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Se Amado fosse Amada

Se tiver oportunidade pra destilar veneno em cima de mulher, nossa sociedade não perde uma

Publicado em 15 de março de 2025 às 10:14

Se Amado fosse Amada a gente ia ver era coisa. Primeiro que os comentários nas redes sociais iam ser outros. Vocês também clicaram pra ler? Eu cliquei. O que tinha de gente dizendo que a moça se deu bem financeiramente por causa do casamento não tá escrito. Uma vergonha. Ou seja: se tiver oportunidade pra destilar veneno em cima de mulher, nossa sociedade não perde uma. Vai lá e aproveita. O homem, por sua vez, é visto como vítima, inocente, ingênuo. Se fosse Amada em vez de Amado, a coisa mudaria de figura. Aí ela seria “uma velha descompreendida”, e o rapaz, ah, “podia ser neto dela, que absurdo uma coisa dessas”, diriam os comentários. Não ia ser isso mesmo que o povo ia dizer?

É que florzinha, mesmo dentro d’água, não demora nem uma semana pra murchar. A gente agradece porque é educada, mas veja bem, não adianta nada tanto esforço pra parabenizar mulher se continua reproduzindo esses pensamentos. Batom também acaba rápido se a gente sai todo dia pra trabalhar, e olhe que pode ser uma cor que a gente nem usa. Chocolatinho piorou, numa mordida a gente come, numas horinhas a gente bota pra fora. O que fica mesmo é atitude. Respeito. Aquele líder na empresa que, no meio de todos os outros que olhavam para todas as bundas, tratava mulheres como pessoas que estão ali apenas para trabalhar. Ou aquele ex namorado que nunca nos olhou como um pedaço de carne que pertencesse a ele.

A situação de Amado é boa porque nos entrega muito das pessoas. Pro que elas vão olhar logo? Pra mulher? Bandeira vermelha. Saia logo dessa água, minha amiga, que tem redemoinho. Mesmo sabendo nadar ele te pega pro meio e pra sair vai dar trabalho, não já viu os avisos do Salvamar? Apois. Se o rapaz entabula a conversa falando que por aí tá cheio de aproveitadora é bom correr sem olhar pra trás. Ou que a ex dele é louca, que ele era um santo homem e essa mulher foi capaz de destruir toda a sua existência, oh, santo anjo divino em forma masculina! Sai daí, amiga, que a próxima ex doida da fila é você.

Vivemos num mundo que espera apenas um pretexto pra falar mal de mulher. Pode ser Amado ou Suzana. A Mariana que tem 12 filhos ou a que escolheu não ter nenhum. O que se entendeu mesmo é que a culpa de tudo, segundo os comentários das redes sociais, é das mulheres. A criança é mal-educada? Culpa da mãe. E o pai? Ah, não conta, ele não tava. Ah, claro, o pai não tinha que estar, né? Então a ausência exime de culpa? Por que toda culpa tem que recair sobre a mulher?

Se o menino chega na escola sem o dever pronto a escola bota a culpa na mãe. Se a visita chega e a casa não tá um brinco a mulher é desleixada. Se o marido bate o mundo entende que é porque a mulher deu razão. E se ela não deixa o lar - por causa dos filhos, do sustento ou das dinâmicas próprias de um relacionamento abusivo - a culpa é dela, porque, na visão de nossa sociedade doente, ela “deve gostar de apanhar".

Agora que o dia 08 de março já passou é que fica mesmo bom de escrever sobre ele. Como tá sendo? Quem te desejou feliz dia da mulher tá ainda olhando sua bunda quando você passa? Segue te interrompendo na reunião de trabalho, ou fazendo resuminho de sua fala logo depois, como aquela ferramenta do Google? Eu sei, eles fazem parte da turminha que reclama que o mundo tá chato, né? Que agora não pode mais nada. Mais nada que ofenda, que machuque, que assedie. Mas taí umas proibições que incomodam uma galera, né? Ainda mais quando o que tá do outro lado é mulher, o alvo de sempre.

Vivemos num mundo em que nós, mulheres, estamos como se numa vitrine, o Big Brother Brasil é todos os dias de nossas vidas: somos julgadas e observadas a todo instante por todo mundo. Vizinhança, colegas de trabalho, porteiros, família. Todo mundo olha e opina no modo como a gente senta, se veste, corta o cabelo, se relaciona, fala, materna, ama. A diferença é que não tem prêmio nenhum esperando a gente no final. No máximo, a gente ganha ranger os dentes durante a noite, ficar ansiosa, e quando reage a tanta violência ainda é julgada de agressiva. Claro que tem quem viva em negação, diga que não é bem assim, que se sente acolhida pelo mundo, que é ótimo. Negar não impede de doer, e cada qual sabe bem de si quando encosta a cabeça no travesseiro. Tudo bem, a gente acolhe essas também. De cá, fico só pensando: e se fosse Amada?

Mariana Paiva é escritora, jornalista, colunista do Correio*, head de DE&I do RS Advogados e idealizadora da Awá Cultura e Gente