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Paula Theotonio
Publicado em 19 de janeiro de 2025 às 05:00
Sabia que o primeiro vinho fino do Nordeste nasceu na Bahia? Essas e outras curiosidades sobre a produção vínica no Vale do São Francisco estão no livro Velho Chico – Vinhos Regados de Histórias, do sommelier, escritor, documentarista e produtor de vinhos José Figueiredo.
Lançado 13 anos após Ensolarado Sertão, Magníficos Vinhos (2011), a nova publicação mescla imagens e documentos com uma narrativa histórica e envolvente sobre a vitivinicultura no Sertão. Fruto de décadas de pesquisas e entrevistas com personagens-chave, o material conecta os vinhos da região a eventos como a Segunda Guerra Mundial; e traça desde a chegada da primeira videira em solo brasileiro até os dias atuais.
“Nem todo mundo sabe, mas a videira chegou ao Brasil pelo Litoral Norte de Pernambuco, nos atuais municípios de Itapissuma, Igarassu e Itamaracá. O vinho se estendeu pelo Nordeste e Sudeste até chegar, séculos depois, no Sul do Brasil; para então retornar ao Nordeste pelo Sertão. Tivemos a primeira vinícola sertaneja em 1964 e o primeiro vinho fino, de uvas Vitis vinifera, produzido em Casa Nova (BA)”, revela o escritor.
Em bate-papo com esta colunista, José Figueiredo cruzou passado e futuro, compartilhando outros fatos históricos pouco conhecidos sobre a região e suas apostas para o Vale do São Francisco nos próximos anos. Confira:
Quando você escreveu seu primeiro livro, Ensolarado Sertão, Magnífico Vinhos, era um sommelier e documentarista. Hoje, é também produtor de vinhos na região pela qual se apaixonou. Essa experiência e vivência estão presentes, de alguma maneira, nesse novo livro?
Sim. Na verdade, a minha chegada no Vale de São Francisco já foi exatamente para a elaboração do meu próprio vinho. Naquela oportunidade, em 2003, convenci meus dois sócios a produzirmos uva para exportação. O grupo Tanino, hoje aqui no Vale de São Francisco. Porém, quando quis retomar a ideia de produzir grandes vinhos, meus sócios optaram em permanecer com as uvas de mesa, com uva de exportação, como até hoje fazem; então saí da sociedade e só retomei esse sonho quando criei o meu próprio projeto. Hoje eu acredito que meu vinho VSB – o Vinum Sancti Benedictus ou o Vinho São Benedito – só ratifica todo o conteúdo desse novo livro e as minhas convicções sobre esta região.
Que aspectos dos vinhos da região você acha que ainda são pouco conhecidos e que o livro busca destacar?
É comum se falar muito só dos espumantes, ou: “Ah, são vinhos de entrada, são vinhos jovens, são vinhos leves”. E o que dizer dos vinhos amadeirados, dos vinhos robustos, com uma qualidade ímpar? O que dizer, por exemplo, de um vinho nesse estilo ser eleito o melhor vinho tinto nacional numa feira de reputação do tamanho da Expovinis, em 2012? Os tamanhos prêmios de outros vinhos amadeirados? Nós temos um potencial já consagrado de vinhos maduros, inclusive devemos migrar para isso, haja vista o lançamento de um vinho elaborado com videiras que já chegaram à centésima safra no Grupo Tropical Vitivinícola.
Há alguma história ou curiosidade sobre os rótulos do Vale que você considerou essencial incluir no livro?
Tem inúmeras! A mais relevante, a mais enigmática, é o registro da primeira vinícola do Sertão, em 1964. E não diferente, o icônico Grande Lago: o primeiro vinho fino do Vale do São Francisco, elaborado pela vinícola Vale dos Cactos, pelas mãos de Idalêncio Angheben. Sim, o primeiro vinho fino do Nordeste nasceu na Bahia. Idalêncio foi escolhido pelo empresário Mamoru Yamamoto para conduzir o primeiro experimento na Fazenda Ouro Verde II, e enfim, dar sequência nos primeiros vinhos de grande porte no Vale de São Francisco. E também a própria biografia do Mamoru Yamamoto, que para mim, é de uma relevância ímpar: a cada um que eu entrevistei de seus ex-funcionários, homens maduros de 50, 60, 70 anos, invariavelmente, todos choraram ao se reportar sobre ele. A presença do Idalêncio Angheben aqui no Vale, ratifica aquilo que o Mamoru e tantos outros protagonistas, sonhavam para essa região.
