Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Kátia Najara
Publicado em 20 de abril de 2025 às 05:00
Não suporto velórios. Não do jeito que fazemos aqui. >
A hilária cultura das carpideiras já trazia à luz aquele quê de farsa que todo velório tem.>
A liturgia do choro, da vela, e essa curiosidade bizarra de fazer fila para curiar o pobre do defunto já incapaz de defender um mínimo de dignidade com aquele algodão enfiado nas ventas, e aquele véu de filó, pouso certo de moscas inconvenientes.>
Depois o peso do caixão, a vala, a putrefação, o banquete dos vermes. Afe!>
Por mais alegre e ventilada que tenha sido aquela existência será quase sempre essa a memória de sua passagem. >
COMIGO NÃO! >
Já vou logo publicando no jornal as coordenadas para o meu sepultamento, que é para não dar ruim de jeito nenhum.>
Nada de velório e nem exposição do meu corpo morrido. Quero ser cremada em rápida cerimônia, leve, solar e musical, e virar árvore - meu filho já sabe o que fazer. E depois da cerimônia, a festa!>
Família e amigos (só os de verdade) comendo, bebendo e vivendo as melhores lembranças comigo, por obséquio. Meu filho vai organizar e separar as minhas coisas mais legais para que levem e façam bom uso, que nem eu fiz quando o meu irmão morreu e eu adorei o modelo. >
CHAMA O BUFÊ!>
É claro que o povo não dorme e existe em todo canto do mundo empresas de "funeral catering" especializadas em repastos funerários. Você já viu essa cena no cinema muitas vezes (americanos amam): aquela recepção íntima na casa da família da pessoa defunta após o enterro. >
Só que no meu não vai precisar usar preto nesse calor do cão, tá?>
Quero comidinhas leves, cerveja e espumante geladíssimos. E música, muita música! Vou deixar várias playlists, mas também vou amar se os meus amigos músicos fizerem uma jam pra cima e o povo acabar dançando Babá Alapalá com Zezé Motta. >
CATERING FUNERÁRIO>
Da primeira vez em que vi na tevê ainda mocinha, achei tão estranho aquilo de reunir as pessoas para comer depois do enterro! Aquilo da viúva anfitriã dividida entre o pranto e o monitoramento do serviço de bufê! Achava aquilo totalmente non sense.>
Só mais tarde fui pensar sobre as empresas fornecedoras do serviço, que num primeiro momento me pareceram abutres, literalmente, mas hoje considero um serviço da maior importância e respeito demais quem tem a sensibilidade necessária para fazê-lo.>
Até onde sei, em Salvador não há nenhum serviço especializado em catering funerário, vai que agora... porque o nicho, você sabe, é o que mais tem. Morre gente todo dia, basta estarmos vivas. E sem querer agourar ninguém, e você? Já pensou na sua cerimônia de passagem? Não, né? Quem é doida? Só eu.>
COORDENADAS DO MEU BUFÊ DE PASSAGEM>
Já falei que é leve, musical, solar e matutino, não foi? Serviço de brunch, portanto. Num lugar aberto, em área verde. Se for época de chuva, favor providenciar toldos! Daqueles transparentes, por favor! Kau amiga, você faz essa produção? E não deixa o povo usar cadeira de plástico, que eu não mereço? Promete?>
Jam e playlists okay - Bento, meu filho, tá contigo. E a lista de convidados também; você melhor do que ninguém conhece os meus afetos (e desafetos também).>
Flores são as astromélias e gérberas da vida inteira, as mais vivas e coloridas possíveis. Chèl, amiga, se eu for antes, você cuida das flores pra mim? >
Nada de gente servindo. Quero uma linda mesa de bufê forrada com uma das minhas toalhas de festa e com o melhor da minha louça - que o meu povo pode carregar no final e fazer o melhor dos proveitos, como já disse. Chèl, outra função para você: a mesa, amiga!>
Para comer, salada de frutas, com iogurte, mel e granola; pães de Maria e Déa; manteiga e requeijão de barra de Riachão ou Tanquinho de Feira; queijos mineiros (Rafa, você faz essa curadoria?), café da Chapada (Lilica, traz de Piatã?), leite gordo, chocolate e sucos de cupuaçu com morango e manga do quintal de mainha com gengibre; bolos de laranja com cointreau de Lao, o de coco gelado de Raquel, e o de rapadura da Casa Castanho; ovos mexidos, cuscuz de milho com fumeiro; cuscuz de tapioca com coco bem molhadinho; e um pratinho quente no réchaud que seja muito a minha cara, tipo um baião-de-dois (mas só se for com feijão verde, basmati, fumeiro de Serra Preta e aquele coalho de Dona Helena lá da Ilha do Ferro (lembra, filho?). >
Ah! Vou deixar a minha receita secreta de Ambrosia pra Nilda, nossa cozinheira de Songa reproduzir. Aliás, amiga, vou deixar essa cozinha contigo, viu? >
Deixa ver o que mais... Dani, você escreve a memória desta minha saideira, amiga?>
Obrigada, meu povo!>
Amor,>
K.>
Katia Najara é cozinheira livre, consultora e gestora executiva em projetos gastronômicos @katia_najara>