as pessoas estão sonhando em viajar, festejar, poder se encontrar com quem gosta. Temos em mãos uma peça que é exatamente o que todo mundo está querendo neste momento", afirma.

Leandro explica por que fez questão de gravar durante a festa: "Procuro sempre trazer verdades nas cenas, quero que as pessoas embarquem no filme. Então, gravar no carnaval era fundamental para mim". Há ainda tomadas gravadas no Pelourinho e na Praça Municipal. "O planejamento das sequências começou um ano antes porque elas envolviam os personagens, que estão dentro do camarote, e até um cantor fictício que se apresenta em cima de um trio elétrico", acrescenta Leandro.

Giovana Cordeiro, que foi a Moana da novela Verão 90, vive a influencer Nina. Para ela, Carnaval também proporciona uma nova perspectiva sobre a idealização em torno das redes sociais.  "A comédia convida as pessoas a pensarem sobre a importância de personalizarmos o uso da internet. A gente só vê uma parcela da realidade, aquela que é projetada no Instagram. Isso é um perigo para quem consome, porque dá uma falsa ideia de perfeição e alimenta sentimentos de frustração e comparação entre os jovens", diz.

Para a atriz, no entanto, o filme não chegar a ser uma crítica às redes: "É uma defesa sobre um uso saudável. A Nina é uma personagem insegura e isso fica nítido, porque ela tenta parecer uma pessoa que ela não é, e acho que todo mundo já sentiu isso. O filme convida a refletir mais sobre essa insegurança e sobre o que realmente vale ser compartilhado", afirma.

Superficialidade Embora o filme se esforce na tentativa de propagar um uso "saudável" das redes, como diz Giovana, o roteiro falha marcadamente em querer tratar de tudo ao mesmo tempo. E como estamos falando de uma comédia, essa campanha pelo uso responsável das redes acaba soando artificial e é tratada de forma bem piegas. 

Como se estivesse ali apenas para que questões como preconceito e vício em aplicativos não pudessem ser esquecidas. Tomemos como exemplo uma cena em que uma outra influencer - que tem números bem superiores aos de Nina - toma um porre e desanda a falar besteiras para uma rede de TV, usando palavras hoje consideradas inadequadas, como "denegrir" e "judiar", sendo, claro, reprimida pelos seguidores. Resultado: ela é "cancelada" e perde boa parte de seu poder. Solução fácil e bem preguiçosa do roteiro.

Fora que apela para o velho artifício, bem previsível num filme sobre o Carnaval: o uso do baianês, às vezes incompreendido pelos turistas, como ocorre logo numa das primeiras cenas, quando o guia solta expressões como "tá barril" e "não tem guéri guéri". 

Pelo menos, não tem o famigerado e envelhecido "meu rei", em desuso há pelo menos uns 20 anos por aqui. E, como não podia faltar, tem candomblé, comida baiana, Elevador Lacerda, capoeira... e, claro, tem We Are Carnaval na trilha, pra completar os lugares-comuns.

Cotação: Ruim