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Vinicius Nascimento
Publicado em 18 de abril de 2022 às 06:04
“A gente aprendeu desde muito cedo que ser indígena é resistir o tempo todo”. Essa frase foi recorrente durante a conversa da equipe do CORREIO com a artista visual Yacunã Tuxá (@yacunatuxa), 28 anos, que expôs algumas de suas obras no Programa Convida, no site do Instituto Moreira Salles. Ativista da causa indígena LGBTQIA+, ela sempre trabalha com mulheres, mostrando força e autonomia, negando a ideia romântica e estereotipada de personagens da literatura brasileira como Iracema, do autor José de Alencar.
Na exposição Filhas da Terra e suas Resistências Invisíveis, ela disponibilizou quatro de suas ilustrações digitais, em contextos diferentes, mas que falam bastante sobre sua identidade e seus sonhos. As peças, todas muito bem acabadas, não indicam como foi que a caminhada de Yacunã começou com caneta e papel. Ela é baiana do município de Rodelas, no norte do Estado, próximo à fronteira com Pernambuco.
Indígena do povo Tuxá, o segundo reconhecido na Bahia e no Nordeste e com forte influência no ativismo indígena local, ela é fruto de uma geração nascida logo após a construção da barragem Luiz Gonzaga, usina hidrelétrica localizada na cidade de Petrolândia. A inauguração da usina foi em 1988 e essa construção tirou a aldeia Tuxá-mãe de seu território original, realocando para a região de Rodelas.
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Com isso, a dinâmica de vida de sua família mudou bastante. “Cresci numa aldeia com contato direto com a cidade: Depois da barragem, nossa terra não foi devolvida, até hoje lutamos por demarcação do território. Por não ter território, desde muito cedo minha geração ouviu muito que a gente tinha que estudar. Os saberes que partiam da terra, eles já não podiam passar pra gente porque não tinham território”.
A Aldeia Tuxá-mãe, onde Yacunã se criou, é uma aldeia com pouco mais de 50 hectares de terra, cuja divisão com Rodelas é feita por uma porteira, uma cerca de arame. “A gente aprende desde muito cedo que ser indígena é resistir o tempo inteiro. Meus pais sempre disseram que a gente não vivia do mesmo jeito que eles e a gente precisava aprender um novo jeito de aprender e resistir. A caneta e o papel acabaram sendo uma ferramenta de luta da minha geração”, contou a artista.
De posse com essas ferramentas, ela começou a rabiscar seus primeiros poemas. Fazer as linhas de seus primeiros desenhos. A caneta e o papel foram amigos para Yacunã contar a sua própria história e resistir a uma série de situações desagradáveis que viveu ao sair de sua aldeia e rumar para Salvador, onde estuda Letras na Universidade Federal da Bahia. (Foto: Raquel Franco / Labfoto / Ufba) Preconceito na universidade Ao chegar à capital para uma universidade pública, imaginava que viveria num ambiente tranquilo, mas os primeiros dias acabaram tirando essa ideia da cabeça. “Ao chegar na Ufba, tinha uma ideia na minha cabeça, vinda do interior e de uma escola pública indígena, e imaginava que a universidade era um espaço totalmente descomplicado, sem racismo, sem preconceito contra a gente, que os professores eram super entendidos. E não foi. Na primeira semana sofri muitas agressões... Tipo professor e colegas perguntando como eu era indígena usando calça jeans, que a minha roupa não era roupa de indígena”, desabafa.
Yacunã ligou chorando para sua mãe. Mas ativou a dupla caneta-papel para combater as dificuldades. E assim foi resistindo. “A arte sempre fez parte de minha vida. Gostava de pintar as coisas, riscava paredes de casa desde muito pequena. Eu sempre fui artista”, avalia. Curiosa e determinada, aprendeu a fazer ilustrações digitais como aquelas que estão expostas no site do Instituto Moreira Salles. “Quando eu quero aprender algo, me dedico mesmo. Comprei a mesa digitalizadora e fiquei quase uma semana direto em casa, aprendendo a mexer com aquilo até me desenvolver”, relata.
Nos seus desenhos, Yacunã retrata mulheres indígenas, livres, fortes e guerreiras. “Nós temos muito a dizer e a arte é fundamental para mim nesse sentido. A arte toca as pessoas e consegue levar uma mensagem forte mesmo sem palavras”, disse. Mesmo digitalizando o trabalho, sua arte ainda começa com os mesmo amigos de infância, a caneta e o papel.