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Ganhamos o Oscar. E agora?

O cinema brasileiro produz cerca de 500 longas por ano, mas poucas pessoas assistem a essas produções. Salvos raros e ocasionais sucessos, a produção brasileira não alcança nem 3% dos ingressos vendidos nas salas de exibição

Publicado em 8 de março de 2025 às 05:00

Certa vez, eu fui jurado da seção de filmes argentinos no BAFICI, principal festival de cinema da Argentina. Em particular, não era um ano dos mais inspirados do cinema argentino que, como qualquer cinematografia, possui filmes bons e ruins. A bem da verdade, eu tive azar e fui submetido a uma quantidade grande de curtas e longas sofríveis.

Na saída de uma dessas sessões intermináveis, eu olhei para o meu companheiro de júri, que era argentino. Estávamos em sintonia, tínhamos opiniões parecidas e nós dois demos de ombros dada a exaustão daquela experiência. Ele me ofereceu um cigarro. Eu, que nunca fumei, quase aceitei. Logo em seguida, o hermano me disse “Pelo menos a Argentina já ganhou um Oscar”.

Sim, a Argentina possui dois Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e isso fez com que o cinema deles ganhasse uma marca de qualidade que parecia nos faltar. Por pior que seja a safra do cinema argentino eles detém esse “selo de qualidade”.

O cinema brasileiro passou a sofrer espécie de bullying (o cinema argentino é melhor!) justamente porque nos faltava a tão sonhada estatueta. Não falta mais!

Na madrugada de 02 para 03 de março de 2025, o Brasil ganhou seu primeiro Oscar, prêmio de Hollywood que calibra os mais variados cinemas do mundo e confere selo de qualidade para o cinema dos países periféricos.

Que a verdade seja dita: Ainda Estou Aqui é um fenômeno, trata-se de uma obra vencedora, e isso independe de ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

O mais importante prêmio do longa de Walter Salles é ter levado mais de cinco milhões de espectadores às salas de cinema, no Brasil. Um filme capaz de impregnar o espectador e fazer chorar graças às atuações cativantes. Com Ainda Estou Aqui, há uma mágica que poucas vezes vi acontecer nas salas de cinema: as platéias não arredam pé até que os créditos finais, sob o som de “É preciso dar um tempo”, na voz de Erasmo Carlos, terminem.

Ainda Estou Aqui fez com que a classe média letrada, que vinha esnobando o cinema como arte e entretenimento, retornasse ao cinema. Um detalhe importante é que Walter Salles e produtores respeitaram a janela entre cinema e streaming, algo que não vinha sendo mais observado. Isso significa que há um tempo para que o filme se desenvolva bem nas salas de projeção antes de ser lançado nos mais variados streamings. Quem ganha com isso? Toda a cadeia produtiva, pois um filme só será forte se as etapas de exibição forem devidamente respeitadas.

Fernanda Torres não ganhou o Oscar por sua atuação cativante, mas a atriz já está amplamente reconhecida. Quem ganhou prêmio de Melhor Atriz foi a jovem Mikey Madison, por Anora. Parece-me um erro, sinceramente. Mas, prêmios refletem o momento, são subjetivos e não deveríamos dar tanta importância a eles. Mikey Madison é talentosa e os ataques proferidos por brasileiros raivosos contra ela é de uma grosseria sem par. Estão atacando Mikey Madison da mesma forma como demoliram o longa Emília Perez. Faltam argumentos, inteligência. Sobra ódio destilado pelas redes sociais.

Anora, o grande vencedor Oscar 2025

Anora (Melhor Filme, Atriz, Direção e Montagem) foi o principal vencedor da noite do Oscar, em 2025. O longa de Sean Baker já havia ganho a Palma de Ouro em Cannes, no ano passado. Ou seja, fez barba, bigode e cabelo em termos de grandes prêmios internacionais.

Sean Baker é o mesmo diretor de Florida Project (2017). Trata-se de um filme impactante que retrata crianças de pais perdidos e viciados, nos Estados Unidos. Florida Project trazia um vazio aterrador em interpretações verdadeiramente inesquecíveis até mesmo por serem crianças as reais protagonistas.

