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Kátia Najara
Publicado em 7 de dezembro de 2024 às 08:00
Essa é a minha última coluna do ano e eu começo a escrever meio que sem saber ao certo o que vou dizer e nem aonde essa prosa vai dar.
Fui brincar de retrospectiva 2024 da Coluna Boca Livre para lembrar dos temas que abordei ao longo do ano. Falei da comida ruim dos hospitais; da escassez e transformação dos alimentos que consumimos no dia-a-dia bem diante dos nossos olhos, e do seu "discreto" impacto sobre a nossa saúde; da utopia do meu ideal de um festival de comida; falei sobre a série O Urso, a lista de inegociáveis que todas deveríamos experimentar fazer, e que é mentira da barata que os homens estão à frente na Gastronomia; defendi o imperialismo da nossa língua mátria na cozinha; escrevi crônica de um leve amor obeso; falei sobre os vários formatos de restaurantes da atualidade e das enormes responsabilidades éticas a eles atribuídas; sobre o fetiche vaporoso exercido pela Gastronomia; e fui andando até o Dois de Julho fazendo feira pelo meio da rua para fugir dos supermercados.
E não pude deixar de me questionar sobre a importância e o eco desse palavreado todo solto ao vento. Haverá?
Não perco fácil o entusiasmo, mas também não me permito ilusões. Ilusão de ano novo, vida nova; de novos ciclos, de que agora vai; que Natal é paz, harmonia e solidariedade (de um dia só); que Deus dará. Não dará nada e o mundo seguirá de mal a pior mesmo depois da Missa do Galo. Deus pra mim é uma projeção humana - uma criação a partir do desespero e do espanto diante da vida e, principalmente, do medo da morte - que a Igreja se apropriou para controlar as massas supostamente falando em Seu nome.
Assim como para mim o Cristianismo não existe, pois só houve um cristão: Cristo - que deve olhar incrédulo para as farsas teatrais sobre a sua revolução política. Junto-me a ele num canto da festa para um brinde com vinho tinto antes do peru da última ceia.
Tampouco nada disso abala a minha fé no Mistério, no Invisível, no Bem, na Beleza, no Amor. E embora o Natal para mim não tenha nenhuma conotação religiosa, eu acabo pongando no clima emotivo e na fé alheia para abraçar muito, declarar o meu amor, pedir perdão, chorar, dar e receber presentes (quem não ama?) e, claro, o prazer de comer gostoso, que é o que a gente leva da vida junto com a gargalhada.
Para não endoidar
no Natal
Se quiser pode, mas não é porque o mundo endoida no fim do ano e o capeta quer nos vender até a alma de sua mãe que eu também vou endoidar. Já dizia mainha que eu não sou todo mundo. Não. Aprendi a duras penas e muitos infartos a não mais endoidar em dezembro. E enquanto o mar pega fogo nos shoppings, no trânsito e na Avenida Sete eu vou comer um peixe frito ali adiante numa beira d'água distante que é para voltar zen zen para entregar as ceias do meu povo a mim confiadas, dentro do limite da minha integridade física e mental, e sem me render ao canto da sereia industrial.
Nada de fruta gringa, panetones perfumados demais, aves peitudas demais, e novidades de um milhão de dólares. Natal gostoso é com o bom e velho peru (que virava escaldado quando era maior), pernil com abacaxi, salpicão clássico de frango, rosbife ao vinagrete pra comer no pão delícia, bacalhau (que esse ano usei em lascas para um arroz delicioso porque está pela hora da morte), farofa (de bacon com maracujá) e uma terrine de queijo azul com geléia de fruta pra futucar com grissinis abrindo os trabalhos.
E porque nunca mais larguei uma receitinha aqui misturada aos pensamentos, deixo de presente o meu Peru de Natal Marinado no Amor para quem quiser se aventurar na beira do fogão nesse fim de mundo, digo, ano.
Obrigada pela sua companhia.
Amor,
Katita
Katia Najara é cozinheira livre, consultora e gestora executiva em projetos gastronômicos @katia_najara