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O desconhecido como ferramenta do atraso

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  • Foto do(a) author(a) Gabriel Galo
  • Gabriel Galo

Publicado em 20 de abril de 2020 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

É inerente ao ser humano. Enfrentar algo desconhecido provoca desconforto. Automaticamente, então, ativamos os instintos mais básicos de sobrevivência. Por isso estocamos alimentos e outros produtos, por exemplo. Mas, primitivamente falando, perdemos, diante do caos pelo desconhecido, a capacidade de pensarmos com clareza. A necessidade de continuar existindo leva a medidas extremas, especialmente diante de ameaças a aspectos básicos de segurança.

Uma pandemia, por óbvio, tem em si esta capacidade de provocar altercações. Quando confrontada, então, com a hierarquia básica de necessidades, apresentada num modelo simplificado na pirâmide de Maslow, vê-se seu risco. Os dois níveis mais fundamentais são diretamente atacados: a segurança, seja do corpo, da família ou da propriedade; e o da fisiologia, que engloba alimentação, abrigo, sono.

Uma vez em perigo estes itens, apelamos às soluções simples, elegantes e erradas de que falava Mencken para problemas complexos. Afinal, diante da escuridão plena, toda ação é plausível, e todo simulacro opinioso ganha contornos pseudo científicos.

O remédio para isso contempla duas vertentes amplamente conhecidas e debatidas. Uma delas formalizado desde as origens do Estado, estudado a fundo na filosofia política: se entregamos parte da nossa liberdade a um governo central em troca de segurança e identidade de grupo, é dever desta mesma entidade socorrer a população em tempos de crise.

Outra vertente é aquela justamente põe luz à escuridão: informação. Ter precisão sobre a amplitude do problema ajuda que se compreenda a extensão do medo, para que se agregue um pouco de racionalidade ao momento.

Mas optou o governo ora estabelecido pelo breu da ignorância induzida, da desinformação sistemática. Quando não se aplicam testes em massa, quando se adia até o ponto da insustentabilidade o socorro financeiro aos mais desprovidos, quando se inventam curas milagrosas sem qualquer lastro científico, quando se faz necessário estimar multiplicadores de mortes efetivas, amparadas em dados que externam o massacre da estatística, conforme evidenciou a Fiocruz, está em jogo um embaralhamento da realidade para que se crie confusão.

Consequentemente, alimenta-se o monstro da irracionalidade, que apela a artimanhas escusas para regressar a um lugar que se conhece, independentemente de sua monstruosidade, porque, afinal, o conforto do conhecimento, mesmo que irreal, é atraente demais perante a as incertezas do que virá.

Ao se atacar as instituições de equilíbrio de poder e virar a mira contra a imprensa, grita-se no inconsciente adormecido do Sebastianismo que nunca nos deixou a necessidade do surgimento do herói que salvará a todos com pulse firme e fé.

Neste cenário, subir num carro para enaltecer manifestações de autoritarismo é trabalhar a construção de imagem do Sebastião redivivo, pavimentando o caminho da destituição democrática como alternativa em meio ao caos, enquanto, nos bastidores, se suprime o esclarecimento que evita arroubos deste porte. E assim se fomenta o descalabro a partir do desespero, atribuindo a um certo e fantasiosamente legítimo apelo popular, o golpe final de intenções obscurantistas.

A hora, portanto, é de defesa irredutível da informação, da preservação da liberdade de imprensa e do respeito à ciência. Manter a fluidez de comunicação é o primeiro passo para que se faça senso do instante de tormenta pelo qual passamos. E, pela fresta de claridade que se faça, separe-se o joio do trigo e assim deem-se conta os tais-que-podem do ataque inegável à democracia que assola nosso país rumo ao abismo.

Gabriel Galo é escritor