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O tempo (versão mercado de trabalho)

Nesse país, aos 50 anos, ainda é cedo pra se aposentar mas parece tarde demais pra conseguir um trabalho

  • M
  • Mariana Paiva

Publicado em 12 de maio de 2024 às 09:52

O tempo passa pra todo mundo. E se você for uma pessoa esperta, já sabe que é melhor envelhecer, porque a outra opção não é boa. Mesmo assim, com a população ficando idosa praticamente ao mesmo tempo (a tal da pirâmide etária), as empresas brasileiras seguem descartando a contratação de profissionais com mais de 50 anos. Tem nome: etarismo. E sobrenome: preconceito.

Sim, porque não há nada que garanta que pessoas mais experientes não possam realizar as mesmas tarefas que as mais jovens no trabalho. Podem, inclusive, trazer uma bagagem de vida que pode ser bem interessante para a atuação profissional, com resoluções diferentes para o mesmo problema. Minha avó conhecia pelo menos meia dúzia de chás pra amenizar uma dor. Mas nós queremos Excel básico, Python e inglês fluente – mesmo que a pessoa nunca precise falar uma palavra de inglês durante cinco anos naquele cargo, um clássico – pra contratar. Não, não tô defendendo ninguém contratar minha finada avó (e Deus me livre, ela já trabalhou demais viva). Mas tô dizendo que há outros saberes, muitos deles. Mas a gente é metido a besta, só quer saber de sair bonitão no foto. E termina em queimação, isso sim, que nem um exemplo de uma postagem de empresa que em tava todo mundo igual, parecendo que tinha saído de linha de produção (como diz o sábio Gilberto Gil, “procure saber!”).

E tem mais: o mercado consumidor é diverso. Como é que a empresa pode não ser? Se todo mundo que trabalha nela tem 20 anos, como se comunicar com quem tem 40, 50, que é exatamente quem tem maior poder aquisitivo? Sim, porque se dependesse de meu salário aos 20 anos, sinceramente, ia ter muita empresa passando fome. Quer dizer, empresa não, porque a moda agora é falar CNPJ. Pois então: se dependesse do meu CPF aos 20 anos, ia ter muito CNPJ dando baixa. “Ah, mas hoje em dia tem o pessoal influencer que é novinho”. É? Em sua família tem quantos? Entende? É um em um milhão, tipo jogador de futebol que dá certo.

Não tem um mês eu tava sendo atendida num café e uma senhora veio, delicada, fazer o pedido. “É lá atrás”, o moço do café apontou, ríspido, para ela, que saiu. Gentilmente avisei que ela era idosa, e que, por isso, tinha preferência. “Aqui não tem isso de fila preferencial não”. E expliquei a ele porque “ali” tinha fila preferencial, fui até o fim da fila, chamei o casal, e eles foram atendidos imediatamente por outra funcionária, porque aquele se recusou. Que falta faz diversidade e inclusão nas empresas!

Nesse país, aos 50 anos, ainda é cedo pra se aposentar mas parece tarde demais pra conseguir um trabalho: precisa de QI (o clássico Quem Indica?), reza forte, três vias assinadas em cartório e tudo mais. Parece – e é injusto mesmo. Porque muitas vezes pode ter bom currículo, experiência, ter “fit” com a posição (é “combinar” com a vaga; o mercado ama falar inglês pra parecer importante), mas a vaga ficar com alguém que tem metade da idade e da formação.

E é esse, invariavelmente, o caminho que espera todas as pessoas, se derem a sorte de viver até lá. Porque estabilidade é um troço complicado – mesmo no serviço público, atacado como anda - e ninguém sabe o dia de amanhã. Enquanto isso, a chance é fazer o que se pode do lugar onde se está: que mudança você tem trazido a esse cenário? Quem você indica para as vagas de trabalho? Ou segue chamando os idosos na rua de tio Paulo, rindo e achando que você não chega lá?

Há que se fazer algo melhor que piada: abrir espaço. Que é também um outro jeito de dignificar pessoas, considerando que elas precisam trabalhar para comprar comida, morar, se vestir, se mover pelas cidades. E se as pessoas vão viver mais, que as portas das empresas aprendam a ficar abertas por mais tempo para elas, ganhando em diversidade, inclusão, experiência, em saber.

Mariana Paiva é escritora, jornalista, idealizadora da Awá Cultura e Gente, head de Diversidade, Equidade & Inclusão do RS Advogados, e doutora em Teoria e História Literária na Unicamp