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Série Adolescência e o silêncio dos inocentes

É tanto inocente que se tiver céu não vai caber. Cadê gente com coragem pra assumir que precisa melhorar?

  • M
  • Mariana Paiva

Publicado em 6 de abril de 2025 às 05:00

Gente esperta há de ter ficado de orelha em pé depois de assistir à série Adolescência. E não, não é sobre o menino; é sobre a sociedade. Porque veja só, o que tem ali é o retrato do nosso pão de cada dia: o silêncio dos inocentes. Os que não sabem, que não veem, os que não estavam preparados para reagir ou pra tratar os temas. Mas a vida acontece sem aviso e pede postura nesse meio tempo. O que fazemos, tantas vezes? Calamos. E então as tragédias.

O menino aparece pouco ou quase nada. O que pula diante de nosso olhar é a estrutura: a escola omissa, a família omissa, um mundo inteiro de omissões somadas que dá muito ruim no final. Eu sei: todo mundo quer o melhor pra sua criança, enche de presente e de todos os brinquedos sonhados. Ou então de onde vem aquela frase que a gente escuta tanto, “meu filho vai ter tudo que eu não tive"? Mas isso não precisava ser só uma casa da Barbie ou um videogame de última geração. Podia ser limite que se impõe com respeito e com amor, podia ser conversa.

Como é que a gente age se as famílias seguem educando as meninas a serem gentis e amáveis e esquecem de fazer o mesmo com os meninos? Eles não são naturalmente rudes: eles são ensinados a ser grosseiros, a não serem gentis com os amigos na escola, a colocar apelidos que ofendem, a rir das vulnerabilidades dos outros. Adivinha onde aprendem? E crescem assim mesmo, vá ver se você não conhece meia dúzia desses por aí, que responde com um grunhido um "bom-dia” no elevador, e vive bradando aos sete ventos que foi criado na brutalidade e que cresceu ótimo, sem “frescura de terapia nem nada". Dizendo ele. Deus tá vendo.

É tanto inocente que se tiver céu não vai caber. Cadê gente com coragem pra assumir que precisa melhorar? Não, pra onde você olha só dá “inocente". Gente que não defendeu porque não sabia, que diz que fez piada preconceituosa por desconhecimento, que fala que foi racista porque tava nervosa. Gente que faz de conta que não vê uma pessoa idosa na fila esperando atrás dela porque tá com pressa em vez de ceder a vez - é lei, hein? -, gente que estica a corda pra viver com gente que não presta só por networking.

Gente que prefere entregar um celular pra criança esquecer da vida, ou um computador com cadeira gamer pro menino se trancar no quarto eternamente. Que só interrompe pra perguntar se ele já tá brincando de médico com as coleguinhas, em vez de explicar como é que ele pode se relacionar de forma respeitosa com as meninas. Tá, ele vai namorar quando e se quiser. Mas é só isso? Você, que vive perto de um menino, já contou a ele que alguma coleguinha de sala dele pode ficar menstruada do nada, e que ele pode ser a pessoa a ajudá-la, chamando a professora na hora? Sim, porque se você nunca explicar o que é, talvez ele se una aos outros meninos para começar a zoar ela porque a farda tá manchada de vermelho. A escolha é sua.

A questão aqui é querer saber. Tem tanto livro, gente falando sobre tudo, que não dá pra viver na omissão. No silêncio as coisas acontecem por si mesmas, e aí, eu vou dizer, elas descambam. Às vezes as palavras ferem, é verdade, mas certamente fazem menos estrago que ações trágicas. Se eu posso aprender a lidar melhor com as diferenças, eu devo tentar. Mesmo que pra isso eu tenha de reconhecer meus privilégios. Por que não? A gente tá no mundo pra melhorar, ou então a gente nascia e morria sendo brita de estacionamento de churrascaria.

O que “Adolescência” nos revela é nossa omissão enquanto sociedade. Já viram o pai do menino, que exemplo? Berrando com a vizinha, com a mulher, com a filha, incapaz de achar coisas na própria casa, decidindo sozinho o destino de todo mundo, deixando a bagunça na cozinha pra mulher limpar. Você conhece alguém assim? E antes que alguém diga que a gente odeia os homens, não, a gente não odeia os homens: a gente só não gosta desse tipo.

Já viu o estrago que faz?

Diante dele, uma sociedade inteira cúmplice, silenciosa, que não mete a colher. Não tá bom como tá: então é o caso de estudar, de entender como acolher e ouvir as crianças, de ver quem faz diferente e dá certo. Porque silenciar, com certeza, não tá dando.

Mariana Paiva é escritora, jornalista, head de DE&I do RS Advogados, idealizadora da Awá Cultura e Gente, colunista do Correio* e doutora em Literatura pela Unicamp