Tendo acompanhado o despertar do Vale do São Francisco enquanto região e conhecendo tão bem sua história, como você enxerga o posicionamento atual dos vinhos do Vale do São Francisco no mercado brasileiro e internacional?
As grandes premiações nos mais diferentes concursos, quer no Brasil ou no exterior, ratificam em definitivo a qualidade superior dos vinhos do Vale do São Francisco. Essa qualidade é reafirmada com a Indicação Geográfica de Procedência (IP) Vale do São Francisco. Uma normatização rígida, muito semelhante às da União Europeia. Então, eu vejo tudo com um olhar muito otimista, não só nos vinhos, mas também no enoturismo. Acredito que nós vamos conseguir números elevadíssimos nos próximos cinco anos. E o que vai contribuir para que esse enoturismo realmente desabroche e faça jus a essa expectativa é essa qualidade validada em premiações para os vinhos do Vale de São Francisco. São outras vinícolas chegando, existem terrenos comprados esperando o início das atividades. Eu tenho uma expectativa muito grande e inclusive trago isso nas últimas páginas do livro.
Você acredita que o consumidor brasileiro valoriza suficientemente os vinhos produzidos no Nordeste? Como mudar essa percepção, caso ainda haja resistência?
É uma quebra de paradigma diário. A grande oferta hídrica do Rio São Francisco, as mais modernas tecnologias de irrigação, fazem com que tenhamos uma condição ímpar, enologicamente falando. Os grandes vinhos precisam de verões quentes e secos; e quando isso acontece, fala-se que é uma safra excepcional e seus vinhos são valorizados em detrimento a outras safras não tão boas. E o que é essa safra tão boa? É quando o limite hídrico aconteceu, quando a água chegou na quantidade exata para que a videira não murchasse e também os cachos não murchassem. Aqui sempre temos safras espetaculares; onde, da poda à colheita, não cai uma gota do céu e toda a oferta de água é tecnologicamente suprida pela irrigação. Temos que explicar isso todos os dias, nas mais diferentes praças do Brasil; dizendo: “nós somos fantásticos”, “nós somos absolutamente diferentes”. E a obra Velho Chico, Vinhos Regados de História, é uma ferramenta excepcional para desfazer quaisquer mitos.
Há algum rótulo produzido no Vale que tenha um significado especial para você, seja pela qualidade ou pela história por trás dele?
Olha, existem três rótulos bastante significativos para mim: o primeiro vinho engarrafado [de mesa] no Sertão, que foi o vinho Figueira, feito pelo Grupo Raymundo da Fonte no início da década de 80, em Floresta (PE). Já mostrava os potenciais dos vinhos sertanejos. Agora, é claro, indiscutivelmente, o VSB é o que tem um significado maior, para mim, pela resiliência, pelo sacrifício para que eu pudesse chegar nele, pelo que ele representa como sinônimo de qualidade para o Vale de São Francisco. Mas eu acho que o divisor de água mesmo para o Vale de São Francisco foi o vinho Grande Lago, elaborado pelo Vale dos Cactos lá em Santana do Sobrado [em Casa Nova, onde hoje é a Vinícola Terranova].
O que você espera que os leitores levem consigo após conhecer mais sobre os vinhos dessa do Vale do São Francisco?
Eu acredito muito que esta obra vai chegar nos quatro cantos do Brasil. E as pessoas que tiverem acesso à obra perceberão o quanto diferente e especial é a nossa região. Eu ainda fico encantado quando vejo as pessoas impactadas quando nos vêm visitar e dizem abertamente: “Eu não sabia que era assim, eu não acreditava que era assim”. E agora o livro O Velho Chico, Vinhos Regados de Histórias, vai ajudar um pouco mais essas pessoas a terem vontade de beber e de conhecer o nosso ensolarado vale.
SERVIÇO - Publicado pela Editora Oxente, ‘Velho Chico – Vinhos Regados de Histórias’ tem 178 páginas e pode ser adquirido através do telefone (74) 99160-1427.