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Kátia Najara
Publicado em 2 de março de 2025 às 05:00
Mais uma vez: por que o Sudeste odeia coentro? >
Tenho cá a minha opinião bem formada, mas ainda assim fui dar uma varrida na internet para me atualizar antes de organizar as idéias para esse artigo. >
As explicações encontradas para o fenômeno estão dispostas da seguinte maneira: disparadamente em número de publicações, uma suposta explicação com base em estudos genéticos; outra explicação seria tão somente coisa de hábitos e costumes regionais; e por fim, muito discretamente, lá na raspa do tacho, encontrei um jornalista e uma cozinheira dona de um restaurante em São Paulo, que se arriscaram a arrancar a casca da pereba e abordar a "coentrofobia" pelo viés do racismo e da xenofobia. . >
O CAÔ DO GENE>
São dezenas e dezenas de publicações claramente baseadas, quando não copiadas, de um único texto, sobre um estudo de 2012 que tenta justificar a coentrofobia como uma característica genética presente em algumas pessoas que associa o cheiro do coentro ao cheiro de alguns produtos de limpeza.>
Repito, são tantas publicações repetitivas sobre o mesmo tema que a sensação que eu tenho é de uma tentativa de trazer a suposta explicação para o cerne da questão encobrindo assim qualquer outra argumentação menos palatável. >
Mas basta a gente remexer um pouquinho mais desse tacho para perceber que esse caldo é insosso demais para paladares menos distraídos. >
Primeiro porque, de acordo com os próprios pesquisadores apenas 10% dos casos de rejeição seriam atribuídos ao tal gene. Dez por cento. Tantas publicações para tentar nos fazer engolir 10% de uma suposta verdade como absoluta. Mas vem comigo.>
O CAÔ DE KARNAL>
Beleza. Vamos acatar que 10% dos sudestinos e sulistas que odeiam o coentro com todas as suas forças sejam portadores do tal gene. E os outros 90%?>
E principalmente: o que explicaria a concentração de coentrofóbicos tão nitidamente demarcada no recorte Sul-Sudeste? O mesmo Sul do movimento O Sul é o Meu País.>
Quando o historiador Leandro Karnal (gaúcho) declarou numa entrevista - que alcançou enormes proporções e rendeu muitos memes - que não gostava de coentro, o que se viu ali, sobretudo nos comentários de todas as publicações em redes sociais sobre o assunto, não foi apenas uma enquete sobre ervas preferidas ou malquistas, mas um verdadeiro discurso de ódio "ao coentro" proferido por pessoas residentes em sua maioria nas regiões em questão.>
"Começamos a cruzada para libertar o Brasil do mal chamado coentro" - publicou em seu Facebook em julho de 2017. Qualquer semelhança com o discurso neoliberalista não é mera coincidência. >
LIBERA O COENTRO>
Agora me diz, quem é capaz de odiar com tanta força uma erva aromática? E por que logo ela, que representa com tanta evidência a cultura nordestina? >
É mesmo sobre o coentro que estamos falando? Me parece claro que não. O coentro é apenas o detalhe decorativo no topo do prato de moqueca.>
Nenhuma novidade lhes trago a respeito do etnocentrismo, da xenofobia e do racismo estrutural histórico que sempre corroeu as nossas bases sociais.>
TÍTULOS DE NOBREZA NA HORTA>
Quer ver outra cafonice? Adotar os títulos de nobreza das ervas francesas e dizer que o nosso coentro não é uma erva nobre pois não consta em tal rol. Nobre pra quem, gente?>
O povo não sabe nem diferenciar salsa de coentro e vem falar de erva nobre. >
E outra: cheiro verde - aqui na Bahia, pelo menos - é quando a gente tempera um prato com um mói de coentro, salsinha e cebolinha.>
ACULTURAÇÃO NÃO>
Quando um restaurante nordestino no Sul ou Sudeste tem que trocar o coentro da moqueca pela salsa para agradar ao cliente, na minha cabeça ele está sofrendo abuso de dominação e aculturação. >
Se quiser comer da minha comida nordestina vai ser com coentro. >
Beijo! >
Katia Najara é cozinheira livre, consultora e gestora executiva em projetos gastronômicos @katia_najara>