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Nelson Cadena
Publicado em 11 de julho de 2024 às 05:00
O Palacete do Tira-Chapéu nasceu sob os acordes de um piano de cauda, ao som do canto lírico, entoado por tenores e sopranos, a fina flor da música de ópera baiana, naqueles idos de 1917/18 quando inaugurado o prédio idealizado por Alberto Moraes Martins Catharino para ser a sede, digamos institucional, da Associação dos Empregados no Comércio da Bahia.
Passou a ser o mais nobre dos espaços para a realização de eventos culturais em Salvador. A sede funcional, do expediente, das picuinhas do dia a dia, continuou no prédio da Rua Carlos Gomes, por mais alguns anos. O palacete foi inaugurado no apagar das luzes do ano de 1917, em dezembro, para ser preferencialmente um espaço de cultura. No seu discurso como orador oficial, Aloisio de Carvalho já o denominou de palacete. A imprensa mais tarde denominaria a imponente obra de arte, no estilo eclético, concebido pelo arquiteto italiano Rossi Baptista, como palácio.
Em 07 de julho de 1918, seis meses após a inauguração do Palacete do Tira-Chapéu a professora de canto lírico Zulmira Silvany, foi homenageada perante uma plateia de mais de duas centenas de convidados, incluindo os musicistas baianos, tenores e sopranos, autoridades e jornalistas que assistiram a serenata, comandada por duas orquestras, uma sob a regência da homenageada, a outra, a da Polícia Militar da Bahia, sob a regência do Maestro Wanderley.
Zulmira, sempre lembrada pela mídia baiana por ter musicado o Hino da Imprensa, composição de José Augusto de Carvalho, foi uma das mais atuantes personagens nesses primórdios do Palacete do Tira-Chapéu. Ela, o Instituto de Música da Bahia e o Instituto Deolindo Fróes promoviam os eventos. No seu espaço, os baianos apreciaram recitais do barítono chileno Leopoldo Gutierres, do maestro lusitano Pascoal Pereira, dentre os estrangeiros convidados e concertos de muitos baianos e de músicos de outros estados.
Nos primeiros sete anos de atividades do Palacete, foram promovidos mais de 50 espetáculos musicais, a destacar o da pianista paraense Maria de Nazaré; da mezzo-soprano Julieta Telles de Menezes; do violinista Marcos Salles; da soprano Alexandrina Ramalho; do barítono Atílio Bonelli; concertos do maestro Silvio Deolindo Fróes; Raque, Remigio e Roberto Domeneck; Manuel Augusto; Egas M. Aragão; Ivone Daumerie; Carmem Braga; Judith Maranhão; violinistas Nair Tourinho e Raul Vasconcelos, dentre outros.
O Palacete sediou também eventos políticos, Simões Filho e Getúlio Vargas, dentre as mais proeminentes personalidades; conferências de baianos e estrangeiros (o escritor espanhol Vicente Paya, um deles); cursos de formação de datilógrafas; recitais de poesia; saraus do 2 de julho; apresentação de corais de adultos e crianças; exposições de pintura; banquete em homenagem ao príncipe italiano e futuro rei da Croácia, Aimone de Savóia; sessões cívicas da União dos Estudantes em tempos de Guerra e no cotidiano uma sala de leitura onde os frequentadores usufruíam da rica biblioteca da casa, com suas obras raras.
A Rua Chile, com o seu comércio glamouroso, ficou mais elegante com a intensa atividade cultural do Palacete, doravante celebrado pelos seus vitrais, forros de madeira com detalhes artísticos, fino mobiliário fabricado nas oficinas de Lino Meirelles; a escada de peroba do campo... e a sua magnífica fachada, uma das vitrines da mais refinada arquitetura da Cidade da Bahia.
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras