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Flavia Azevedo
Publicado em 1 de abril de 2025 às 18:02
Se uma mulher denuncia um crime sexual, eu acredito nela até que se prove o contrário. Mas eu sou mulher, estudo o assunto e sei que – na maioria das vezes - a denúncia vai se confirmar. Também sei que essa violência acontece em muitas situações que jamais foram ou serão denunciadas. Mais do que isso, sigo afirmando que não conheço NENHUMA MULHER que nunca tenha sido, pelo menos, assediada por homens. Por fim, a expressão facial do acusado me deu vontade de vomitar. >
Mas essa sou eu e, claro, você não precisa concordar. Esse “preâmbulo”, inclusive, serve apenas pra me posicionar porque, neste texto, não vem ao caso. O assunto aqui é a postura de James Martins, entrevistador da Rádio Metrópole, durante o programa ao vivo em que uma ouvinte denunciou ter sido estuprada pelo entrevistado, o jornalista Silvio Batalha. Sem ataques a James, com toda a civilidade, vamos apenas pensar, juntos, sobre esse caso?>
Em minha opinião, James JAMAIS deveria cortar (ou concordar com o corte) a fala da ouvinte. Pelo contrário, passaria a entrevista-la, perguntando detalhes, pedindo que ela deixasse o contato com a produção, caso desejasse. Antes de encerrar, ofereceria o mesmo tempo de entrevista, sobre o assunto, para o acusado. Em seguida, faria uma despedida dizendo que a situação “ficou insustentável”. Aí, pegaria a gravação do programa e entregaria às autoridades para que o caso fosse apurado. Essa é toda a “isenção” possível para alguém que media uma situação pública dessa natureza e prefere não escolher um lado. Que foi o que ele quis fazer e é um direito, claro!>
Porém, a frase “eu realmente não sei do que se trata”, dita pelo entrevistador, passa do limite da “isenção” porque é quase um “não tenho nada com isso” e, naquela situação, “ter alguma coisa com isso”, não era opcional. Ninguém pode escolher não se envolver numa cena da qual faz parte, justamente porque já está lá. Dito isto, a postura que James adotou faz dele um aliado voluntário e consciente do acusado? Sinceramente, não acho. Pra mim, apenas faltou presença de espírito, o que também – em muitos momentos - pode ser grave.>
Veja que, ali, alguém cometeu um crime, inevitavelmente. Não há uma terceira possibilidade. A mulher cometeu calúnia (atribuir falsamente a alguém a prática de um crime, é crime previsto no artigo 138 do Código Penal) OU o entrevistado é um pedófilo estuprador perigoso que precisa estar atrás das grades. No meio dessa cena, um profissional com o microfone nas mãos e todo o aparato técnico para gravar – com a autorização das duas partes – provas utilíssimas para a sociedade. Como é que alguém perde essa oportunidade?>
“Porque ele foi pego de surpresa”, é o raciocínio mais fácil. Mas observe que um bombeiro, em serviço, não pode dizer que foi “pego de surpresa” por um incêndio. Nem um médico pode afirmar que “ficou em choque” diante do infarto de um paciente, durante um plantão. Muito menos um policial poderia justificar uma falha alegando que “foi surpreendido” por um assaltante, durante a ronda pela cidade. Ou seja, profissionais precisam estar preparados para as intercorrências naturais de suas profissões. >
Isso quer dizer que pessoas que trabalham com transmissões ao vivo têm a obrigação de saber lidar com falas imprevistas, inclusive as mais delicadas. No caso da denúncia, não era necessário que James soubesse “do que se trata”, se emocionasse ou passasse a discorrer sobre os números da violência contra a mulher, ele sequer precisava se manifestar como aliado da denunciante. Seria suficiente que escutasse sem cortes e de forma organizada - tanto a acusação quanto a defesa – e depois encaminhasse. Isso já seria ótimo e as críticas, que agora ele sofre, sequer teriam espaço. Sim, as profissões têm seus desafios. Amplificar vozes traz conteúdos – e consequências - imprevisíveis. Para lidar com isso, presença de espírito é qualidade indispensável. >