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Carmen Vasconcelos
Publicado em 2 de maio de 2023 às 19:21
Construído na década de 60, pelo então governador Adhemar de Barros, o aeroporto internacional de Viracopos entrou com um pedido de recuperação judicial (RJ) em 2018. Hoje, com dinheiro em caixa, empréstimo pago antecipadamente ao BNDES, empregos mantidos, é um dos casos de sucesso quando a ferramenta jurídica possibilita que uma organização volte a se erguer.
Esse ano, os fãs do programa Big Brother Brasil (BBB23/Globo) foram surpreendidos com a saída das Americanas como patrocinadora da realização que, após admitir ter R$ 43 bilhões em dívida, solicitou, em janeiro à Justiça, processo de recuperação judicial. O plano prevê um aporte bilionário do trio de acionistas de referência da empresa. Mas afinal, como funciona a recuperação judicial?
De acordo com o sócio do Bueno, Mesquita e Advogados Francisco Godoy Bueno, o objetivo da recuperação é evitar que a empresa seja levada à falência durante uma crise financeira, protegendo funcionários, fornecedores, prestadores de serviços, clientes, sócios, financiadoras, sócios, entre outros, podendo fazer acordos, renegociar dívidas e até mesmo suspender prazos de pagamento. “Trata-se de uma proteção jurídica para a atividade empresária, que beneficia a coletividade, independentemente da figura do empresário”, explica.
Bueno salienta ainda que somente a empresa devedora pode requerer a recuperação judicial. “O conceito de empresa é amplo e independe da forma jurídica. Na jurisprudência, mesmo pessoas físicas empresárias possuem a proteção do instituto para a preservação da empresa”, afirma.
Plano de recuperação
Com curso de especialização em Recuperação Judicial de Empresas e Falência pela PUC/SP, o advogado Charles Hanna Nasrallah faz questão de esclarecer que, pelo instituto da Recuperação Judicial, uma empresa com grande endividamento tem a oportunidade de renegociar as dívidas por meio da apresentação de um Plano de Recuperação, que, após ser votado e aprovado por seus credores, gera a novação das dívidas da empresa, que passa a amortizá-las na forma aprovada.
“Assim, quando é deferido o pedido de Recuperação Judicial, todas as execuções existentes contra a Requerente são suspensas pelo período de 180 (cento e oitenta) dias, o que garante um “fôlego” para que a empresa consiga voltar a operar sem sofrer atos constritivos de outros processos, que inviabilizem a sua atividade empresarial”.
O advogado reforça que o plano de recuperação judicial deve ser apresentado no prazo de 60 (sessenta) dias contados da decisão que deferir o pedido de Recuperação, e, caso não seja aprovado pelos credores, a Recuperação Judicial é convolada em Falência.
“Os objetivos da Recuperação Judicial são expressamente previstos no artigo 47 da Lei: ‘A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’, reforça Nasrallah ”
Pré requisitos
Sócio-diretor responsável pela área de Administração Judicial da A&M Eduardo Seixas ressalta que existem alguns pré-requisitos básicos para uma empresa entrar com um pedido de recuperação judicial, como por exemplo, exercer suas atividades há pelo menos dois anos, não ter obtido concessão de recuperação judicial nos últimos cinco anos, entre outros.
“No momento do pedido, a empresa precisa expor as causas concretas de sua situação patrimonial e as razões da crise econômico-financeira, além de apresentar as demonstrações financeiras, relação completa dos credores e funcionários, certidões, extratos bancários”, esclarece.
Seixas reforça ainda que, de acordo com o Art. 2º, essa lei não se aplica às empresas pública e sociedades de economia mista, instituições financeiras pública ou privada, cooperativas de crédito, consórcios, entidades de previdência complementar, sociedades operadora de plano de assistência à saúde, sociedades seguradoras, sociedades de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
“Com relação ao tamanho da empresa, não há nenhuma restrição de faturamento ou endividamento mínimo para entrar com o pedido de uma Recuperação Judicial, existe inclusive uma seção na lei exclusiva (Seção V) para as microempresas e empresas de pequeno porte no que tange o Plano de Recuperação Judicial”, pontua.
Eduardo Seixas cita também algumas outras cláusulas específicas, como por exemplo uma limitação da remuneração do administrador judicial de 2% sobre os créditos sujeitos à RJ ao invés de 5% para as demais empresas.
“Embora a lei não exclua as empresas menores, o processo de Recuperação Judicial é um processo custoso, no qual a empresa necessita contratar serviços que até então não eram obrigatórios, tais como: assessores jurídicos, administrador judicial, assessores financeiros (caso aplicável), cumprimento de prazos legais, entrega das demonstrações financeiras mensalmente, e talvez algumas dessas exigências inviabilizem a real recuperação da empresa”, salienta.
Colaboradores
Enquanto a empresa lida com as questões legais, existe uma inevitável tensão no ambiente interno que também precisa ser encarada com muita transparência para garantir que a recuperação possa acontecer efetivamente.
O advogado Francisco Godoy Bueno defende que, nessas situações, é fundamental equipe informada das dificuldades operacionais e das estratégias de recuperação para a continuidade da empresa.
“Os empregados poderão ter seus contratos mantidos, com prioridade para trabalhadores que recebem até 150 salários-mínimos e, caso haja a necessidade de demissões o pagamento das verbas deverão ocorrer em prazo superior a um ano a partir da data da concessão da recuperação”, diz.
Bueno lembra que, uma vez concedida pelo juiz, a RJ terá a duração de dois anos, prazo em que o plano de recuperação deverá ser cumprido à risca, sob pena de decretação de falência. “Caso o plano de recuperação homologado exceda esse prazo, a RJ durará até a satisfação de todos os créditos”, pontua.
Eduardo Seixas reforça que, para que uma empresa tenha sucesso durante seu processo de RJ, é muito importante que a empresa continue ou passe a gerar resultados operacionais e que seja aprovado um Plano factível de ser cumprido. “Em outras palavras, é desejável que a empresa seja reestruturada para que a futura geração de caixa operacional, quer seja através das vendas de seus produtos e/ou serviços ou venda de ativos, seja suficiente para o cumprimento do Plano”, finaliza.
Uma empresa em RJ tem que cumprir as obrigações normais de qualquer empresa, além de:
(i) o não pagamento de dívidas que estejam arroladas no processo de RJ, a não ser que estejam previstas e homologadas no Plano de Recuperação Judicial;
(ii) não destinar recursos da empresa para operações ou pagamentos que não estejam diretamente ligados à própria empresa;
(iii) proibição de venda de ativos durante todo o processo, exceto se tiver autorização judicial ou previsão no próprio Plano homologado.