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Kátia Najara
Publicado em 7 de janeiro de 2024 às 05:00
Por que será que a comida de hospital é meme universal?
Por que diabos trememos diante dessas duas palavras que deveriam nos levar a deliciosas plagas de prazer e cuidado, mas que assim juntas e ligadas por mera preposição nos remetem à pior das experiências alimentares?
Onde é que está escrito que comida de hospital deve ser ruim, insossa, sem bossa?
Por causa das dietas e cuidados nutricionais de cada paciente? E desde quando o colorido da natureza e o frescor das ervas fazem mal à saúde – guardadas, é claro, as devidas proporções específicas de cada dieta. E ainda que as restrições sejam inúmeras ainda haverá um sem-fim de cores e sabores curativos oferecidos por Mamãe Natureza e nenhuma nutricionista de hospital, com todo respeito, há de me convencer do contrário.
Também que não me venham trazer a este colóquio as rigorosas regras de segurança alimentar dos hospitais, pois sendo estes lugares de tratamento (e não necessariamente cura) os maiores campeões de infecções em pacientes, já se perde aí um tanto de moral argumentativa.
Passei seis meses da minha vida vivendo em diferentes hospitais, em diferentes épocas, diferentes estados, realidades e tratamentos. Três meses com meu irmão e três meses com o meu pai, até que ambos partissem. De lá para cá continuam transitando pelos quartos parentes e amigas, parturientes, idosos, crianças, e o desgosto na hora de comer o meme permanece institucional.
Tenho acompanhado um paciente de câncer e quando vejo um pão branco, um iogurte tão açucarado quanto industrializado, ou um sachê de biscotinho que nem os de avião, eu sinto raiva nos olhos. São momentos de imensa clareza, onde o plano de ganhar dinheiro pra matar gente com comida envenenada pra depois ganhar mais dinheiro medicando e hospitalizando, se faz nu em pelo.
E quando chega a comida quente, ela vem triste, monocromática, insosa, toda errada em cocção, que é para fazer jus ao meme; e como se não bastasse, numa marmita de isopor - porque destruir também os parcos recursos naturais que ainda nos restam à sobrevivência também faz parte do plano.
A raiva vai descendo dos olhos pra garganta; raiva da ignorância estrutural, da burrice generalizada, da pobreza intelectual – que não é porque o ano virou que eu vou conseguir assim automaticamente ser boa e pura. Até porque a energia da raiva, quando bem revertida, também é capaz de operar milagres.
Não, tá errado isso. As pessoas enfermas, mais do que nunca, precisam de todas as cores da natureza no prato, fresquíssimas! E mais, que sejam lindos, bem arranjados, de louça ou biodegradáveis charmosinhos. E mais, quero guardanapos coloridos e flor fresca na bandeja, para que na hora de comer nossas pessoas dodóis sintam-se encorajadas, vivas, e possam se lembrar que a vida é bela e que apesar de tudo merece ser vivida.
A foto horrorosa que infelizmente ilustra a minha coluna de hoje sempre tão fofa, é da refeição de um hospital particular aqui de Salvador oferecida a um paciente com câncer que estou acompanhando. Na legenda, o comentário de sua irmã. A família foi ter com a administração e a nutricionista responsável solicitando que a dieta natural prescrita pela nutróloga de acordo com os hábitos da família fosse seguida, e pediu autorização mediante termo de responsabilidade, para levar pelo menos as proteínas fresquinhas de sua casa. Foi quando o paciente comeu.
Façam valer os seus direitos a uma alimentação adequada, e por que não dizer caprichosa e saborosa, junto aos seus caríssimos hospitais e planos de saúde!
Que os hospitais deixem de ser tão somente lugares de tratamento, e humanizem-se até tornarem-se lugares de cura. Que contratem cozinheiras caseiras e afetivas para comporem seus áridos quadros técnicos, porque sei o que digo: a comida sincera, o amor e a Beleza também curam. E o que é melhor, cabe tudo isso num prato.
Kátia Najara é cozinheira e empreendedora criativa do @piteu_katianajara