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Fernanda Santana
Publicado em 22 de junho de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Até o dia 2 de junho, o município de Poções, no Sudoeste baiano, não registrava nenhum caso de coronavírus. Menos de um mês depois, a cidade onde vivem, em média, 48 mil habitantes tem 105 notificações da doença e 5 mil novos moradores. Os ônibus vindos da região Sudeste do Brasil com nativos desempregados ou em permanência por tempo limitado são a principal razão do inchaço populacional e do boom de covid-19. Como Poções, outros municípios do interior baiano veem, a cada desembarque, os registros aumentarem.
Os coletivos, clandestinos ou legalizados, começaram a chegar ao interior da Bahia em abril. Hoje, as cidades recebem até 10 ônibus semanalmente. É o caso de Poções, como contou, por telefone, o vice-prefeito Jorge Lemos. A rodoviária está fechada e os nativos desembarcam em três das 20 entradas da cidade. Equipes de saúde checam a temperatura e passam a monitorar casos suspeitos.“Não tinha caso nenhum, estávamos conseguindo controlar, até que a quantidade foi ficando maior e o crescimento foi muito grande”, narra o vice-prefeito.O primeiro caso de covid-19 foi registrado depois que uma pessoa, próxima a um nativo recém-chegado de São Paulo, participou de uma festa de aniversário. Após a comemoração - desrespeitando a recomendação de isolamento social -, 35 dos 40 convidados saíram contaminados. A pessoa que havia retornado da capital paulista também testou positivo para a doença naquela mesma semana.
Nos últimos três meses, 13 mil pessoas chegaram a Poções e a prefeitura estima que 5 mil tenham permanecido. “O comércio está fechado, mas as pessoas continuam chegando. Fazemos cadastro de todas elas para poder acompanhar”, relata Jorge Lemos.
No dia 20 de março, um decreto do governo do estado determinou o fechamento de rodoviárias e a suspensão de transporte intermunicipal e interestadual nos municípios com casos confirmados de coronavírus. No momento, a medida está vigente em 303 dos 417. Em outros 76, foi relaxada porque não apresentaram novos registros da covid-19 nos últimos 14 dias.
Os ônibus, no entanto, continuaram a desembarcar. Como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é responsável pela regulação de transportes entre estados, as empresas passaram a apelar para o órgão federal e conseguir liminares judiciais para manter as atividades.
As cidades, então, tentam se adequar à chegada de coletivos que muitas vezes param na estrada devido a barreiras criadas pelas prefeituras. Além do risco de contaminação, viram-se, repentinamente, diante de um crescimento populacional para o qual não estavam preparadas. Em Ribeira do Amparo, no Nordeste baiano, os ônibus chegam semanalmente, embora não haja rodoviária no local. E há, pelo menos, 665 novos habitantes. Isso representa 4,6% de aumento no município onde, de acordo com a última estimativa do IBGE, feita em 2017, vivem 14.276 pessoas. Não há na cidade um respirador, aparelho necessário em casos mais graves.
Dos 19 casos confirmados em Ribeira do Amparo, 12 foram importados, afirma o coordenador da Vigilância Sanitária, Dielson Tarcísio. “A hipótese é que as outras sete tenham decorrido dessas 12. Estamos fazendo busca ativa para descobrir. Quem chega de outras cidades é monitorado pela Vigilância (Sanitária) e, no oitavo dia, é testado", informa. O intervalo citado é o necessário para o corpo produzir os anticorpos que serão detectados no teste adotado.
‘Não temos como proibir’
Um trecho da BR-349 corta a vizinha Itapicuru, também no Nordeste do estado, na divisa com Sergipe. “É muito difícil controlar e também não temos como proibir que as pessoas voltem. Todos que saíram daqui foram embora em busca de uma vida melhor e agora estão retornando por causa de crise”, opina Wilmara Júnior, secretária de Saúde do município.
