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Bruno Wendel
Publicado em 19 de junho de 2023 às 04:01
A riqueza litúrgica traduz o culto católico nas igrejas. Mas toda essa exuberância, principalmente as relíquias, como castiçais e cálices, tem sido alvo de furtos nas basílicas. A incidência dos arrombamentos é o retrato da insegurança nos templos religiosos de Salvador, primeira capital do Brasil. A Igreja Nossa Senhora da Ajuda, no Centro Histórico, foi saqueada cinco vezes só em maio deste ano. Mas o problema é antigo. Um outro templo católico sofreu cinco invasões nos últimos anos – só em 2022 foram três ocorrências, sendo duas no mesmo mês. Outras duas passaram pela mesma situação.
“É um prejuízo financeiro, material e espiritual, porque mexem com o sentimento de pertencimento, de amor, zelo que se tem pela igreja. Além disso, é uma profanação, porque manipulam objetos sagrados que não podem ser manuseados por qualquer pessoa. Então, é uma situação muito grave a agressão ao espaço sagrado. Na maioria das vezes, são pessoas que vivem nas ruas que roubam e vendem por qualquer dinheiro, que não chega a atingir o valor real dos objetos”, declarou coordenador da Comissão Arquidiocesana de Bens Culturais da Igreja, padre Edilson Bispo.
Segundo ele, os criminosos costumam levar objetos mais fáceis de carregar, a grande maioria de ouro e prata. “São metais valiosos e que podem ser dissolvidos com mais facilidade para repassar por qualquer dinheiro. Esses objetos têm um valor alto, porque são peças antigas que não se fabricam mais com certa facilidade, mas são valiosas não só pelos metais, mas pelo valor artístico do objeto”, disse o padre Edilson Bispo.
O religioso relata que, após a liturgia, todo material usado é guardado, mas os ladrões acabam invadindo e revirando tudo. Por mais que os templos coloquem câmeras, alarmes, os ladrões conseguem entrar. “Isso porque não tem policiamento no entorno das igrejas. Nós, padres, temos o dever de salvaguardar o patrimônio, porém, sendo espaço de domínio público e patrimônio histórico, a polícia deve se manifestar. A responsabilidade é compartilhada com o governo para que os espaços possam ser aproveitados por todas as pessoas. Hoje são essas casas de metal (reciclagem e ferros-velhos) que recebem os materiais furtados e que merecem uma correção severa par que isso possa ser evitado”, pontuou o padre Edilson Bispo.
A Arquidiocese de Salvador aponta um outro problema: a facilidade de acessar as igrejas. “ A gente não pode proibir o acesso. Às vezes, chega uma pessoa como se fosse uma devota, ou um historiador, ou como um turista e vai observar toda a estrutura da igreja. Ficamos vulneráveis porque não temos o que fazer. Quando se tem condições de colocar um segurança, intimida um pouco, mas mesmo assim pode entrar, fotografar e depois, se alguém ficar interessado em alguma peça, pode retornar e levar”, disse o vice-coordenador da comissão, Irmão Jorge Mendes.
Igreja da Ajuda
Depois de ter sido invadida e saqueada cinco vezes em um intervalo de oito dias em maio, a Igreja Nossa Senhora da Ajuda contratou uma empresa de segurança privada. Antes dessa medida drástica, a catedral já contava com câmeras de segurança devido a outros episódios, mas nada adiantou. Erguida em 1549 durante a construção de Salvador, a igreja já contabiliza o prejuízo do furto de 16 objetos (entre vasos, âmbulas, castiçais e televisão), uma quantia de R$ 150 em espécie e 30 camisetas. A maior violação, no entanto, foi o roubo de hóstias consagradas.
De acordo com um levantamento da Arquidiocese de Salvador, através de ocorrências nas delegacias, outras três catedrais no Centro foram alvos de criminosos. A Igreja de Nossa Senhora de Nazaré foi uma delas. O espaço foi invadido cinco vezes, sendo que no ano passado foram três arrombamentos - um em julho e os outros dois em agosto. No caso mais recente, levaram uma mesa de som, uma escada e um botijão de gás - um prejuízo de R$ 3 mil. As demais situações ocorreram em setembro de 2021 e em maio de 2018. Segundo a Arquidiocese, para evitar novos casos, foram instaladas câmeras e grades, e as portas foram reforçadas.
A Igreja de Santo Antônio da Mouraria foi construída em 1724 em devoção a Santo Antônio. O local foi arrombado em 19 de outubro de 2021. Diante desse acontecimento, foi feito o reforço dos acessos, como a troca de cadeados e de fechaduras. Já a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que fica no Pelourinho, foi invadida em 10 de junho de 2019. Após o episódio, a administração resolveu pôr câmeras e reforçar portas e janelas.
Ações
As igrejas são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac). Ou seja, por lei, elas devem ser preservadas. Na tentativa de evitar novos furtos, a Arquidiocese de Salvador enviou, no dia 31 de maio, um pedido ao Gabinete do Governador pedindo uma reunião com a Secretaria de Segurança Pública (SSP/BA) e informou que, no último dia 7, encaminhou o mesmo pedido para o Comando da Polícia Militar da Bahia. “Estamos aguardando apenas as confirmações. Todos esses órgãos são muito solícitos às demandas da Igreja”, declarou o vice-coordenador da comissão.
Mais à frente, a Arquidiocese pretende montar uma rede de defesa do patrimônio histórico, com a participação dos Ministérios Públicos Estadual e Federal (MPE/MPF), Iphan, Ipac, SSP/BA, PM/BA, a prefeitura de Salvador e o governo do estado. “ Estamos com esse projeto, onde vão entrar todas estas questões: restauração, projetos, formar jovens para ser guardiães do patrimônio, segurança. Não é só uma questão de Polícia Militar. É uma questão cultural e social, vendo quem está vulnerável nas ruas, dando atenção devida a essas pessoas, que não conseguem sair das drogas, do álcool. É um trabalho de longo prazo”, pontuou o vice-coordenador da comissão.
Furtos e arrombamentos fora do Centro
Os furtos não ocorrem só no Centro de Salvador. Em junho de 2021, um homem invadiu a Capela de Santo Antônio, que fica no bairro de Armação, depois de quebrar uma porta de vidro. Ele roubou equipamentos sonoros, camisetas e dinheiro arrecadado para obras sociais. O crime foi flagrado por câmeras de segurança instaladas no local. Mesmo com trancas e sistema de monitoramento via câmeras, era a sexta vez que a capela era invadida. Na ocasião, o prejuízo calculado foi de cerca de R$ 10 mil, de acordo com frequentadores.
Em maio de 2020, a Igreja de Sant’Ana, ao lado da Colônia de Pescadores do Rio Vermelho, foi alvo de bandidos mais uma vez. Eles invadiram o templo religioso e levaram um bebedouro. À época, a direção da basílica informou que local foi alvo de criminosos centenas de vezes.
Posicionamentos
A SSP/BA disse que não recebeu nenhum pedido, mas “está de portas abertas para se reunir com representantes da Arquidiocese de Salvador, para juntos combater os furtos”. A pasta lançou a Operação Pelô Forte 2023 e que 100 câmeras, novas viaturas, armamentos, drones e policiais foram empregados na região. A SSP/BA informou que ações policiais na região reduziram os roubos e furtos. “Os crimes diminuíram na comparação entre os meses de maio e abril de 2023. Os roubos, modalidade criminosa com emprego de violência, recuaram 48%. Em abril aconteceram 39 casos e, no mesmo período de maio, a polícia contabilizou 20 ocorrências. Os casos de furtos apresentaram diminuição de 13%. Em números absolutos foram computados 23 casos em abril e 20 crimes desta natureza no mês de maio”, diz a nota.
A Polícia Civil disse que a 1ª Delegacia (Barris), que é a unidade responsável pela região do Centro Histórico, “realiza diligências investigativas para localizar os autores dos furtos”. Já PM/BA informou que o patrulhamento no Centro Histórico emprega policiamento a pé, base móvel e viaturas, o policiamento foi reforçado com guarnições do Batalhão de Polícia Turística (BPTUR).
Em nota, o Ipac esclareceu que ocorrências relacionadas a objetos furtados precisam ser comunicadas aos órgãos de investigação pelos seus proprietários ou possuidores. “Salientamos que os bens tombados pelo IPAC passam a ter suas características ser protegidas pela Lei Estadual a Lei 8.895/2003, que veda a mutilação, demolição ou destruição do bem tombado. A referida lei ainda destaca que a propriedade do bem tombado continua a pertencer ao seu proprietário, que manterá também a responsabilidade de sua manutenção e conservação”, diz o Ipac.
Já o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que daria um posicionamento, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.