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Thais Borges
Publicado em 12 de junho de 2021 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Para lidar com os sentimentos da pandemia de forma saudável, devemos entender o que se passa. Na Psicologia, os 'estados afetivos emocionais' são justamente os sentimentos, emoções, humores e afetos. Apesar de serem tratados como sinônimos, não são a mesma coisa.
As emoções do filme Divertida Mente de fato têm um papel importante para os humanos. Segundo a professora Sônia Gondim, do Instituto de Psicologia da Ufba, esses cinco estados - medo, tristeza, raiva, nojo e alegria - são as emoções básicas.
Leia a reportagem principal: Quando seus 'divertidamentes' começam a brigar: entenda como ficam os sentimentos na pandemia
O CORREIO conversou com pessoas que estão passando por diferentes estágios desses ciclos de emoções e sentimentos. A seguir, confira relatos de duas pessoas que têm vivido a experiência do nojo.
‘O que me deixa enojado é a forma como as pessoas fazem vista grossa com a covid’, diz estudante que saiu de trabalho onde colegas não usavam máscara
Como a maioria das pessoas, o estudante de Direito e músico Lucas**, 24 anos, passou por momentos de medo e raiva na pandemia. Nos últimos meses, contudo, um sentimento tem sido mais vívido: uma repulsa forte a certas situações. É o nojo. No mês passado, ele chegou a sair do estágio onde trabalhava por ter ficado enojado - as pessoas no escritório se recusavam a usar máscara.
“Quando a pandemia explode, a primeira sensação que consigo identificar é o medo. Mas com a passagem por esses momentos, o contato com pessoas e com o externo, você vai desenvolvendo a raiva e, posteriormente, o nojo. O que me deixa enojado é a forma como as pessoas não lidam (com a covid-19), como fazem vista grossa às coisas. O último episódio que senti bastante foi no lugar onde eu trabalhei por menos de um mês. Trabalhava lá na parte da tarde, já que de manhã já estagiava em outro local. Fui admitido e era uma empresa pequena, com dois andares. Tinha umas 15 pessoas e eu dividia a sala com três pessoas. Essas três pessoas simplesmente não usavam máscara. Eu era o único que usava e não deixei em nenhum momento.
Na primeira semana, eu ia pra lá e ficava com muita dor de cabeça de estresse. Pensava: ‘meu Deus, o que estou fazendo aqui?’. Chegava já com vontade de sair e acabei empurrando com a barriga, porque às vezes eu tenho dificuldade em dizer não,
Na sexta-feira da segunda semana teve uma pessoa que foi pegar alguns papéis em minha sala e tossiu várias vezes sem máscara. Foi uma tosse bem feia e eu meio que conheço quando a pessoa tem a tosse ruim, até porque eu já peguei covid. Inclusive, a pessoa que era um dos chefes, no primeiro dia perguntou se eu já tinha tido covid.
Quando eu disse que sim, ele respondeu que estava tudo certo, que podia tirar a máscara. E são pessoas sérias, com graduação, que fazem coisas que precisam de um mínimo de inteligência, falando isso. Na terça-feira da semana seguinte, eu fiquei sabendo que a pessoa da tosse tinha contraído coronavírus. Eu fiquei com muita raiva do pessoal lá e enojado por ver que o pessoal não teve a mesma reação que eu. Normalmente, eu ia trabalhar de bicicleta, mas, nesse dia não tinha ido. Passei o caminho todo para casa andando com raiva. Passei 15 minutos que não sentia nem medo, era só raiva e nojo. Fiquei isolado no meu quarto nos outros dias, até o sábado. Fiz o teste na sexta e deu negativo, mas não voltei mais. Tive uma conversa super franca com minha chefa e falei que tudo estava sendo ruim para minha saúde mental e também física. Perguntei se podia continuar no home office, que eu conseguiria seguir, mas não dava. Acabei saindo. Perdi de ganhar uma grana, dobrar o salário, mas senti um alívio.
Na semana seguinte, como a gente tinha pessoas conhecidas em comum, eu descobri que a mãe da pessoa que tossia veio a óbito. Eu ainda fiquei mal porque eu senti que podia ter alertado mais.
Teve um colega que disse que usou tanto a máscara no ano passado e agora desistiu, que já deu. Mas o vírus não desistiu, o vírus não desanimou e a galera não está nem aí para isso.
Eu moro com meus pais e também desenvolvi um tipo de nojo depois que a gente teve covid. Meu pai ficou com um pigarro às vezes e isso me dá um gatilho negativo. Não consigo ficar muito perto dele. Estou doido pra que a pandemia acabe também porque me dá gatilhos, como se a qualquer momento meu pai pudesse pegar de novo e eu pudesse pegar através dele. Um medo e um nojo andando juntos”.
**O estudante quis ser identificado apenas pelo primeiro nome.
‘Passei a ficar com nojo de tudo e estava quase virando um TOC’, diz bióloga
O nojo, para a bióloga e jornalista Raquel Saraiva, 33, tem aparecido de uma forma que é quase um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). O cuidado constante trouxe também uma preocupação contínua, com superfícies e contatos com outras pessoas, além da ventilação nos lugares onde vai.
“Logo no início da pandemia, no início de março, eu estava meio descrente. Foi quando eu peguei um voo internacional até Salvador. Esse voo vinha do Oriente e as poucas pessoas que estavam nele estavam meio neuróticas. Eram pessoas que vinham da Ásia, que são acostumadas a síndromes respiratórias e tomam mais cuidado. Eu estava de máscara e via todo mundo passando álcool em tudo, na mesa, nas cadeiras. Comecei a ficar ansiosa e acho que foi o momento que eu caí na real.
E aí eu passei a ficar com nojo de tudo. Veio isso de passar álcool o tempo todo, no carro, em todo lugar que eu tocava. Quando entrava em casa e esquecia de deixar o sapato do lado de fora, limpava o chão da casa. Porque ficava com medo de alguém derrubar alguma coisa no chão que eu pisei, pegar essa coisa e depois levar a mão ao rosto e pegar covid. Tudo estava me dando nojo e estava quase virando um TOC. Desde o início, é meu sentimento predominante. Não estou mais tão radical, mas eu não suporto que alguém chegue perto de mim quando vou ao mercado ou vou na rua resolver qualquer coisa. Se vou a um lugar fechado e se lá tiver mais de uma pessoa, um cliente por exemplo, numa loja, eu não entro e é isso. Fico com nojo do ar em volta, fico meio preocupada ainda, mas estou muito mais relaxada do que estava até o meio do ano passado. Deixei de ir a lugares fechados por causa disso, o que é uma coisa boa, mas não entro na casa de ninguém.
Antes da pandemia, eu nunca tinha sentido isso. Inclusive, amava Carnaval, a muvuca do Carnaval e não sei mais como vai ser isso, porque eu só fico pensando em perdigotos, em vírus. Se tiver muita gente num lugar, dá um pouco de desespero.Mas como eu fiquei mais relaxada do ano passado para cá, quem sabe se depois da vacinação eu não vá ficando mais tranquila. Mas a máscara eu não vou deixar de usar nos próximos dois anos, pelo menos. Estando vacinada ou não. Tenho sentido, além disso, muita tristeza também, principalmente quando leio e vejo que as pessoas estão desamparadas, sem auxílio. Elas precisam se expor para ter dinheiro para comer, sobreviver. Fico muito triste e tento ajudar como posso, à distância".