Em 2017, o IBGE estimava 35.256 habitantes locais. Durante a pandemia, pelo menos 900 foram incluídos. Dos 52 casos confirmados da covid-19 em Itapicuru, 40 foram diagnosticados em pessoas egressas do novo fluxo populacional.
Presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), Eures Ribeiro diz acreditar que as pessoas não retornam somente pela perda de empregos. “Muitos usam a justificativa como sensibilização para permitir a entrada, mas a maioria tem vindo de férias. Essa é a verdade, pois vemos eles fazendo churrasco”, afirmou, no dia 18 de junho, quando uma família com nove pessoas saída de São Paulo chegou a Ribeira do Pombal para passar férias. Barreira sanitária em Pombal (Foto: Divulgação) Nos últimos dois meses, Nova Soure, com população estimada em 26.947 habitantes, recebeu 850 nativos egressos de São Paulo, segundo o secretário de Saúde do município, Ernesto da Costa Lima. “Dos nossos 41 casos confirmados, temos 36 viajantes”, detalha. Para tentar evitar uma proliferação maior da doença, todos que chegam são testados e acompanhados durante o período de incubação do vírus - de dois a 14 dias, segundo a Fiocruz.
Em Olindina, onde moram, em média, 26 mil pessoas, outras 644 chegaram à cidade, informa Sheila Matos, secretária de Saúde. "Cerca de 95% vieram de São Paulo", estima. Os nove casos da cidade foram importados. São João aumenta temor em destinos tradicionais
O São João faz crescer o temor pela chegada de nativos e turistas, e por tabela de um novo boom de casos de coronavírus. Principalmente nas cidades mais tradicionais nos festejos, embora neste ano as festas tenham sido canceladas. Amargosa, onde há 23 casos da doença, com cerca de 80% importados, é um desses destinos.“A gente reforçou as barreiras sanitárias para 24 horas e também vamos fazer rondas para proibir fogueiras e qualquer tipo de aglomeração”, afirma o prefeito Júlio Pinheiro.Em Senhor do Bonfim, outro destino tradicional na época do São João, no Norte do estado, a prefeitura decidiu fiscalizar, na rua, carros com placas que não sejam da cidade. E também emitiu comunicados pedindo que nativos não retornem para visitas, nem para passar as festas juninas com familiares. Os primeiros casos de covid-19 foram importados de ônibus - hoje, já são 84. “Não venham, porque não vai ter festa, precisamos nos proteger e proteger nossas famílias”, declara o prefeito Carlos Brasileiro.De acordo com a Agência de Regulação de Transportes da Bahia (Agerba), todo o efetivo do órgão está realizando blitz junto às barreiras sanitárias, mas não informou qual será a estratégia pensada especificamente para o São João.
Famoso destino do período, o município de Cruz das Almas, no Recôncavo, também fortalecerá as barreiras sanitárias e tem pedido que a população permaneça em casa, sem realização de festas. De março até maio, cerca de 10 mil carros de outros municípios foram abordados. Cruz fica à margem da BR-101.
Na tarde de sábado, um veículo que fazia carona coletiva com três pessoas saídas de Salvador foi impedido de entrar na cidade porque nenhuma delas comprovou residência - foram orientadas a retornarem ao município de origem. De acordo com a prefeitura, os ocupantes do carro forçaram a entrada à pé, mas foram novamente abordados pela Polícia Militar e levados para a delegacia local. Três pessoas foram levadas para delegacia por forçar entrada em Cruz das Almas (Foto: Reprodução/Prefeitura de Cruz das Almas) A prefeitura de Cruz das Almas pretende publicar nesta segunda-feira (22) um decreto específico para impedir a realização de festas de qualquer natureza na cidade, tanto em espaços privados quanto públicos, com campanha para evitar fogueiras, queima de fogos (as espadas são uma tradição local), blocos de rua e paredões. É a primeira vez que as festas de São João são canceladas em toda a Bahia. A medida também foi adotada em outros estados para tentar frear o avanço do coronavírus.