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Priscila Natividade
Publicado em 24 de abril de 2021 às 07:00
- Atualizado há um ano
Na casa da servidora pública Higina Amoedo, o cumprimento das leis trabalhistas não perde ponto. Tanto que ela chegou a instalar o equipamento eletrônico para fazer o registro das horas trabalhadas. A carga horária é de 8h por dia, com 1h de descanso. “Adotei o ponto eletrônico em casa porque encaro o serviço doméstico como uma profissão em que os direitos e deveres precisam ser respeitados. A funcionária doméstica também tem um lar, filhos, marido, mãe, e precisa dos seus momentos para a realização dos próprios afazeres da vida pessoal. É importante ter o diálogo e fazer tudo conforme a lei”, afirma.
Os empregadores estão mais cautelosos? Na comparação entre os anos de 2019 e 2020, o número de processos registrados no Tribunal Regional do Trabalho 5ª Região (TRT-5), relacionados a domésticas, teve queda de 28,5%, passando de 1.938 para 1.385. Até março desse ano, foram 373 registros, segundo dados TRT-5. Porém, os casos mais recorrentes são os de rescisão do contrato e não, necessariamente, sobre a rotina de trabalho.
“Não tem chegado processos novos pertinentes ao trabalho doméstico, ainda que depois da Reforma Trabalhista, os casos já vinham em um volume menor. Entretanto, a pandemia reduziu ainda mais, sobretudo, por conta do aumento do desemprego e o medo de entrar com um processo trabalhista, até porque os custos são altos. É muita cautela com relação a tudo”, analisa a juíza do trabalho lotada na 33ª Vara do Trabalho de Salvador (TRT -5ª Região), Silvia Teixeira do Vale.
Higina é um exemplo de que as patroas e patrões ‘do bem’ existem e fazem a diferença, durante a pandemia. Isso significa cumprir com o essencial, mas também agir com solidariedade e senso coletivo, sem perdas salariais para a doméstica, como acrescenta Silvia:“É necessário que o empregador proteja a si e também o empregado, porque isso vai passar e quando acontecer, todos têm que estar bem. O próprio trânsito no transporte é um fator de risco à saúde na pandemia. Uma alternativa possível é fazer um esquema de revezamento sem impacto no salário, com a prestação do serviço em três ou dois dias”, destaca. Para não ficar sem contar com o serviço da doméstica e, ao mesmo tempo, garantir a proteção, o diretor do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos (Sindomésticos-Bahia) e integrante da diretoria da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Francisco Xavier, pontua que a assinatura da Carteira de Trabalho é prioridade. A estimativa da entidade é que o estado tenha uma média de 500 mil trabalhadoras domésticas e, em Salvador e Região Metropolitana, cerca de 150 mil.
“Dessas 500 mil, infelizmente, não temos nem 20% formalizadas. É a mão de obra de uma doméstica que permite que as demais profissionais possam sair para o trabalho. No final, o patrão abate 7% do salário da trabalhadora e mais 6% do vale-transporte. Os encargos somados não chegam a R$ 200. Ela precisa que o empregador recolha os encargos garantidos por lei”.
A filósofa Adalgisa Fonseca é uma dessas patroas que optaram pela redução da jornada, sem comprometer o salário da doméstica. Núbia trabalha há 18 anos na casa de Adalgisa.“A única mudança que fizemos foi a redução para duas a três vezes na semana, mantendo o bom salário, por acharmos mais prudente e correto. O deslocamento de Núbia é feito por um motorista de aplicativo que pagamos mensalmente, a fim de diminuir os riscos de contágio. Graças à Deus, ninguém da nossa família pegou o vírus ou adoeceu”. Acordos possíveis Outro cuidado é conversar, buscar um acordo mútuo, sem imposições ou postura taxativa, conforme assegura o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino. Na página da instituição há um e-book gratuito disponível com alguns conselhos que podem ajudar nessa relação. “A decisão é conjunta, sobretudo, na hora de definir folgas. Qualquer mudança é por acordo”, reforça.
Uma das principais dúvidas que surgiram nesse momento de pandemia é, justamente, com relação à permanência no trabalho para evitar exposição. Dorme no serviço ou não? O advogado trabalhista e professor da Uniruy, Fábio Santos, esclarece que nenhum profissional é obrigado a aceitar essa proposta. Mas, caso a doméstica aceite, ela não recebe nada a mais por isso, a não ser que fique à disposição da casa.
O especialista aponta outras soluções: “Fica difícil configurar que a pessoa está ali só para dormir. Não é uma obrigação legal, porém, avalie a possibilidade de buscar e levar a trabalhadora de volta em casa, ou custear o Uber. O momento requer uma tolerância, uma parcimônia, principalmente se sua casa não tem um cômodo para abrigar a doméstica com conforto”.
É justamente isso que o empresário Felipe Freitas tem feito. Sua casa fica no bairro da Graça, mas Marli mora no Rio Vermelho.“É uma pessoa de total confiança da família e a gente se preocupa muito com o bem-estar dela. Todos os dias em que ela trabalha eu ou meu pai, vamos buscá-la. Sempre pagamos integral, independente das horas trabalhadas. Está tudo sendo feito da melhor forma possível”, diz. Quem também não conseguiu abrir mão do serviço doméstico foi a enfermeira Maria Manoela Nogueira, que tem adotado estratégia parecida. O marido dela sai do Cabula até o Caminho de Areia para levar e trazer Cláudia sem expor ela em um coletivo. “Ela cuida da nossa casa e das nossas filhas. Sendo assim, cuidar da saúde dela é cuidar de nós mesmos”.
Mais que um contrato No caso da empreendedora da SBsapateiras, Sandra Barros, a primeira atitude foi dar férias a Maria e antecipar o benefício desse ano. No retorno, ela contratou um motorista para fazer o transporte. Mesmo com todas as medidas de segurança, Francisco apresentou sintomas de covid, o que fez com que Sandra custeasse os testes, tanto o dele, quanto o de Maria.“Quando o motorista testou positivo, fiz exames em todos da casa. Não tivemos covid, nem Maria. Já ele foi afastado, mas continuei ajudando no tratamento”. Nessas situações, o advogado trabalhista do Pedreira Franco Advogados Associados, J. Arthur Pedreira Franco Filho, explica que o empregado está coberto pelos 15 dias de atestado sem o desconto no rendimento. “Se a contaminação ocorreu no trabalho, o empregado doméstico tem direito ao ressarcimento das despesas médicas e hospitalares e, além disso, dependendo do caso, poderá fazer jus a indenização por dano moral e material”, alerta.
Maria começou a ir e voltar de ônibus para o trabalho, no Costa Azul, mas com o horário flexibilizado, para que não pegue o coletivo nos horários de pico. “Ficamos 60 dias sem Maria. Se eu já respeitava e valorizava o trabalho dela, passei a valorizar um milhão de vezes mais. Assim que ela conclui as tarefas, pode ir embora sem precisar cumprir às 8h diárias previstas na CLT”, diz Sandra. “É um cuidado que traz uma segurança para a gente”, complementa Maria, que mora em Amaralina.
Agir certo não é só uma questão de contrato ou bondade, mas de cuidado com o outro, como ressalta o advogado J. Arthur Pedreira Franco Filho. “É tudo muito novo. O que não podemos é nos aproveitar do momento para errarmos de propósito. Em caso de dúvida, não deixe de consultar o sindicato de classe ou um profissional do direito. Entendo como ‘patrão do bem’, o empregador colaborativo, que não se limita só a cumprir as obrigações contratuais, mas a fazer a diferença”, completa.
TIRE SUAS DÚVIDAS
1. O que os patrões podem fazer para manter os serviços domésticos? Para o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino além de garantir a carteira assinada, na medida do possível, é importante evitar o deslocamento da empregada, sem que haja perda salarial. “Uma sugestão é fazer um esquema de revezamento. Vale também buscar uma alternativa para evitar a exposição em um transporte público, ou seja, ir buscá-la ou contratar um motorista de aplicativo”.
2. O que consta nas leis trabalhistas? A legislação permitiu ao empregador, sobretudo, a possibilidade de antecipação de férias sem que o empregado tenha completado o período. O advogado trabalhista do Pedreira Franco Advogados Associados, J. Arthur Pedreira Franco Filho esclarece que a pandemia criou outros mecanismos, como, por exemplo, negociar um acordo de um regime especial de compensação de jornada. “O patrão pode ainda, antecipar feriados”, complementa.
3. A doméstica é obrigada a dormir na casa? A doméstica não pode ser coagida, mesmo que a justificativa seja reduzir os riscos de exposição. Por outro lado, o patrão não tem obrigação de pagar a mais, caso, em comum acordo, ela aceite dormir. O advogado trabalhista e professor do UniRuy, Fábio Santos, destaca que o adicional só é pago quando a trabalhadora fica à disposição. Impedir que a doméstica saia pode constituir crime de cárcere privado. “Se for um regime de plantão, aí sim, é pago um adicional ou hora extra”.
4. E se a empregada voltar ao trabalho todos os dias? O advogado trabalhista acrescenta que se o empregador optou por manter esse serviço, vale o bom senso de oferecer condições para que essa trabalhadora venha com a melhor proteção possível. “Quero deixar claro que ele não é obrigado. Agora, se ele exige que empregada doméstica não o contamine, ele tem que fazer sua parte”.
5. Como ficam as folgas e horas-extras? Todas são negociadas em comum acordo, conforme a Reforma Trabalhista já havia legitimado. “O empregador e a empregada podem resolver essa questão de banco de horas no intervalo de uma semana ou de um mês. A carga horária exigida é de 44 horas semanais que podem ser distribuídas, obedecendo 8h diárias com direito a um intervalo de intrajornada”, orienta Fábio Santos.
6. Como proceder, em caso de contaminação? A empregada não tem o compromisso de ir trabalhar. “Muito pelo contrário: existe até uma disposição do direito penal de que não se pode por ninguém em risco a uma doença grave”, alerta Fabio Santos, da Uniruy. Mas, e se ela foi contaminada? Nos primeiros 15 dias, o empregador paga por eles. Após esse período, a doméstica precisa dar entrada no afastamento pelo INSS. “Pode acontecer da empregada argumentar que contraiu a doença no ambiente de trabalho. De modo a evitar possíveis indenizações, eu aconselho ao empregador, que arque com o tratamento, a medicação e que acolha a profissional”.
7. Que equipamento de proteção individual o empregador deve entregar à doméstica? Os empregadores devem oferecer, no mínimo, máscaras e álcool em gel, como reforça Mário Avelino. “Se o patrão protege a empregada, ele não só está protegendo a família, mas ajudando a combater a pandemia. E se ela já estiver no grupo com idade para se vacinar, determine que ela seja vacinada. A vacinação é a medida mais efetiva”. 8. A que o patrão precisa ficar atento? Diretor do Sindomésticos Bahia e integrante da Fenatrad, Francisco Xavier pontua o quanto é fundamental conhecer a legislação, antes de estabelecer qualquer acordo. “Há condições de arcar com esses compromissos? Alertamos sempre para questões como o desvio de função. Uma trabalhadora doméstica não pode ser contratada para cozinhar e ser obrigada a fazer faxina e tomar conta de criança”.
9. E com relação à diarista, como fica o serviço? A diarista tem um esquema bem diferente da empregada doméstica, já que não existe vínculo empregatício. É considerada diarista toda profissional que trabalha até duas vezes por semana para o mesmo contratante. “Ou seja, não gera obrigação alguma quem a contrata, além do pagamento da diária”, afirma J. Arthur Pedreira Franco Filho.
10. Qual a punição para os patrões que descumprirem as regras trabalhistas? Quem responde a essa pergunta é Francisco Xavier, Sindomésticos e Fenatrad: “O empregador que não assinar a carteira fica sujeito a multa, que varia de R$ 800 a R$ 3 mil. Assinar a Carteira de Trabalho, além da proteção da previdência, o patrão conquista por parte dessa trabalhadora, a satisfação de ser respeitada. Ou seja, tem a tranquilidade de que não vai ter nenhum tipo de punição ou de transtorno por estar em dia com as obrigações, enquanto empregador e pessoa humana”.
CINCO ATITUDES DE EMPREGADORES DO BEM
Assine a carteira Não deixe de fazer o recolhimento do INSS e FGTS pelo E-social. Isso vai evitar qualquer pro- blema de não cumprimento daquilo que é exigido pela legislação.
Proteção Disponibilize para a doméstica todos os equipamentos de proteção individual necessários, como máscaras e álcool em gel. Orien- te, também, em relação às medidas de segurança para evitar contaminações.
Dignidade Respeite o trabalhador como profissional. Qualquer mudança é por acordo conversado e não de maneira imposta.
Locomoção na pandemia Apesar de não ser uma obrigação do empregador, a recomendação é ter atenção com relação a adoção de um outro meio de transporte, evitando o uso do coletivo.
Faz a diferença Ações simples que vão além do cumprimento das obrigações contratuais, demostram empatia, como fornecer cesta básica, proporcionar kits de higiene e máscaras também para os familiares dos empregados, por exemplo. Não custa caro.