Baker buscou trazer esse vazio para o mundo das strippers. Em Anora, há sexo, dinheiro, carência, drogas e estupidez em profusão. O filme transita entre o trágico e o cômico, mas não alcança um resultado de força dada sua previsibilidade e falta de caminhos possíveis para a protagonista, que acaba ficando em um nível superficial a meu ver. Poucas texturas em um filme um tanto bobinho. Nesse sentido, não me importo com o Oscar: muitos filmes e até mesmo Florida Project estão anos-luz à frente de Anora.

Sobre os demais prêmios do Oscar, a destacar:

O Brutalista ganhou Melhor Ator (Adrian Brody) e Melhor Fotografia. A fotografia do filme é realmente muito boa em um filme de roteiro apelativo e bem decepcionante, no geral;

Flow é uma lindo filme e ganhou Melhor Animação;

Zoe Saldana ganhou Melhor Atriz Coadjuvante, por sua bela atuação no amaldiçoado Emilia Perez, filme que chegou com muita força (13 indicações) mas se perdeu em meio às polêmicas da protagonista.

Relativizando prêmios e críticas

Em 2013, eu estive no Festival de Cannes que é o mais importante festival francês de cinema. Lá, há uma seção dedicada aos clássicos restaurados e naquele ano, entre outras pérolas, eu tive o privilégio de assistir Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958), de Albert Hitchcock. Kim Novak, principal atriz do longa de 1958, aos 83 anos, apresentou o filme e contou, com grande dose de amargura mesmo 55 anos depois, como o filme foi depreciado pela crítica e recebido de forma morna pelo público. Segundo ela, Albert Hitchcock ficou tão frustrado que chegou a prometer que não filmaria mais. Felizmente, a ameaça não se concretizou e ele seria aclamado como um dos mais respeitados diretores de todos os tempos.

Kim Novak entrou em depressão profunda e ficou dez anos sem pisar em um set de filmagens. Ela jamais atuaria em alguma produção tão importante quanto aquela.

Albert Hitchcock jamais ganhou um Oscar por sua direção em seus filmes ou uma Palma de Ouro (Cannes). Nem ele nem muitos outros cineastas de imenso talento e que jamais receberam tais honrarias.

Vertigo, em 2012, foi considerado o melhor filme de todos os tempos em eleição promovida pela revista britânica Sight and Sound. Trata-se de uma eleição com programadores, curadores e críticos de boa parte do mundo.

Há um outro exemplo interessante nesse sentido e nos diz respeito.

Fernanda Montenegro não ganhou o Oscar, em 1999. Ela deixou de ser a grande dama do teatro e cinema brasileiros por isso?

E o que aconteceu com Gwyneth Paltrow, vencedora daquele ano? A jovem atriz não deu sequência notável a sua carreira após tão esperado prêmio.

E aí, Brasil? O que fazer com esse Oscar?

Para começar, elevar a autoestima e parar com essa conversa de que os cinemas de outros países são melhores do que o nosso. Em segundo lugar, compreender que o brasileiro vê pouco do que é produzido no país.

O cinema brasileiro produz cerca de 500 longas por ano, mas poucas pessoas assistem a essas produções. Salvos raros e ocasionais sucessos, a produção brasileira não alcança nem 3% dos ingressos vendidos nas salas de cinema. Não se preocupar com a ocupação do nosso próprio mercado pode levar ao fim da produção nacional. Mais uma vez.

É preciso cuidar da exibição, criar uma política pública voltada para esse setor que é composto majoritariamente por pequenas e médias empresas nacionais.

É preciso que Lula, Jerônimo e Bruno Reis, ao lado de seus ministros e secretários, sejam vistos entrando em salas de cinema para apreciar estréias brasileiras. É preciso mostrar à população a importância de assistirmos aos filmes nacionais. Cinema é arte e diversão, mas também indústria, emprego e renda.

Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, trouxe a estatueta para casa. Todos nós temos a obrigação de cuidar desse marco, fazer com que o cinema brasileiro cresça cada vez mais e nos deixe ainda mais orgulhosos de nossas criações artísticas.

Que o Oscar sirva para criar uma onda favorável de valorização do cinema nacional.

Cláudio Marques é exibidor e cineasta