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Nelson Cadena
Publicado em 17 de outubro de 2024 às 05:00
“As sagradas tribos indígenas dos retardados modernistas baianos têm cultos estranhos. Cultivam o analfabetismo e o elogio mútuo. Fulano é um gênio e sicrano é o Ruy Barbosa da Rua dos Carvões... O jornalista baiano é reconhecível à primeira vista. Bebe cachaça fiado e fala mal de Freud, sem nunca o ter lido. A melhor carta de recomendação para os que têm banca de crítica é meia dúzia de garrafas de cerveja... Os estudantes de direito e de medicina que não deram para jogador de futebol dedicaram-se à literatura.”
“Não sabem os literatos baianos que existe Pirandello e que Tristão de Athaíde faz um grande movimento de renovação no Brasil... Salvam-se alguns nomes. Alves Ribeiro é um escritor completo em todo o sentido da palavra. Dias da Costa, grande dissipador de talento, será capaz, quando assim quiser, de realizar uma grande obra. Sosígenes Costa, Eugênio Jesus, Arthur de Salles, Costa Andrade e Carvalho Filho, na poesia. São nomes que precisam ser realçados. Clovis Amorim poderá ser o grande romancista da Bahia e Edison Carneiro é um esplêndido conteur. Sobre todos estes, mestre e amigo, aparece a figura admirável de Pinheiro Viegas.”
“Baiano, Viegas viveu por muito tempo do jornalismo, no Rio. Todos os medíocres odeiam-no porque o temem. O único vício que ele não perdoa no homem é a burrice. E seus inimigos são todos muito pouco inteligentes. Ninguém melhor do que ele sabe ser amigo. Aliás, fez disso a divisa de sua vida: “Saber ser amigo é saber ser inimigo”. Capaz de grandes gestos, e grandes, prefere dizer nas mesas dos bares coisas que aborreçam o burguês que está sentado na mesa vizinha. Cultiva as frases de espírito e diz paradoxos. Tem o prazer aristocrático de escandalizar.”
“É um terrível panfletário, mas nem por isso deixa de ser um excelente poeta. Seus versos são bizarríssimos... Gosta mais, no entretanto, de fazer epigramas com as figuras mais em evidência da aldeia... É preciso conhecer Pinheiro Viegas de perto, para que se veja que ele não é o terrível papão, tão temido e odiado pelos antropófagos baianos, mas que é somente um grande talento insatisfeito. Em verdade, foi ele que chefiou na Bahia a campanha pró inteligência. Coisa de que ninguém se lembrava na Boa Terra.”
“Profundamente natural, odeia a retórica mestiça dos mulatos baianos e critica a brasilidade dos meninos ultra modernistas. Dizem-no demolidor e ele responde que demolir a obra má é o mais admirável meio de construir. Dono de uma grande cultura geral, grande conversador, seu espírito eternamente formado à francesa encanta. Se lhe perguntarem quais os seus defeitos, enumerará todas as virtudes comuns à maioria dos homens. Tem a paixão dos livros velhos e afirma que hoje só é humorismo. Poderia ter feito uma grande obra. Preferiu fazer uma grande vida. Conseguiu. É admirado por todos que têm talento e odiado por todos que não o têm.”
Crônica de Jorge Amado, editada para ajustar a este espaço, publicada na revista ETC. em 1930; o escritor tinha então 18 anos de idade