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Projeto Comprova
Publicado em 28 de maio de 2024 às 10:12
Falso: É falso vídeo em que morador de Arroio dos Ratos (RS) atribui inundações à suposta abertura de cinco comportas de barragens e afirma que não houve chuva suficiente para causar tamanho estrago, apenas uma “garoa forte”. Não há indícios de que a abertura de comportas de barragens no estado tenha desencadeado as inundações. No dia 2 de maio, a Usina 14 de Julho abriu duas comportas apenas para evitar danos na estrutura, porque o modelo não permite aumentar o fluxo de água nos rios. No dia 3, a Usina de Passo Real operou com vazão acima do máximo, mas o volume voltou ao esperado no dia 7. Enquanto isso, o local onde o vídeo foi gravado acumulou cerca de 420 mm de chuva em quatro dias e teve decretada situação de emergência de nível II – por chuvas intensas e inundações.
Conteúdo investigado: Vídeo em que homem questiona quem autorizou abertura simultânea de cinco comportas de barragens e alega que foi essa suposta decisão que causou a enchente no Rio Grande do Sul. Ele também alega que a água subiu muito rápido no local onde ele mora, mesmo tendo havido apenas uma “garoa forte” e não havendo rios no lugar.
Onde foi publicado: TikTok e Instagram.
Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo de um vídeo gravado por um morador da zona rural do município de Arroio dos Ratos, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), em que ele atribui a enchente que afeta o estado desde o fim de abril a uma suposta abertura simultânea de cinco comportas de uma barragem. Para reforçar o argumento, ele afirma que mora em um lugar onde não há rios e onde houve apenas uma “garoa forte”, mas que, mesmo assim, a água subiu rapidamente, cobrindo um açude que fica em frente à casa.
Não é verdade que cinco comportas de barragens tenham sido abertas simultaneamente durante as chuvas recentes. No dia 2 de maio, houve um rompimento parcial da barragem da Usina 14 de Julho, no Vale do Taquari, e dois dias depois optou-se por uma abertura gradual e controlada das duas comportas da barragem, apenas para evitar danos na estrutura. Como esta é uma barragem do tipo “fio d’água”, que usa apenas o fluxo normal de água do rio, a abertura de comportas não influencia na vazão das águas do rio. Mesmo que houvesse influência, a região onde o vídeo foi gravado não é afetada pela barragem.
No dia 3 de maio, a Usina de Passo Real operou com vazão acima do máximo por conta do grande volume de água. Enquanto isso acontecia, a Usina de Jacuí, que acabou inundada, foi desligada. No dia 7, o reservatório em Passo Real atingiu o nível esperado, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). De qualquer forma, essas operações foram feitas depois de 1º de maio, data em que o autor publicou os primeiros vídeos mostrando que a fazenda já estava alagada, e as usinas ficam distantes de Arroio dos Ratos – mais de 260 quilômetros.
Além disso, o argumento de que não houve chuva intensa na região não tem base factual. A propriedade rural onde o vídeo foi gravado fica no Rincão dos Américos, que foi incluído no decreto de emergência de nível II publicado pela Prefeitura de Arroio dos Ratos em 1º de maio. Segundo a Defesa Civil do município, choveu 420 mm em Arroio dos Ratos de 29 de abril a 2 de maio. A Agência Nacional de Águas (ANA) não tem dados específicos do dia 1º de maio para o local.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A postagem publicada no TikTok tem 581 mil visualizações, 49,6 mil curtidas, 11,8 mil compartilhamentos e foi salva 4,8 mil vezes até 23 de maio de 2024.
Fontes que consultamos: O Comprova procurou, inicialmente, o autor do conteúdo, para tentar identificar o local exato onde o vídeo foi feito, a data da inundação e questionar a quais barragens ele se referia quando falava de abertura de comportas. Também foram acionados o governo do Rio Grande do Sul, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a ANA, a Companhia Energética do Rio das Antas (Ceran), onde ficam três barragem no Vale do Taquari, e dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico.
Foram consultados ainda a Defesa Civil de Arroio dos Ratos, dados meteorológicos e de precipitação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e da ferramenta Weather Spark, além de decretos municipais e federais sobre situação de emergência pelas chuvas e inundações. Para encontrar o local onde o vídeo foi gravado, foram utilizadas as ferramentas Sinesp Cidadão, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, CruzaGrafos, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e o Google Maps.
O vídeo investigado mostra o autor em uma propriedade rural, onde é possível ver uma casa, alguns galpões, uma cerca e uma espécie de açude alguns metros adiante. Quando as imagens investigadas são publicadas, em 18 de maio, não há mais alagamento, mas há vídeos anteriores, a partir de 1º de maio, que mostram uma inundação em frente à casa. Há marcas nas paredes que mostram que a água chegou a pelo menos dois palmos dentro do imóvel. Durante a inundação, ele se abrigou em um cerro ao lado da propriedade.
O responsável pela publicação não diz onde o vídeo foi feito, mas ele responde a um comentário na postagem no TikTok dizendo ser de Eldorado do Sul. Ao Comprova, o autor do vídeo, identificado como João Alves, confirmou ser desta cidade, mas não respondeu com detalhes sobre a localização da fazenda. Ele se limitou a responder que tudo estava documentado na rede social e que a água havia subido “de repente”.
Na realidade, o vídeo não foi gravado em Eldorado do Sul, e sim na zona rural do município vizinho de Arroio dos Ratos que, diferentemente do que afirma o autor do vídeo, foi fortemente afetado por chuvas intensas. A fazenda onde as imagens foram feitas figura como sede de uma microempresa de construção civil que tem João Alves como sócio. O local fica na Estrada Rincão dos Américos, e uma comparação entre o local no Google Street View e outros vídeos publicados pelo autor no TikTok comprovam se tratar do mesmo lugar.
O bairro Rincão dos Américos foi incluído pela prefeitura em um decreto de emergência de nível II no mesmo dia em que os primeiros vídeos começaram a ser publicados pelo autor do material. No decreto municipal, foram citadas apenas as “áreas comprovadamente afetadas pelo desastre”.
De acordo com a coordenadora da Defesa Civil de Arroio dos Ratos, Juliana Silveira de Abreu, entre os dias 29 de abril e 2 de maio, choveu 420 mm na cidade. Segundo a ferramenta Weather Spark, a média de precipitação em todo o mês de maio em Arroio dos Ratos é de 100,2 mm, o que desmente a alegação de que não houve chuvas fora do normal. Na realidade, choveu em quatro dias quatro vezes mais do que a média para o mês inteiro.
A Prefeitura de Arroio dos Ratos tem uma página dedicada ao desastre e publicou que, no dia 1º de maio, a cidade foi afetada por uma “calamidade natural de proporções históricas”: “Uma enchente avassaladora, desencadeada pelas intensas chuvas dos últimos dias, deixou a comunidade à beira do limite. Ruas se transformaram em rios, casas foram alagadas e a população enfrentou um cenário de desespero e destruição”.
O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, do governo federal, reconheceu a situação de emergência na cidade por chuvas intensas, e o reconhecimento ainda está em vigor.
O autor do vídeo argumenta ainda que não existem rios por lá. Na realidade, bem próximo da cancela de entrada na fazenda passa o Arroio dos Ratos, um córrego que margeia por boa parte do município e que, durante as chuvas intensas, recebeu um grande volume de água da própria cidade – segundo a Defesa Civil, bairros da zona urbana foram inundados devido às cheias dos arroios que banham o município, atingindo também a zona rural.
O autor do vídeo não fala nas imagens sobre quais comportas de barragens teriam sido abertas simultaneamente, nem respondeu ao Comprova quando questionado sobre isso. No entanto, não há registros de aberturas deliberadas de cinco comportas de barragens durante os eventos climáticos dos últimos dias. Esta mesma alegação aparece em um vídeo antigo, já desmentido pelo Estadão Verifica, que mostrou que as barragens citadas não têm comportas capazes de armazenar e regular o fluxo de água.
É o que explica a Agência Nacional de Energia Elétrica, segundo a qual existem 125 usinas hidrelétricas no Rio Grande do Sul, com 143 barragens. Das 125 usinas, apenas quatro possuem reservatório com capacidade de regularização: são as usinas hidrelétricas Passo Fundo, Passo Real, Barra Grande e Machadinho.
