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Fernanda Santana
Publicado em 6 de junho de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A seis dias do casamento, o vestido branco estava escolhido, as cervejas gelavam no congelador e os últimos detalhes eram preparados. Então, tudo mudou. O casório precisou ser cancelado, pelo decreto que proíbe aglomerações, e os noivos, Bruno e Samanta, passaram os dias que antecederiam a festa em ligações com convidados. Os sonhos foram adiados e igrejas e empresas se viram diante da crise de um setor que compunha suas receitas - a do casamento.
Estão proibidas, por decreto, aglomerações de mais de 50 pessoas - os casamentos não estão proibidos e precisam ter validação de duas testemunhas, além do celebrante. A cerimônia de Bruno Cezar Silva, 35, e Samanta Cavalcanti, 33, reuniria 30. Só que os dois não viam mais sentido em fazer a festa.
O casamento dos dois aconteceria sob uma árvore do condomínio onde já moram. Seria uma cerimônia esperada, principalmente por Bruno, há 11 anos. Um pai de santo conduziria as bênçãos. No final de semana anterior, fizeram até um ensaio.“Espiritualmente, para mim, é importante ter uma benção do universo. A sensação foi de tristeza e responsabilidade de ter que ligar para todo mundo”, contou Bruno.Eles iniciaram uma saga de ligações a fornecedores para não tomar prejuízos. Conseguiram. Agora, resta beber as cervejas que gelavam no congelador - o único prejuízo financeiro. “Toda hora é uma cerveja”, brincou Bruno. Ensaio de casamento uma semana antes da cerimônia cancelada (Foto: Acervo Pessoal) Segundo pesquisa do site Constance Zahn, especializado em casamento, 26,5% dos noivos ainda não escolheram uma nova data e 25,58% adiaram para o primeiro semestre de 2021. Os noivos ouvidos pela reportagem contaram que as empresas aceitaram adiar os acordos. As celebrações, muitas vezes, eram sonhos antigos. Há dois anos, Paola Vieira, 30, e Hiran Andrade, 30, planejavam o casamento. A festa reuniria 250 convidados. O dia 5 de setembro foi escolhido meticulosamente: foi a data em que se conheceram, há seis anos. Casal tinha gastado R$ 70 mil para o casamento (Foto: Acervo Pessoal) Depois do casamento, os dois, enfim, morariam juntos - ela mora em Salvador, ele, baiano, vive em Londrina. Eles já gastaram, em média, R$ 70 mil - a noiva é enfermeira, o noivo engenheiro de produção. “Mas, o prejuízo foi mais emocional que financeiro”, disse Paola. Os planos foram adiados para 23 de janeiro do próximo ano. “Ainda assim é uma ansiedade: o bufê ficará exposto? Os convidados precisarão usar máscara? A gente não sabe”, relatou.
‘Vai acontecer’ O mês de maio é tradicionalmente conhecido como mês das noivas, embora o campeão de casórios seja dezembro, talvez pelo tempo firme do verão, como mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Acredita-se que a tradição de maio seja mais europeia que brasileira.
Natálie Calheira Alves, 32, e Felipe Freitas Pinto, 35, escolheram o mês de outubro para dizer “sim”. Decidiram casar numa barraca de praia em Stella Maris - onde passavam boa parte dos finais de semana no início do namoro -, de frente para 150 convidados.“Foi um momento difícil para nós dois. Eu sempre tive vontade casar - para mim, o casamento é a união de almas", compartilhou Natálie. Ela e noivo precisarão pagar R$ 3 mil a mais pela postergação da cerimônia para janeiro, pois o espaço afirma ser período de alta estação. Natálie, que é médica em um hospital público na capital baiana, divide as aflições da espera com os dias de atendimento a pacientes com a covid-19. “Não teria como, mesmo se pudesse, num momento com esse”, complementou. Natálie e Felipe estavam com tudo pronto para um casamento na praia (Foto: Acervo Pessoal) Nos últimos dez anos, a Bahia se tornou um dos destinos favoritos dos noivos. Disputa as primeiras posições com Fernando de Noronha, em Pernambuco, praias de Alagoas e Florianópolis. O litoral - o maior do Brasil, com 932 quilômetros de extensão - se tornou um dos principais destinos, depois, principalmente, de casamento de famosas em praias como as de Trancoso.
