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Nelson Cadena
Publicado em 13 de abril de 2023 às 05:00
- Atualizado há um ano
Vamos ver se você é bom na prova de múltipla escolha, suas chances no Enem. Quem foi o miserável que proferiu a frase do título? Opção um: é o nome de um filme de Almodóvar; opção dois, de uma peça de teatro de José Celso Martinez; opção três, é uma frase de para-choque de caminhão batido na estrada; opção quatro, uma crônica de Nelson Rodrigues; opção cinco, um aforismo de Platão; opção seis, o pensamento de um debochado atendente de farmácia conferindo as duas folhas da receita médica do idoso; opção sete, o guia de turismo aguardando o casal que ficou para trás do grupo, na subida da ladeira de Santo Antônio; opção oito; a atendente da fila preferencial da lotérica da Caixa; opção nove, o motorista apressado do buzu; opção dez, eu me olhando no espelho antes de escovar os dentes.
Você se achou tão espertinho que foi logo marcando o X na opção dez. Não fui eu, até porque já faz alguns anos que deixei de conversar com o espelho, nos desentendemos definitivamente, não vejo chance de reconciliação. E ponto final. Conversava com ele, porque achava melhor do que conversar sozinho, mas aprendi que antes só do que mal acompanhado. E pela mesma convicção, é que não converso só em salões fechados vazios, para evitar o eco. Vivendo e aprendendo.
Retomando a conversa, para não parecer que estou ficando velho, perdendo o fio da meada, não fui eu que proferiu a frase do título, apenas esqueci, e não é sintoma da idade, juro, a décima primeira opção que é a verdadeira da múltipla escolha: nenhuma das anteriores. E aí? Então quem foi o engraçadinho? Tenho meus palpites.
Um é o sistema, que através de leis e normativas, determinou que o cidadão é velho a partir dos 60 anos e para compensar a sacanagem do rótulo lhe concederam “benefícios”: não paga passagem de ônibus e metrô; tem um assento reservado se o (a) moço (a) que está sentado (a) está disposto a lhe ceder; paga meia entrada da entrada que valia inteira e passou a ser o dobro no show do Teatro Castro Alves; não enfrenta a fila comum, a que anda, nos bancos e lotéricas, tem direito e privilégio à fila lerda da preferencial...
Outro engraçadinho é quem inventou o conceito de terceira idade. Não me incomodo com isso, até porque no futebol baiano, a terceira divisão é sempre uma possibilidade. Nada incomum. E uma das vantagens da terceira é que se joga em campos de várzea, e quanto pior o campo, melhor para disfarçar a falta de fôlego e de estilo. O único inconveniente é que a mídia não gosta da terceira, não é vista e, se você não é visto, na analogia de terceira divisão da idade, não existe.
Noves fora, é sacanagem propagar que a velhice é uma infâmia. Como assim? Se o conceito alimenta os esquemas de autoajuda: livros sobre a “melhor idade”, que se é fake para nós, não é para eles; artigos em jornais, revistas e blogs; frases “inteligentes” no Tik-Tok; palestras; programas de TV, Ongs, o escambau. O tema da velhice contribui com a sabedoria bem remunerada dos que nos ensinam que a idade física, ou cronológica, não tem nada a ver com a idade mental, a sabedoria que alimenta nos jogadores da terceira divisão a esperança de um dia jogarem na primeira.
Eu mesmo, confesso, já admito que talvez seja a melhor idade, mesmo, e me sinto em plenas condições de jogar como titular na primeira divisão da vida. Só falta combinar com os russos.
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras