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Ana Pereira
Publicado em 13 de abril de 2019 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Salvador sempre esteve no raio criativo da artista visual carioca Adriana Varejão, 55 anos. Ela já veio “diversas” vezes pesquisar e se inspirar pela atmosfera e herança barroca da cidade, como tem mostrado em trabalhos de diferentes fases, a partir dos anos 80.
Mesmo assim, Adriana, uma das artistas mais conhecidas do país e que já expôs em vários centros do mundo, nunca tinha feito uma exposição individual por aqui. “As instituições estão muito carentes de verbas. Nunca tinha recebido nenhum convite oficial”, resume.
A afirmação é apenas uma constatação, pois ela está “muito feliz” em apresentar a mostra Adriana Varejão - Por uma Retórica Canibal, no Museu de Arte Moderna, a partir de terça-feira (16). “Fazer esta exposição é como finalmente retornar à casa da mãe depois de uma longa viagem”, poetiza Adriana. Adriana Varejão na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Cachoeira: inspirações barrocas (Foto: Vicente de Mello/divulgação) Com curadoria da crítica de arte carioca Luisa Duarte, a exposição reúne 20 trabalhos produzidos a partir de 1992, que percorrem três décadas, num esforço logístico complexo, já que as obras estão em coleções particulares de vários colecionadores.
“Não é fácil reunir os trabalhos, muitos colecionadores não ficam seguros”, pontua a artista, que não via alguns dos trabalhos desde 2013, quando fez retrospectivas nos Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio .
Por isso, a mostra retrospectiva - uma iniciativa da Galeria Almeida e Dale - ganha ainda mais importância. É uma exposição, avalia a artista, para o público que ainda não conhece sua obra ter uma visão mais abrangente do conjunto. “São obras históricas, não necessariamente o que estou fazendo agora, mas que cobrem um grande período”, resume. Pele Tatuada à Moda de Azulejaria (1995) é uma das vintes obras da mostra (Foto: Jaime Acioli/Divulgação) Devorações
É nas produções dos anos 90 que Adriana reflete com mais intensidade a força conceitual do Barroco. E as primeiras cidades em que ela pesquisou o tema foram Salvador e Cachoeira, seguidas de outras como Recife e Mariana, em Minas Gerais. Só muito depois, conta, foi a Portugal.
Ao beber na fonte estética do Barroco, com seus jogos retóricos e muitos excessos, Adriana diz que estava em busca das multiplicidades de referências que o período traz. “O Barroco foi o primeiro lugar de uma arte mestiça na América, uma arte com fortes referências locais. Este caráter múltiplo e mestiço é o que mais me atrai”, pontua, citando artistas referenciais do movimento no Brasil, como o artista mineiro Aleijadinho (1730-1814) e o poeta baiano Gregório de Matos (1636-1693).
Em pinturas como Língua com Padrão Sinuoso e Pele Tatuada à Moda de Azulejaria - que ilustram esta página - estão imagens do Barroco, relidas de forma pertubadora, com referências ao corpo humano e que parecem sangrar da tela. “A questão do canibalismo é uma metáfora, pois a ideia é subverter o padrão branco e eurocêntrico. Comer aquilo e devolver de uma outra forma. É isso que me interessa no Barroco”, diz. Ruína de Charque, Porto (2002) (Foto: Jeff McLane) Azulejos
Um dos elementos que chamam atenção no conjunto é a recorrente presença dos azulejos - tão marcante na cultura portuguesa e em suas colônias. Tanto nos trabalhos mais antigos quanto no mais recente da exposição, a pintura sobre gesso batizada de Azulejão (Neo-concreto), de 2016.
Adriana conta que tem um acervo de mais de seis mil imagens de azulejos, que vem fotografando desde 1988. “Trabalho em cima desse repertório de imagens”, explica a artista , que tem uma sala inteira dedicada a eles no Instituto Inhotim, em Minas Gerais. O quadro Azulejão, diz, é como se fosse um recorte dessa sala no museu a céu aberto de Minas Gerais.
Além das pinturas em telas e outros suportes como madeira, alumínio, fibra de vibro e resina, a mostra inclui a videoinstalação Transbarroco (2014). Nela, Adriana apresenta quatro filmes produzidos nas cidades de Rio de Janeiro, Ouro Preto, Mariana e Salvador.
Ou seja, a Bahia está muito presente em Por Uma Retórica Canibal. Por isso, diz Adriana, está mais feliz em expor no Solar do Unhão do que “em qualquer museu do mundo”. E olhe que ela já teve seu trabalho exibido em grandes instituições internacionais como MoMA (Nova York), Fundação Cartier (Paris), Centro Cultural de Belém (Lisboa), Hara Museum (Tóquio) e The Institute of Contemporary Art (Boston).
Depois de Salvador, a mostra segue para outras capitais fora do eixo Rio-São Paulo, que nunca tinham tido o prazer de receber uma mostra de Adriana Varejão. A curadora da mosta, Luisa Duarte, participa de bate-papo na terça (16) no Museu de Arte da Bahia (Foto: divulgação) Bate-papo
Além da visitação , a mostra Adriana Varejão - Por uma Retórica Canibal terá uma programação educativa paralela, atendendo a um pedido da própria artista. O que inclui uma publicação com texto para cada obra e a uma conversa sobre o universo criativo exposto, que acontece terça, às 16h, no Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória.
Participam do encontro gratuito Adriana Varejão, o artista visual baiano Ayrson Heráclito, a antropóloga e escritora paulista Lilia Schwarcz e a curadora Luisa Duarte. Entre os últimos trabalhos assinados por Luisa, que também é professora, está os programas públicos da 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc-Videobrasil, que estreia em outubro em São Paulo.
Também pesquisador e professor, Ayrson Heráclito aborda com frequência em sua produção artística elementos da cultura afro-brasileira e faz uma reflexão crítica sobre o Brasil Colônia.
Já Lilia Schwarcz é uma das mais importantes históriadoras e antropólogas do país sobre o período da escravidão. Um de seus últimos livros lançados é Dicionário da Escravidão e Liberdade (Companhia das Letras), organizado por ela em parceria com Flávio dos Santos Gomes.
FICHA
Exposição: Adriana Varejão - Por Uma Retórica Canibal
Artista: Adriana Varejão
Onde: Museu de Arte Moderna da Bahia (Solar do Unhão/ Av. Contorno)
Abertura: terça-feira (16), às 19h30
Visitação: de terça a sábado, das 13h às 18h, até 15 de junho. Gratuita