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A última poca zói do pacote antes do apocalipse

E quando digo que o pacote de biscoito foi a conta certa, estou querendo dizer que por hora eu esvaziei de assunto. Ô, se até a Amazônia secou...

  • Foto do(a) author(a) Kátia Najara
  • Kátia Najara

Publicado em 26 de novembro de 2023 às 12:00

null Crédito: Acervo peessoal

Essa é a minha última coluna do ano. A última raspa no tacho de assuntos, a última coca-cola já sem gás, a última bolacha do pacote. Foi a conta certa para encerrar o ano antes de cair na besteira de pirar. Paro antes.

Nada de Natal na cozinha, nada de trabalhar até o último minuto, durante e depois da queima de fogos; nada de engatar confraternizações, Natal e Reveillon para fazer aquela "melhor grana do ano". Para mim nunca é a melhor grana do ano, porque a melhor grana do ano para mim é aquela que me faz circular, viajar de carro, de barco, de trem, de avião para algum lugar onde haja pessoas afins ansiosas pela minha chegada; pessoas que adoram a minha comida, o meu jeitão, respeitam e confiam de olhos fechados no meu trabalho. De preferência longe do caos, onde seja possível mirar o céu, e intercalar o trabalho com um mergulho aqui ou uma surra de cachoeira acolá. Trabalhar para viver e não o contrário.

Eu consegui fazer isso pela primeira vez na vida, justo nesse ano “desinfeliz” - como dizem as minhas mais velhas da roça. Mesmo tendo que me consolar de alguma culpa (injusta) por ter ganhado dinheiro na pandemia e ter alcançado a almejada temperança entre o viver e o trabalhar, entre guerras e toda sorte de devastações apocalípticas, veja que ironia.

Não, obrigada. Não tenho corpo e nem interesse na “melhor grana do ano”, e as únicas coisas que ainda pretendo fazer em dezembro é aniversário, viajar com Bento, e peru pra mainha.

E quando digo que o pacote de biscoito foi a conta certa, estou querendo dizer que por hora eu esvaziei de assunto. Ô, se até a Amazônia secou...

Quando estava na Escola de Belas Artes me lembro do quanto me surpreendi quando numa aula de História da Arte, a doutora Alejandra Hernández Munõz falou sobre “crise da Arte”.

Como assim - eu pensei. Então a criação artística não seria uma fonte inesgotável? Não, não seria. Tudo já havia sido feito. Desde a quebra da linha pelos impressionistas e soltura de todos os malucos iconoclastas - expressionistas, cubistas, surrealistas, dadaístas, experimentalistas, fauvistas, abstracionistas e tantos outros - tudo já havia sido feito, experimentado. Latrinas, excrementos, pinturas a sangue; sexualização de imagens sacras, land art, body art, metalinguagem, espetacularização, hiper-realismo, hibridismo, intermídias. E agora, José? Faz o quê?

E se até a Arte tem crise criativa, o que dizer da Gastronomia? Diga aí. A Gastronomia foi devassada pela fome da superexposição para fins de grana e vaidade. Ninguém aguenta mais tanta receita, tanta dica, tanta idéia gênia, tanto pulo do gato, tanto programa, tanto livro, tanto conhecimento, tanta coluna, tanto parecer, tanta bobagem, tanta banalização, tanto veneno, tanta trapaça, tanta corrupção, tanta fome, tanta tentativa de reinvenção pra morrer na praia. E o que é realmente relevante acaba se perdendo entre reels e mais reels de blogueiras da hora.

Tá tudo aí. Dizer mais o quê? Beleza, ainda tem a subjetividade do olhar, mas às vezes falta saco e tesão mesmo, e tudo o que se deseja é silenciar.

E viva as crises que alimentam o silêncio!

Linda Bezerra, minha amada editora, se faltam caracteres à lauda, não repare, é porque eu acabei de comer a última bolacha do pacote.

Até janeiro, se o mundo não acabar!

Amor,

K.