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Flavia Azevedo
Publicado em 6 de fevereiro de 2025 às 18:02
Flavia Azevedo – Você se sentia seguro para levar turistas em visita à Igreja de São Francisco?>
Guia de Turismo - Eu tenho uma relação muito próxima com o Edson, que é zelador da igreja há muitos anos. Então, as visitas técnicas do Iphan, no ano passado, para a elaboração da ordem de serviço e o processo de planejamento e restauro, faziam a gente ter uma segurança, entendeu? Porque mesmo que a gente saiba que a igreja foi restaurada há bastante tempo, que o novo restauro era urgente, ali estava presente a competência das pessoas que têm a competência.>
F – Por que os religiosos que moram no convento anexo à igreja não tomaram atitudes mais firmes em relação à situação da construção?>
GT - Os franciscanos não têm competência para fazer uma avaliação técnica da possibilidade de um desabamento. O Frei Pedro, na segunda-feira (3), falou sobre a dilatação de teto. Ora, a gente supõe que arquitetos, pessoas especializadas em restauro, acostumadas com essas construções do século XVIII, com técnica de madeira e tal, conheçam, né? Então, a gente achou - eu e alguns colegas - que tava tudo sob controle.>
F – A igreja diz que não tem recursos para fazer reparos importantes na estrutura. Não há uma arrecadação de dinheiro ali?>
GT – Isso é uma coisa que é preciso esclarecer e eu espero que isso tenha mais transparência. As visitas funcionam em horários, é como se fosse uma visita a museu. Hoje só são quatro ou cinco frades que moram no convento, um convento imenso. Então a manutenção do convento tem que ser feita com esse dinheiro. Então você tem toda a equipe de pessoal que trabalha no momento das visitas, segurança, limpeza, limpeza da igreja, limpeza do claustro, enfim. Há uma equipe de administração desses fundos que entram, mas a hierarquia superior da ordem franciscana eu não tenho conhecimento. É uma coisa completamente à parte.>
F – Em relação ao resto do conjunto arquitetônico do centro histórico, você se sente seguro para continuar trabalhando?>
GT - A entrevista do superintendente do Iphan, ontem, na frente da igreja, me deixou pasmo. Como eu te falei, a gente não tinha nada pra desconfiar que realmente aquele teto ia desabar. Houve a presença dos técnicos durante o ano passado inteiro. A fala dele, agora, nos leva a pensar que o teto de qualquer igreja daquelas, com exceção da Catedral - onde foi feito um restauro muito importante - e da Misericórdia, pode cair nas nossas cabeças.>
F – Que outras edificações lhe preocupam, como guia de turismo, neste momento?>
GT - Tem o antigo convento dos Carmelitas Descalços e o Museu de Arte Sacra fechados. Um patrimônio muito importante, né? Mas está fechado. Você vê que ali chegou ao ponto de se detectar ameaças mesmo. Enfim, fiquei preocupado com a igreja do Rosário dos Pretos, que hoje é super frequentada. Tem a missa às terças-feiras, que é uma missa com tambores, lotada. No verão, principalmente. Então, queremos, agora, ter realmente uma segurança, um laudo técnico do órgão competente ou dos órgãos competentes. Tem o Iphan, tem o IPAC.>
F – Além da formação em áreas afins, é necessária uma competência técnica específica para avaliar, emitir laudos, enfim, trabalhar com esse conjunto arquitetônico com as características que temos aqui? Se sim, você acha que temos esses especialistas nos lugares certos?>
GT - Eu não tenho conhecimento de causa para afirmar, mas a gente tem visto que temos cargos distribuídos com esse esquema de cargos de confiança. Temos também os concursos por Reda. Aí, de fato, a gente pode supor que não sejam os técnicos com preparo e com conhecimento para assumir a responsabilidade e, realmente intervir num patrimônio tão importante quanto esse.>
F – Quais são as particularidades do nosso conjunto arquitetônico?>
GT – A técnica de decoração e arte religiosa das igrejas aqui no período colonial e pós-colonial - porque depois a gente tem também a continuidade do estilo neoclássico - são todas igrejas feitas com esculturas de madeira, tetos de madeira, forros de madeira. Ontem a gente viu que um forro desse é capaz de matar uma pessoa. Então, a gente tem que ter a segurança dos órgãos competentes, a gente tem que agora partir para esse tipo de discussão. A gente tem que ter total certeza de que essa equipe técnica responsável tem competência. Não só com o apoio técnico e diagnósticos, mas também fiscalização. Temos atividade de turismo, comércio, pessoas que vivem ali.>
F – Madeira também é um material que pega fogo com facilidade, né?>
GT – Olha, talvez uns três anos antes da pandemia, eu estava com um casal de turistas em Cachoeira. A igreja da Ordem Terceira às vezes, à tarde, ela fecha e a gente fica com dificuldade de encontrar o rapaz com a chave para abri-la. Chamamos, o rapaz chegou, abriu a igreja. Quando entramos, o rapaz começou a acender as luzes. A Ordem Terceira é também uma gruta de ouro, como São Francisco. É essa coisa do simulacro no barroco, sendo que já é um estilo que chamamos Dom João V, um tipo de rococó. E ela é toda coberta de esculturas de madeira, nos altares, no teto, enfim. Quando ele foi acender as luzes, teve um curto-circuito e começou a pegar fogo nessas galerias que ficam em cima, que eram destinadas à nobreza, às classes mais ricas. Para você ter uma ideia, a escada utilizada foi uma escada dessas de pedreiro antigamente. Aquelas escadas de pau improvisadas. Foi assim que meu colega subiu, o zelador trouxe o extintor e ele apagou o fogo. O fogo queima madeira muito rápido.>
F – Mais alguma coisa que você queira dizer?>
GT – Sim, que a gente tem que entender agora, depois do que aconteceu, que nós estamos lidando com muita sorte, entendeu? Nós estamos tendo sorte, porque esse patrimônio está ao Deus dará. >