Independentemente do local, a assessora de casamentos Tatiane Silveira recomenda que os noivos iniciem um diálogo com os fornecedores o mais breve possível, em caso de adiamento. "É bom fazer um check-list do que fazer. Parar a emissão dos convites é uma das primeiras”, ensinou.
Foi o que fizeram Michele Luz, 32, e Marcelo Estrela, 36. O convite com a data de 28 de junho não chegou a sair da fábrica, nem há uma nova data decidida. Luz e Estrela se conheceram na infância, mas, há sete anos, são um casal. Esperavam o casamento para viver sob o mesmo teto. Como seus sobrenomes, vêm-se como complementares.“É um dos meus sonhos, casamento, igreja. Sonho é uma coisa tão maior que a gente que só me restou aceitar e contar com minha rede de apoio”, disse Michele.Restaram o sonho, o apoio e um novo cachorro, Brad, comprado por Marcelo para animá-la. “Me deu aquela energia para encarar isso”, emocionou-se, como sempre ocorre, ao falar da cerimônia. Michele, Marcelo e Brad, o novo integrante da família, comprado depois do adiamento do casamento (Foto: Acervo Pessoal) As empresas que trabalham com casamentos têm incentivado que os noivos adiem, mas não cancelem. Administradora de um espaço de eventos que realiza casamentos para até 300 convidados - o Congrats Hall -, Iedla Lemos contou que houve apenas adiamentos - foram seis. “Tentamos nos manter presente, flexíveis, estamos pensando agora outras formas de comercialização, como a de antigos brindes”, disse.
Reinvenção Os casamentos giram uma roda bilionária que, agora, está travada. Segundo a Associação Brasileira de Eventos Sociais (Abrafesta), o setor movimenta 16,8 bilhões por ano no país. Tentamos dados locais, mas a Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia (SEI) informou que o setor era marcado pela informalidade - havia oito empregados formais em 2018, por exemplo.
Um casamento para 80 convidados custa, em média, de R$ 40 a R$ 50 mil - sempre a depender da pompa e dos contratados. Há 12 anos, Karla Rodrigues tem um bufê, o Karla Rodrigues Produções e Eventos. Em sua conta do Instagram, é possível ver fotos e vídeos de festas luxuosas, com bolos de quatro andares e véus que se estendem pelo chão. “Caiu a própria solicitação de orçamento em 60%”, calculou.
Sua empresa começou a vender kits de salgados congelados e flexibilizar pagamentos e a investir em outros negócios, como docerias e confeitarias. O modelo é seguido por outros empresários. Os casamentos, no entanto, eram a principal renda.
Dono de uma fábrica de impressão de convites, Gilvan Serqueira agora trabalha com produção de caixas e materiais para datas comemorativas na Imporium Gilvan. O custo de um convite varia de R$ 6 a R$ 14. Convites de pelo menos 20 casamentos deixaram de ser impressos. “Mas os clientes têm sido bem parceiros, mantiveram alguns pagamentos, então estamos conseguindo segurar as pontas”, falou. A tendência, na verdade, é que a própria organização dos casamentos mude. Para Marina Novaes, especialista em casamentos na Bahia e mentora de noivas, passada a pandemia, as festas ao ar livre ganharão espaço. “As festas vão ser remodeladas, vai ter uma busca maior por eventos mais intimistas e em espaços abertos - mesmo quando houver relaxamento, ainda conviveremos com o vírus”, opinou. Josi e Rodrigo celebraram dia em que aconteceria casamento com um jantar em casa (Foto: Davi Santana) Fotógrafo de casamento premiado internacionalmente, Silas Coelho também acredita que as cerimônias ao ar livre terão mais espaço. Sem os finais de semana preenchido por casórios, como costumava acontecer, ele tem pensando novas formas de trabalhar - como sugerir que os noivos façam uma celebração em casa na data que aconteceria o casamento. "É um baita registro documental", comentou.
Os modelos podem até mudar, mas o objetivo permanecerá o mesmo - a união. O dia 16 de abril seria do casamento de Josiane Brito, 34, e Rodrigo Feitosa, ao ar livre. Primeiro, adiaram para setembro. Depois, decidiram deixar a data em aberto, para 2021.
No dia em que diriam "sim", numa cerimônia, prepararam um jantar romântico. Não houve casamento, mas uma certeza, como definiu Josiane, depois de ouvir um ditado contado pelo noivo: "O que tem dentro é mais importante do que tem em volta".