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Nelson Cadena
Publicado em 6 de junho de 2024 às 05:00
Santo Antônio foi o mais versátil dos santos cultuados na Bahia. Os baianos o entronizaram no imaginário devocional, de um lado, como santo protetor dos marujos e pescadores; do outro lado, dos traficantes de escravos. Essa duplicidade funcional do culto é que fez da Festa de Santo Antônio da Barra, celebrada por quase um século, no balneário que se tornou bairro, uma das mais badaladas do verão baiano, seguramente a mais elitizada das três grandes festas populares da época: Nossa Senhora de Sant’Anna, no Rio Vermelho; Senhor do Bonfim, em Itapagipe; e Santo Antônio, aqui referida. >
Quatro personagens despontam como seus mais ativos promotores: João Gomes de Oliveira, homenageado com o nome de uma rua no Rio Vermelho; Gustavo Américo Hasselmann; George Wilson; e Antônio de Lacerda, construtor do elevador que leva seu nome. Gustavo Américo era professor, diretor do colégio da família, Juiz de Paz e tradutor, fluente em cinco idiomas: alemão, Inglês, francês, italiano e, óbvio, português. Sua família atuava em vários segmentos comerciais, em especial prestando serviços de navegação.>
João Gomes era um rico comerciante. Na sua fazenda do Rio Vermelho, costumava hospedar o Presidente da Província. Promotor, membro das comissões organizadoras, em épocas diferentes, das festas de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Sant’Anna no Rio Vermelho, Barra e concessionário durante muitos anos do Teatro São João, onde realizava bailes de mascarados em benefício do Asilo da Mendicidade da Santa Casa de Misericórdia e outros bailes carnavalescos. João Gomes era um festeiro na veia.>
George Wilson, como os Lacerda e os Hasselmann, atuava na área de navegação, os Wilson eram proprietários de navios e importavam e exportavam mercadorias. A família diversificou os negócios com ferrovias e outras atividades e ainda hoje atua na área de rebocagem e afins com a empresa Wilson Sons. Essa sua atividade, digamos naval, é que o aproximou da Festa de Santo Antônio da Barra, onde uma das atrações eram as regatas. Ele e o Lacerda (sua residência, ponto de concentração dos esportistas), foram os pioneiros, fundadores do Clube de Regatas Bahiano, em 1874.>
A festa de Santo Antônio da Barra não tem data de origem comprovada (como todas as festas populares baianas, com exceção do Bonfim, que por uma conveniência social mudou a data, a antecipou uma década), sabemos que já era realizada em 1847 e que a romaria dos pescadores era um dos eventos dos festejos. Os homens do mar saiam em procissão carregando o andor do Santo e “à noite tocar-se-á um lindo fogo”, assim registrou o Correio Mercantil, no ano citado. Mais tarde, os veranistas assumiram o comando dos festejos, como em Itapagipe e no Rio Vermelho, e tornou-se festa de duas semanas, realizada no final de janeiro e inícios de fevereiro.>
A exibição de Ranchos e Ternos de Reis à noite era uma das atrações. O do Arigofe com seus negros altos, esbeltos e figurino de fraque e cartola, todo ano comparecia. Exibiam-se no palanque e nas casas particulares. Serenatas e “soirées” dançantes com modinhas também alegravam os veranistas. Ainda à noite, soltavam-se balões iluminados, de hora em hora, promoviam-se quermesses e acendiam-se os fogos de planta com a animação de filarmônicas e das bandas da Polícia Militar.>
As atividades diurnas consistiam em leilões, provas de natação e de remo, banhos à fantasia, baile infantil, escolha da rainha da festa, desfiles de bandas, corsos e pranchas de bondes, pau-de-sebo, corridas de sacos, quermesses.... e a romaria, repaginada no contexto, realizada no último dia do evento, com salva de tiros de canhão para saudar a passagem das canoas, jangadas, saveiros e vapores.>
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras>