Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Kátia Najara
Publicado em 7 de abril de 2024 às 05:00
Não é profecia, notícia de jornal, tendência e nem previsão astrológica, eu estou vendo. >
Aliás, antes de seguir, é bom lembrar que colaboro aqui como colunista e não jornalista. Enquanto a jornalista tem formação acadêmica, obrigação de apurar fatos, citando fontes e obedecendo a regras formais de escrita - com o objetivo de tornar público, e de forma isenta, os assuntos de interesse coletivo - a colunista é alguém com conhecimento de causa que tem espaço num jornal para expressar a sua opinião, visão de mundo e experiências pessoais, com total liberdade de expressão, inclusive no formato da escrita, podendo usar como fontes, até mesmo as vozes na minha cabeça.>
Tudo isso para dizer que quando digo que a comida vai acabar não trago fontes científicas baseadas em evidências, mas o que eu sinto e intuo com base na História, notícias, na Arte e Literatura, na astrologia (beijo, Satunália), mas principalmente na minha experiência e andanças diárias por todo e qualquer ponto de venda de comida, de ambulantes a “boutiques gourmet” – mais ambulantes do que boutiques.>
COMPRAS PICADINHAS>
Como odeio supermercados, porque lá dentro é tudo mentira, só entro nesses ambientes para comprar os poucos itens indispensáveis que ainda só se encontra por lá, mas também, e principalmente, para observar in loco as intenções e movimento da indústria alimentícia.>
Porque ervas e hortaliças é na esquina com Carlos; frutas, pelo meio da rua; orgânicos, sempre que possível na Feira Agroecológica da UFBA, mas quando não rola tem um muquifo hortifruti sucesso aqui perto que super resolve.>
Para maravilhosidades naturais e veganas como arroz cateto, lentilha rosa, tofu, iogurte, açaí, gersal, tahine, massas sem glúten, oleaginosas, especiarias, feijões loucões e toda sorte de grãos tem o nosso bom e velho Viva o Grão. Açougue só para a carninha da totó; mar é o que cai na rede de Evandro - pescador da Ilha de Itaparica que traz tudo fresquinho e sem atravessador para mercar aqui na calçada da Escola de Teatro.>
Laricas e biscoitinhos do interior, doces de barra, chocolates sincerões, manteiga artesanal, requeijão de corte, ovos de quintal, farinha de Nazaré, frango abatido, fumeiro e coisas que tais é Dois de Julho, quitandas ou gôndolas de produtos do interior espalhados por toda a cidade. Pão eu tento deixar pra comprar só um bonzão artesanal de fermentação natural para os fins de semana, mas o cacetinho da Favorita quentinho às 17h, não vou mentir, ainda aquece o meu coração.>
Pode parecer trabalhoso comprar assim picadinho, mas não é em absoluto. Ao contrário, para mim que adoro circular, é super prazeroso. E depois, eu não faço isso de uma vez só; como disse, vou comprando comida no giro da vida, porque as coisas não acabam todas de uma vez.>
Acabaram as frutas, mas tem laricas; acabaram as proteínas, mas tem grãos; acabaram os vegetais, mas tem uma massinha; se acabar o queijo, não morre.>
E depois, a regra é clara: fortalecer o pequeno e quebrar as pernas dos bichos-papões.>
OS VISLUMBRES DO GIRO>
E é justo nesse giro diário que eu tenho percebido, sem surpresa, alguns primeiros sinais do inevitável impacto anunciado pela natureza num cenário mais claro a cada dia. Porque eu pensei que o fim do mundo ia demorar mais um pouquinho, mas o apocalipse climático já está pipocando geral. Não só na saúde física e mental derretendo junto com a carcaça, mas obviamente à mesa.>
Minhas camaradas dos hortifrutis andam até escabreadas com a escassez e baixa qualidade dos produtos oferecidos. Mamões e tomates que não amadurecem nunca, mandioquinhas que não cozinham, feijões que não aguentam demolho, frutas sem sementes, sem suculência, sem sabor.>
Até o arroz agulhinha anda sumido das prateleiras. E o que dizer do azeite das olivas que estão penando para vingar. As poucas marcas minimamente razoáveis estão pela hora da morte, a preço de semijóia, e quando a gente busca outra alternativa, o que encontramos são os compostos transgênicos ou marcas duvidosas que estão sendo recolhidas pelo aferimento de baixa qualidade e contaminação.>
Isso sem falar nos preços. Porque, veja bem, a pessoa que tem condição de ter em casa um bom queijo, um bom vinho, um bom café, um bom chocolate, um bom sorvete, um bom pão, carne e peixe - especialmente todos eles ao mesmo tempo - pode considerar-se rica.>
Todavia, quando faltar comida e for preciso depurar urina para beber água - que nem Ignácio de Loyola Brandão cantou a pedra em 1981 em Não Verás País Nenhum – todos serão atingidos e o dinheiro do queijo bom não vai ajudar ninguém.>
E SE BABY TIVER RAZÃO?>
Vai ser um tal de terraplanista com o couro todo queimado estocando lata de Kitut! Vai ser um tal de baixar app de identificar pancs - enquanto ainda houver um canteiro, um mato, uma coisa – que não estará em gibi algum.>
Deixe eles! Ficarem aí pensando que isso só acontece em série “distópica” da Netflix. Que Loyola, George Orwell, Ray Bradbury, Aldous Huxley, Margaret Atwood e essa galera toda “fumou muito tóxico”, que eu tô começando a achar que Baby tá cheia de razão.>
A sorte é que a natureza sobreviverá, porque a humanidade se autodestruirá em 10 – 9 – 8 - 7 - 6...>
Kátia Najara é cozinheira é empreendedora criativa do @piteu_katianajara>