Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Flavia Azevedo
Publicado em 17 de março de 2025 às 18:38
Tenho uma regra pessoal: não vou a shows em estádios de futebol. As filas, a chegada e a saída, a sensação de estar presa, tudo isso é um combo de desconforto pra mim. De forma que nem penso em ir, nem passa pela minha cabeça, não é uma opção. Tanto que a presença histórica de Paul McCartney – na Fonte Nova, em 2017 – arrebanhou todos os meus amigos, mas não me deu vontade nenhuma. Mais recentemente, o anúncio do show de Caetano e Bethânia, também lá, me fez pensar “quem vai é o coelho”. Até porque, da dupla, minha paixão é Caetano. Daí que estive no maravilhoso Transa (Parque de Exposições, prefiro), amei muito e me dei por satisfeita. >
Eis que anunciaram a estreia da turnê Tempo Rei, procurei saber e, ao ver que era na Fonte Nova, não dei mais a menor atenção. Os meses passaram, a efeméride aconteceu nesse sábado e, na manhã de domingo, o boy (que havia concordado em não irmos) desabafou “tô arrependido de não ter ido ver Gil”, antes mesmo de me dar bom dia. Sustentei “eu não, porque deusquemelivre daquele engarrafamento, do trânsito, das filas”, mas minha certeza só durou até abrir o Instagram. Olhos marejados, melancolia, inveja pro-fun-da de todo mundo que foi. A verdade é que, pela primeira vez, me arrependi da tal regra. Errei, fui moleca. E não fui só eu, não.>
Ao sangrar em praça pública (vulgo postar nas redes sociais), encontrei a minha turma. “Em todos os lugares – e das pessoas mais diversas – apenas elogios, vídeos lindos e relatos emocionados sobre a noite de ontem. Nenhuma queixa, nenhuma reclamação, nenhum ‘porém’, nenhum ‘e se’. Essa é a elegância generosa de Gilberto Gil”, escrevi. Completei dizendo que “já estou arrependida (de não ter ido)” e, com isso, descobri que somos muitos. Além das pessoas que vieram ao meu post apenas para, sem nenhuma piedade, esfregar na minha cara a delícia que viveram (tudo bem, mereço), o bonde dos arrependidos começou a se formar.>
Adriane disse “eu também e não fui pelo mesmo motivo”, Bela largou um “idem”, Aninha desabafou “eu também, apesar de morar ao lado do estádio, mas se tiver bis a gente vai”, Tai – que me chama de Fá e eu adoro – escreveu outro “eu também já arrependida”, Suze chegou com “exatamente o meu caso e o arrependimento já bateu”, Maria Isabel garantiu que já está “torcendo por outro” e, entre outros lamentos, Claudia Lessa resumiu: “vamos engrossar o coro dos arrependidos com o pedido de uma nova data em Salvador. Flora Gil, nunca lhe pedimos nada”. Exatamente e é por isso que estou aqui. >
Venho, portanto, “por meio deste”, representar todas as pessoas que estão sofrendo, neste momento, e merecem uma segunda chance. Somos centenas, provavelmente milhares de humanos corroídos pela inveja dessa específica experiência alheia, sofrendo humilhação e sem assunto nas mesas de bares. Porque todas as conversas passam pelo show de Seu Gilberto, na Fonte Nova, no último dia 15. Sim, sabemos que não há como voltar no tempo (rei) e decidir diferente. Também estamos cientes de que aquela experiência inaugural não se repetirá. Aprendemos a lição. Mas não é possível que não exista um jeito de remediar. Precisamos de mais um show, da turnê, em Salvador. A nossa preferência é de que seja aberto, no Farol da Barra, ali em frente ao Oceania, se não for pedir muito. Assim, o “nosso” show teria um charme específico, um diferencial que nos ajudaria a recobrar a autoestima perdida neste momento. >
Mas isso é detalhe. Sabemos que não podemos exigir nada (o vacilo foi nosso, claro), já nos sentiremos gratos e contemplados pagando ingresso, passando duas horas no engarrafamento e, depois, precisando andar até os Barris pra pegar o carro de aplicativo. Tem nada, não. Prometo nem beber, exatamente pra não passar o show todo dividida entre as filas do banheiro e do bar e, assim, poder cantar todas as músicas bem alto, acendendo meu celular. Flora, pense direitinho, por favor. Confiamos na sombra da jaqueira que há de nos acolher. E todos nós sabemos que, se você pedir, ele faz. Na moral. >