Todas as outras são usinas do tipo “fio d’água”, que operam apenas com o fluxo natural dos rios. A Aneel explica que essas usinas não possuem capacidade de armazenar e regular água de cheias, por isso a abertura de suas comportas não pode agravar casos como o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul.
No dia 2 de maio, o grande volume de chuva fez romper parcialmente a barragem da Usina 14 de Julho, no Vale do Taquari, e no dia 4, a Companhia Energética do Rio das Antas (Ceran), que gere a usina, optou por abrir, de forma gradual e controlada, duas comportas da usina. Isso aconteceu para preservar a estrutura.
Não houve impacto significativo na vazão do Rio das Antas justamente porque a barragem é do tipo “fio d’água”. A Ceran explicou, quando as comportas foram abertas, que não haveria variação relevante no nível do rio e nem alterações para as comunidades abaixo da barragem.
Além do baixo impacto, a Companhia explicou ao Comprova que as cidades de Arroio dos Ratos e Eldorado do Sul – citada pelo autor do vídeo – não seriam afetadas mesmo que houvesse um aumento da vazão porque não estão abaixo da barragem e não fazem parte da chamada Zona de Autossalvamento (ZAS) – área de impacto imediato em caso de emergência envolvendo uma barragem. A Defesa Civil de Arroio dos Ratos disse que não há comportas de barragens no município.
Já o governo do Rio Grande do Sul monitora diariamente a situação das barragens do Estado e divulgou, em nota do dia 4 de maio, que as ações de resposta para as duas barragens sob risco naquele dia – 14 de Julho e Bento Gonçalves – já estavam em andamento e tomadas de modo a não alterar o nível do rio Taquari-Antas. Os dados mais recentes são de 22 de maio e apontam que há uma barragem em situação de emergência: a de Salto, da Usina Hidrelétrica de Bugres, em São Francisco de Paula.
Em nota, o governo do Rio Grande do Sul disse que, nos reservatórios que são de sua competência fiscalizatória, as questões que envolvem abertura e fechamento de comporta são operações que podem fazer parte do funcionamento normal de uma barragem e são de responsabilidade do empreendedor. “No RS, a maior parte das barragens possuem o maciço de terra com vertedouro do tipo soleira livre. O vertedouro é considerado um dos principais dispositivos de segurança e tem como função manter o nível adequado de água na barragem”, diz o texto.
Além das falas sobre a chuva e as barragens, o autor do vídeo recorre a uma teoria conspiratória antiga para sugerir que as mortes já eram esperadas. Segundo ele, o Brasil comprou, pouco antes das chuvas, caixões da FEMA: urnas pretas, feitas em fibra de carbono, com capacidade para corpos de até quatro homens adultos. A FEMA é a Federal Emergency Management Agency, a agência federal de gestão de desastres dos Estados Unidos, e o que ele descreve não são caixões, e sim túmulos usados para colocar os caixões no solo e evitar que ele desmorone.
As teorias da conspiração sobre os “caixões da FEMA” se tornaram constantes durante o governo de Barack Obama, sob a alegação de que o presidente havia secretamente investido US$ 1 bilhão em caixões plásticos com capacidade múltipla. Publicações conspiratórias diziam que o governo estava se preparado para um desastre biológico, ou para matar “dissidentes”. Durante a pandemia da covid-19, essa mesma teoria voltou a circular, como uma suposta prova de que os teóricos da conspiração de 2010 estavam corretos.
Na realidade, como mostrou o PolitiFact, os caixões da FEMA não são necessariamente caixões, e sim túmulos de plásticos que são colocados no solo para proteger os caixões e para evitar que o solo desmorone. A maioria dos cemitérios dos Estados Unidos exigem estes túmulos, explicou o PolitiFact. O Comprova questionou a FEMA se houve venda de túmulos para o Brasil e se essa prática é comum, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: A tragédia provocada por enchentes no Rio Grande do Sul tem sido alvo de peças de desinformação publicadas na internet. O Comprova já mostrou que detentos em abrigos são do semiaberto e não têm relação com crimes de violência sexual e que sete deputados do Estado foram contra anistia, mas votaram a favor de suspensão de dívida do estado.