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Flavia Azevedo
Publicado em 6 de fevereiro de 2025 às 13:39
Em 12 de dezembro de 2017 (portanto, há pouco mais de SETE ANOS), fiz um post no Facebook com o seguinte título: “A Igreja de São Francisco parece estar abandonada”. Nele, eu comentava uma visita que havia feito na véspera: “nada me chamou mais a atenção do que o desleixo aviltante com o qual é tratado aquele patrimônio”. Também relatei que “há fendas no mármore de sepulturas (aquelas sobre as quais andamos) e, numa delas, o aviso ‘Perigo. Não pise’”. >
Continuei dizendo que “móveis incríveis (estão) amarrados com cordas como se fossem cadeiras plásticas”. Por fim, chamei a atenção para “o risco evidente que correm os visitantes e o patrimônio de valor incalculável que está ali”. Ora, se há SETE ANOS, eu – que não sou arquiteta, engenheira nem mestra de obras – percebi o perigo, é evidente que muita gente passou bastante tempo ciente e assumindo a possibilidade da tragédia que aconteceu ontem (5), em Salvador. >
Então, por óbvio, o desabamento do teto da nossa lendária “igreja de ouro” não foi um acidente, mas um crime. E também – para os que creem - um pecado, por omissão. Agora, precisamos indenizar os feridos e a família da vítima fatal. Além disso, restaurar aquela que é uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e faz parte do nosso Centro Histórico. Este, Patrimônio da Humanidade. Porém, tão importante quanto todas essas medidas, é investigar, processar, julgar e punir os culpados.>
Quem destruiu uma das maiores joias da arquitetura mundial? Quem feriu aquelas pessoas que estavam, convidadas por nós, visitando a igreja? Principalmente, quem matou Giulia Panchoni Righetto, de forma brutal, na nave da nossa Igreja de Ouro, no coração do Centro Histórico de Salvador? Como você pode supor ou leu na imprensa, o “jogo de empurra” já está a todo vapor. >
Pesquisei durante horas, conversei com algumas pessoas, mas sempre há aquela bruma propositalmente colocada entre nós e as siglas. A mesma que também nos separa de certas instituições, justamente para que, em momentos como este, a verdade não seja facilmente acessada. De forma que qualquer coisa que eu diga, será rebatida com um “não é nossa competência” ou “fizemos a nossa parte”. Esperado, óbvio, claro.>
“É tudo muito tênue e delicado”, me respondeu um amigo que entende de Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia), quando perguntei “quem não cumpriu a obrigação de tomar conta da igreja?”. No fim de uma conversa cheia de esquinas, ele acabou me dizendo que é uma responsabilidade dividida entre os dois institutos e a Ordem Primeira de São Francisco. Acho que faz sentido.>
Li as competências dos institutos e, pra mim, eles só se diferem em hierarquia e abrangência. Então, faço perguntas: se o Iphan (ligado ao Governo Federal pelo Ministério da Cultura) tem, entre suas obrigações, a de “promover a conservação, recuperação e salvaguarda dos bens culturais”, o IPAC (ligado à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia) não compartilha a mesma obrigação? Porque lá, na lista de atribuições, está escrito “proteger bens culturais tangíveis e intangíveis”. Não é a mesma coisa dita com outras palavras?>
Ou seja, será que Iphan e IPAC podem deixar essa conta inteira na mesa da Ordem Primeira de São Francisco? Por outro lado, uma instituição milionária como a Igreja Católica, precisa esperar ações do poder público para cuidar da segurança de suas construções? De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o diretor da igreja pediu que uma visita técnica fosse feita para analisar a situação e fazer encaminhamentos. Ainda de acordo com a Folha, o Iphan não respondeu. Diante disso, a Ordem Primeira de São Francisco não poderia ter, minimamente, mantido a igreja fechada? >
A mesma Igreja Católica que apita sobre todas as questões do planeta não conseguiu pegar um cadeado e passar na porta da igreja, até que fosse feita a tal visita técnica? Continuou cobrando R$10 e permitindo visitas turísticas? Nenhum padre, nenhum frade se preocupou em procurar o Bispo ou o Papa? A Igreja e o Convento de São Francisco de Assis de Salvador estão ligados à Arquidiocese de São Salvador da Bahia. Ninguém teve a ideia de buscar soluções dentro da própria hierarquia? >
Sempre acho impressionante como poderosos negam seus próprios poderes, quando são chamados a determinadas responsabilidades. É o caso. Nessas horas, instituições se amofinam e se apresentam menores do que são, de fato. Pessoas físicas, por sua vez, fazem caras de paisagem. Vivemos uma tragédia completamente evitável. Quem não fez o que deveria ser feito? Quem são as instituições e pessoas responsáveis? Finalmente, quais são os nomes? Quem são os culpados? >