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Nelson Cadena
Publicado em 3 de outubro de 2024 às 05:00
No próximo ano, celebramos os 130 anos dos blocos afros e 50 anos do primeiro desfile do Ilê Aiyê, o pioneiro entre os afros contemporâneos. A Embaixada Africana foi o primeiro bloco afro a desfilar no Carnaval de Salvador, na última semana de fevereiro de 1895. Os homens trajados como príncipes, as mulheres esbanjando beleza: “As lindas crioulas”, assim denominadas pela mídia. Outros afros e afoxés desfilaram na cidade até a virada do século: Africanos em Pândega, Chegada Africana, Congada Africana, Filhos da África, Folia Africana, Guerreiros da África, Império da África, Lembrança dos Africanos, Lanceiros da África, Lutadores da África, Mamãe Arrumaria, Papai Folia e Pândegos da África.
Este último, quando de sua estreia, em 1897, evidenciou a ala das “crioulas apaixonadas” entoando o cântico da Mãe D´Água, que nada mais era do que a representação da Festa da Rainha, realizada em Lagos, Nigéria, denominada de Domurixá: “As africanas… principalmente, tomadas de verdadeiro entusiasmo, cantavam, dançavam e tocavam durante todo o trajeto, numa alegria indescritível”, escreveu Manoel Querino, um dos diretores da agremiação. O intelectual baiano descreveu o visual da charanga: “figurino indígena com um avental sobre um calção curto”.
Os blocos afros da antiguidade “desapareceram” como cortejo, em 1905, quando a Secretaria de Segurança Pública baixou decreto, determinando “não será absolutamente permitido a exibição dos clubes africanos com batuques”. Os afros retornam, com menos destaque, grupos pequenos que mais tarde seriam denominados de cordões, ou batucadas, em 1919, no rescaldo da I Guerra Mundial. A mídia chamava de “trupe de Africanos que nunca foi sequer à África”. Outros afros e afoxés surgem na sequência, desapareceram, ou se reinventaram com nova formação. Dentre eles os Filhos de Gandhy, originalmente um cordão.
O Ilê Aiyé foi pioneiro entre os afros contemporâneos. Desfilou, neste meio século, sem solução de continuidade. Foi às ruas em 11 de fevereiro de 1975, exibindo cartazes de protesto de afirmação da negritude, intitulado de Poder Negro, inspirado no Black Power americano, enfatizando o orgulho racial. A partir do segundo desfile introduziu enredos temáticos, atitude que prevalece e, na sequência, a estética afro nos penteados e na estamparia das mortalhas desenhadas por J. Cunha. Tornou-se referência cultural do Carnaval baiano, celebrado nas músicas de grandes compositores e intérpretes e consolidou no calendário oficial da folia A Noite da Beleza Negra, patrimônio imaterial da Bahia.
Se a Embaixada Africana quebrou no século XIX os paradigmas do desfile, introduzindo a música cantada, contraponto da música instrumental dos blocos da elite; o Ilê Aiyê quebrou os paradigmas da mutação dos clubes de raiz mantendo-se fiel às suas origens. São 50 anos de resistência e de um legado para a comunidade do Curuzu e os baianos.
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras