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Flavia Azevedo
Publicado em 21 de março de 2025 às 08:00
O contraditório é sempre saudável, mas, sobre esta conversa, vou lhe dar uma dica: se você não é mãe e/ou vive (ou já viveu) um processo judicial – envolvendo guarda e pensão de filhos - em uma Vara de Família, no Brasil, não diga nada. Isso porque, qualquer coisa que você fale ou escreva, lhe expõe a certo ridículo, pela falta de noção da realidade, por nunca ter sentido na pele (e na saúde mental) o que se passa nesse ambiente. Dito isto, vamos aos fatos. >
No episódio de hoje, comemoramos a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, na data 18/03/2025, autorizou a quebra do sigilo fiscal de “alimentante” (vulgo “pai”, na maioria dos casos) para o cálculo de JUSTA pensão alimentícia de filho. É claro que muitas advogadas já pedem – e até conseguem – isso. Também é óbvio que juízes de primeiro grau não são obrigados a seguir o entendimento do STJ. Então, por que essa decisão é tão importante para todas nós? O que muda no processos judiciais? Como solicitar as informações que você precisa? Senta aí e segue o fio.>
Quando li a notícia pensei “o deboche, o fricote e a palhaçada estão perto de acabar”, para, em seguida, ligar o som e sambar gostoso, enquanto Beth Carvalho cantava “Vou festejar”. Eu sei que a música fala da vingança pela traição sexual/amorosa, na vigência de uma relação monogâmica e acho até um luxo sofrer apenas por isso. Na vida real, mulheres adultas sofrem mesmo é por causa das traições que chegam depois do fim de relações que geraram filhos. Então, conseguir que a justiça seja feita é toda a “vingança” necessária. Só que, dificilmente, chegamos lá.>
Entre essas traições (no dicionário Aurélio, a palavra traição significa “o ato de trair alguém, a infidelidade, a perda completa da lealdade que resulta de uma ação traiçoeira”), está a mais clássica e dolorosa: fingir pobreza pra não pagar pensão ou pagar o mínimo possível, enganando o judiciário, negligenciando filhos e precarizando nossas vidas financeiras. Aí, muitas vezes, a mãe das crianças sabe que ele tem dinheiro, mas não consegue provar. Principalmente se o patife não tem emprego fixo, o que é cada vez mais comum. A mulher, então, o que faz? >
Passa raiva, perde o sono e trabalha feito uma condenada a serviços forçados pra dar conta sozinha – ou com participação insuficiente do pai - dos filhos que foram feitos pelo casal. Some isso ao fato de que a mãe solo tem, durante muitos anos, a capacidade produtiva diminuída (justamente por ser a única ou principal cuidadora da prole) e veja se eu não tenho razão de sambar muito comemorando a decisão do STJ. >
Porque resolver, de uma hora pra outra, não resolve. Mas ajuda bastante. Na prática, a resolução da instância superior “inspira” decisões de juízes de primeira instância (tipo aquele que julga seu processo) e dá mais credibilidade aos pedidos de quebra de sigilo que nossas advogadas fazem. Minha conhecida que, durante uma audiência, IMPLOROU pela quebra de sigilo fiscal – dela e do genitor do filho – deve estar feliz pra caramba. Porque, na hora, o juiz negou e os outros homens na sala (a “outra parte” e o advogado da “outra parte”) quase riram da cara dela. Porém, agora, devem estar revendo a posição. >
MODO DE FAZER PRA VOCÊ FICAR ESPERTA: liguei para uma amiga que é especialista em Direito de Família e ela disse que, para ter certeza do poder aquisitivo da outra parte, nossas advogadas têm que pedir a quebra do sigilo BANCÁRIO e FISCAL, porque o “bancário fica restrito às transações bancárias, mas o fiscal envolve o IR (Imposto de Renda)”. Mas o alecrim ainda pode ser um sonegador, né? Pode sim! Por isso que ela continuou: “eu peço quebra também de sigilo de vários sistemas, como aquele que detalha as transações no cartão de crédito, mas não é só. Pedimos expedição de ofício ao DETRAN (para levantar registros de automóveis dos últimos anos), SUSEP (investimentos, previdências), etc. Tudo isso é importante para levantar o patrimônio da criatura”. >
“Ah, mas ele já paga um salário mínimo, tá tudo bem”, você pode estar pensando com sua cara de mamãe-sacode. Aí, depende de muita coisa. Apesar do nome, a “pensão alimentícia” não é só pra fazer supermercado. Esqueça isso. Mais ainda, não serve apenas para garantir direitos básicos de crianças e adolescentes, justamente pelo conceito de PROPORCIONALIDADE. Observe que se o genitor ganha um salário mínimo, pagar esse valor como pensão não será razoável porque é tudo que ele tem. Porém, se ele fatura alto – e a quebra de sigilo fiscal vai provar - é preciso que o valor oferecido à prole seja proporcional e aí, o valor de um salário mínimo pode parecer até piada. Então, precisamos saber a VERDADE para que haja justiça nas sentenças dos juízes. E pessoas mentem, sinto informar. Por isso, se queremos ser justos, é necessário investigar.>
(PARÁGRAFO EXCLUSIVO PARA HOMENS QUE JÁ ESTÃO PRONTOS PARA ME ATACAR: o compromisso de colaborar para manter a qualidade da vida da prole “equivalente” ao que seria, caso pai e mãe ainda fossem um casal, é de AMBOS: pai e mãe. Acontece que, na imensa maioria das vezes, as mães disponibilizam TUDO que ganham, inclusive porque moram com os filhos e não conseguimos separar os gastos. Do outro lado, genitores calculam o que, se, como e quando querem pagar. Exigir a transparência dos dados (dos dois lados, acho justo!) só vira problema se alguém estiver mentindo. Mentir é que é violência e não esclarecer os fatos. Ter acesso às verdades que interferem em nossas vidas, é um direito de todas as pessoas. Não vamos inverter a lógica, por gentileza. Tenhamos dignidade. Inclusive porque pais e mães são exemplos e as crianças estão sempre na sala, prontas para observar.) >
Agora, um bônus! Abaixo, uma listinha de órgãos dos quais podemos pedir quebra de sigilo e o modo como devem estar escritos esses pedidos. Aí, você pode repassar - um por um - com sua advogada, pra não deixar nada de fora. Isso porque não é só pedir “quebra de sigilo fiscal e bancário” . O negócio é bem detalhado, do seguinte modo: >
- Expedição de ofício à Receita Federal, via sistema INFOJUD, para que sejam enviadas as três últimas declarações de bens e rendimentos do Réu dos últimos três anos(começando de DIGA O ANO), incluindo, se existentes, as declarações retificadoras, bem como seja enviada a DECRED (Declaração de Operações com Cartão de Crédito), declarando os montantes/movimentos, especificados por titular de cartão de crédito, a E-FINANCEIRA (antiga DIMOF) dos últimos 3 anos (ESPECIFIQUE OS ANOS) do Réu Alimentante;>
- Expedição de ofício ao Banco Central, via sistema SISBAJUD, para que sejam informadas as contas bancárias, aplicações financeiras, previdenciárias, seguros e qualquer outro investimento mantido pelo Réu, com o envio dos extratos respectivos, dos últimos 3 anos (ESPECIFIQUE OS ANOS) do Réu Alimentante, seguindo-se de expedição de ofícios às instituições que apresentarem resposta para que enviem os extratos de cartão de crédito do Requerido referentes ao mesmo período;>
- Expedição de ofício ao DETRAN, via sistema RENAJUD, para que sejam informados eventuais veículos registrados ou alienados em nome do Réu de ESCREVA A DATA DA CELEBRAÇÃO DO ACORDO ANTERIOR até a data da informação; >
- Expedição de ofício aos sistemas SREI e CNIB, para busca de eventuais bens imóveis registrados em nome do Requerido e ao DIMOB (Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias) nos últimos 20 anos;>
-Expedição de ofício a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), para que também seja feito levantamento sobre possíveis investimentos, seguros ou previdências titularizados pelo Demandado no período de ESPECIFIQUE A DATA DE INÍCIO à data da efetiva informação;>
- Expedição de ofício a CENSEC, para consulta de Testamentos, Procurações e Escrituras públicas de qualquer natureza dos últimos três anos.>
Para finalizar: se o “presente de deus” tiver CNPJ (MEI, por exemplo) é possível pedir que sejam apresentadas as declarações de IR (Imposto de Renda) da pessoa jurídica dele também. Isso porque, conforme sabemos, muitos deles fazem tudo pela pessoa jurídica, justamente pra disfarçar. Iôtra: em todas as solicitações, é importante pedir a quebra de sigilo de período anterior ao ajuizamento da ação. O cuidado se justifica porque sabemos que, quando são citados ou entram com ação, eles procuram escamotear as informações, transferindo dinheiros e bens pra mãe, pai, vizinho, amigos... desde que seja pra esconder dinheiro da mãe dos filhos, pra eles, tá valendo. >
(Tá linda, plena e bem informada? Então, ótimo. Agora, recobre as forças e procure a advogada pra agilizar seu caso.)>