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Novo áudio de advogado baiano é a maior prova de que ele abusava da "namorida"

Entenda como funciona o “controle coercitivo”, essa estratégia tão comum que homens usam para dominar mulheres e é a “alma” da violência doméstica

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 24 de abril de 2025 às 12:46

Natural de Salvador, João Neto atua como advogado em Alagoas
João Neto atuava como advogado em Alagoas Crédito: Reprodução

Por @flaviaazevedoalmeida

No episódio de hoje, vamos analisar as palavras ditas, à companheira, por João Neto, o advogado e influencer baiano que está preso por bater na “namorida” (ele a chamava assim). No áudio – que passou a circular ontem, nas redes sociais e imprensa – o “doutor” nos oferece um grande exemplo de “controle coercitivo”, essa estratégia tão comum (e, às vezes, sutil) que homens usam para dominar mulheres e é a “alma” da violência doméstica.

Veja, é no “controle coercitivo” que tudo começa. Todo feminicídio nasce aí, inclusive. Esse é o tal “primeiro estágio”, o “solo”, o ambiente que é estabelecido a partir de um ato (ou um padrão de atos) de agressão, ameaças, humilhação, intimidação ou outro abuso usado para prejudicar, punir ou assustar a vítima. Esse comportamento acaba por tornar a mulher dependente e com o comportamento regulado pelo agressor. Ou seja, presa facílima.

Especialistas como Evan Stark compararam o “controle coercitivo” a ser feito refém. Nenhum exagero, já que a vítima se torna cativa em uma realidade paralela criada pelo agressor, aprisionada em um mundo de confusão, contradição e medo. Dito assim, parece distante? Eu sei, mas não é. Veja se esses componentes que aparecem no áudio do tal “doutor” – e fazem parte da violência - podem estar passando despercebidos por sua vida.

Na primeira parte do áudio, ele grita assim para a “namorida”: “Não se preocupe, não. Se você quer andar como solteira, certo? Indo para o lava a jato com roupa de academia onde tem um monte de homem. Eu não estou lhe chamando de put4, eu estou dizendo que os seus comportamentos estão de put4. Certo? Agora, se a carapuça lhe coube é porque realmente está recaindo sobre você”. Que elementos já podemos identificar aí?

1. Humilhação e degradação: rotular os comportamentos da vítima como “de put4” é uma tentativa de humilhação de degradação. Isso faz parte da definição de “controle coercitivo” como uma violência que envolve o uso de palavras para humilhar a vítima;

2. Culpar a vítima e transferir a responsabilidade: a frase "se a carapuça lhe coube é porque realmente está recaindo sobre você" transfere a culpa para a vítima. Ou seja, o “doutor” sugere que a reação da vítima confirma o rótulo negativo. Esta é uma tática comum no “controle coercitivo”;

3. Criar um padrão duplo e exercer poder: o “doutor” estabelece um padrão de como uma pessoa "solteira" (que ela não é) tem a "permissão" de se comportar, visando desqualificar as escolhas da “namorida”. A implicação é que o “doutor” tem autoridade para definir e julgar o comportamento da vítima. A necessidade afirmar o poder é um aspecto fundamental do “controle coercitivo”;

4. Intimidação por meio de rotulação e julgamento: o uso de um rótulo altamente estigmatizante como "put4", mesmo ao afirmar que não está chamando a pessoa diretamente assim, serve para intimidar a vítima e controlar seu comportamento por medo de julgamento público.

De volta ao áudio, em seguida, o advogado expulsa a companheira de casa, dizendo: “faz o seguinte, pegue suas coisas e vá para casa de sua mãe. Certo? Porque eu não estou aqui para minha mulher estar andando com a saia, com a venda, com a fenda, certo?”. O que isso quer dizer?

1. Controle sobre roupas e aparência: o agressor afirma explicitamente o que considera inaceitável para a mulher ("saia com a fenda"). Decidir sobre o que alguém pode vestir e comprar roupas que alguém “tem que” usar é um comportamento que faz parte do “controle coercitivo”;

2. Controle sobre movimento e localização: o “doutor” ordena que a “namorida” saia da casa que compartilham e vá para a casa da mãe ("pegue suas coisas e vá para casa de sua mãe"). Ditar para onde a parceira deve ir demonstra desejo de controle sobre vida e movimentos da vítima, o que também faz parte do “controle coercitivo”;

3. Afirmação de poder e autoridade: o tom do agressor e o uso de "eu não estou aqui para minha mulher estar andando..." repetem a dinâmica de poder em que o “doutor” acredita ter o direito de ditar o comportamento e a aparência da parceira;

4. Humilhação e degradação (implícitas): a desaprovação da vestimenta e a insinuação de que tal traje é inapropriado para “sua mulher" reforçam um senso de julgamento e potencial humilhação, outra vez por meio da vergonha.

Na última parte do áudio, João Neto dá o “veredito”: “agora, se você quer andar como uma put4, anda, minha filha. Agora ande sozinha. Ande sozinha. Você pega suas coisas, vai para casa de sua mãe. Você anda até nua, porra. Você anda até nua porque você não tem compromisso com ninguém”.

1. Humilhação e degradação: o menosprezo repetido (inclusive nas partes anteriores) e a linguagem vulgar ("porra") contribui ainda mais para o caráter degradante do áudio;

2. Tentativa de controlar o comportamento e a aparência: embora o advogado inicialmente pareça conceder permissão ("anda, minha filha", "Você anda até nua"), isso é imediatamente seguido por “ordens”. A declaração "Você pega suas coisas, vai para a casa de sua mãe" é mais um comando direto que visa controlar a localização da vítima. Conforme já vimos, outro exemplo do mesmo comportamento comum do agressor que exerce “controle coercitivo;

3. Isolamento e ameaça de isolamento: a frase "Agora ande sozinha. Ande sozinha" representa a ameaça de isolamento, também componente do comportamento abusivo;

4. Afirmação de poder e autoridade: O “doutor” dita os termos do relacionamento e as consequências das transgressões percebidas ("se você quer andar como uma put4... agora ande sozinha... você pega suas coisas, vai para casa de sua mãe"). A declaração implica que o comportamento da vítima é inaceitável e justifica punição;

5. Culpabilização da vítima (implícito): A mensagem subjacente é que o comportamento da vítima (conforme percebido pelo agressor) é a razão para as consequências. O foco em como a vítima "quer andar" como "uma put4" sugere que a vítima é a culpada pela situação. Isso, outra vez, se alinha com a tática de culpabilização da vítima, muito comum no “controle coercitivo.

Didático, não é? O “controle coercitivo” é muito mais amplo do que o que analisamos aqui, mas se eu ouvisse só esse áudio antes, concluiria que, a qualquer momento, o tal “doutor” poderia bater – ou até matar – essa mulher. Elementar. Todas as campanhas são sobre “ler os sinais” para terminar relacionamentos disfuncionais e abusivos. “Ah, mas são tantos detalhes, fica difícil”, você pode me responder. Talvez. Para facilitar, então, vamos recorrer à frase “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, que reflete o princípio da legalidade, um pilar fundamental do Estado Democrático de Direito.

Este princípio, consagrado na Constituição Federal Brasileira (artigo 5º, II), estabelece que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, a não ser que haja uma lei que o exija. Em outras palavras, as obrigações e restrições aos direitos individuais só podem derivar da lei, e não de meros caprichos ou decisões arbitrárias. Sim, dá pra viver relações sem hierarquia nem abusos e é assim que deve ser. É possível sair desse lugar onde – assim como muitas mulheres - eu já estive também. Estude, leia, converse, se informe, trabalhe pra ter seu dinheiro. Sobretudo, leia os sinais logo no começo e, se for o caso, se livre. Isso pode salvar sua integridade física, seu equilíbrio mental e, muitas vezes, a sua vida.