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É injusto que a Lei Maria da Penha agora proteja homens também

“Mas por que?", você pode estar se perguntando e é muito importante que toda mulher saiba o que está perdendo com isso

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 25 de fevereiro de 2025 às 14:26

Maria da Penha
Maria da Penha é a mulher que dá nome à lei sancionada em 2006 Crédito: Divulgação/Instituto Maria da Penha

Nesta semana, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu estender a proteção da Lei Maria da Penha para mulheres travestis e transexuais, além de casais homoafetivos formados por homens. A justificativa da corte é de que há omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema. Então, para resolver o problema, dispuseram da única lei criada, exclusivamente, para tratar de medidas de combate à violência doméstica e familiar contra mulheres.

Entendo perfeitamente a inclusão de mulheres travestis e transexuais sob as asas da lei que protege mulheres, já que esse grupo também está sujeito à misoginia que é raiz e estrutura da Maria da Penha. Do mesmo modo, entendo a extensão dessa proteção a homens trans, uma vez que a transição não impede que eles, eventualmente, sejam percebidos como mulheres e sofram violência de gênero. O que não entra na minha cabeça é o que o homem cis – de qualquer orientação sexual - está fazendo aqui. Explico.

O que acaba de ser aprovado no STF é que homens gays (ou autodeclarados gays) que nasceram em corpos masculinos, que habitam confortavelmente corpos masculinos e jamais foram percebidos como mulheres (portanto nunca sofreram nem sofrerão violência de gênero), estejam sob a proteção da lei que foi inventada para enfrentamento da histórica violência que sofremos EXCLUSIVAMENTE por sermos mulheres. Seja qual for a justificativa do Tribunal – que, evidentemente, é majoritariamente masculino – o meu sentimento ao ter essa notícia é mais do mesmo: há sempre alguém disposto a o usurpar os espaços que conquistamos.

“Mas por que a inclusão de homens cis significa usurpar uma conquista feminina?”, você pode estar se perguntando e é muito importante que toda mulher saiba o que está perdendo com isso. Primeiro porque a Lei Maria da Penha não é apenas uma regra de conduta para nos proteger dentro de um judiciário que, historicamente, nos desfavorece e isso não é uma “opinião”. Lembre-se de que, não faz muito tempo, o Código Penal autorizava o assassinato de mulheres por “defesa da honra masculina”. Principalmente nas Varas de Família, a palavra da mulher continua valendo menos e a lei chega como um instrumento de fortalecimento da nossa perspectiva em casos de violência. Mas não é apenas isso.

O enfrentamento da violência contra a mulher se dá em muitos campos. Para esses tantos enfrentamentos necessários, precisamos de dinheiro e a Lei Maria da Penha serve, também, para direcionar orçamento. Esse que já é insuficiente – quem trabalha na área sabe disso - e agora passamos a dividir com homens cis. Sim, eu sei, as pessoas que defendem essa “jogada” garantem que os homens estarão sob nossa proteção só “até que seja aprovada lei específica para esse grupo”. Uma defesa que, de alguma maneira, reforça a ideia de que mulheres sempre podem ”acolher” homens, “cuidar” e ocupar o lugar de “santos descobertos” para que cubram esses outros.

Homens cis gays jamais sofreram, sofrem ou sofrerão qualquer ataque ou violência pelo fato de serem homens. Eles são vítimas de crimes comuns, de crimes motivados por homofobia e, eventualmente, violência doméstica dos seus parceiros de mesmo gênero. A decisão do STF abre uma caixa de Pandora de repercussões práticas estranhíssimas, para dizer o mínimo. Por exemplo: na relação entre um homem cis e um homem trans, estão ambos em pé de igualdade, se acontece violência? Nesse caso, a quem a lei protegeria?

Considerando que a Maria da Penha não contempla apenas relações românticas, se uma mulher sofre violência do irmão que é homem cis gay, de que lado a lei – facilmente aplicável ao caso - estaria? “O juiz vai avaliar e tomar as decisões”, disse meu amigo homem cis gay que defende a inclusão. Sim, o juiz vai avaliar e esse é o perigo porque voltamos ao início da história e conhecemos o gênero da palavra que vale mais no judiciário brasileiro. Fora o senso comum que nunca deixou de ecoar “mulher merece apanhar”. De maridos e namorados, mas também de pais, primos e irmãos porque nós “provocamos”.

Reconheço a necessidade de indivíduos do gênero masculino serem defendidos de outros indivíduos do gênero masculino, assim como algumas mulheres sofrem violências de outras. Porém, a lei trata de grupos sociais e nunca se ouviu falar que o grupo “homens cis” precise ser defendido do mesmo grupo “homens cis”. Chega a ser ridículo. Sim, homens cis gays sofrem violências pelo fato de serem gays e isso não tem nada a ver com gênero, mas com orientação sexual. Homofobia já é crime previsto em lei e o problema da violência contra essa população precisa ser enfrentado com melhores leis e orçamento próprio.

Quanto à violência doméstica entre homens cis - portanto jamais motivada por gênero -, “até que seja aprovada lei específica para esse grupo”, Lesão Corporal continua existindo. Esse é um crime que consiste em ofender a integridade física ou a saúde de outra pessoa e está previsto no artigo 129 do Código Penal. Além da lei específica para esse grupo, precisamos trabalhar pela criação da Lei da Violência Doméstica que abarcará todos os casos, em suas especificidades e interseccionalidades. Sem desonestidades, perdas para outros grupos nem usurpação de direitos adquiridos.

Sim, eu acho injusta a decisão do STF e, se você é mulher, sugiro que pense direitinho e se manifeste sobre isso. Sejam eles gays, heterossexuais, bissexuais ou o que for, homens cis sempre serão homens cis formando um grupo coeso que defende, em primeiro lugar, a si mesmo. Inclusive, com altas doses de misoginia que costumamos, em alguns casos, “deixar passar” quando percebemos outras vulnerabilidades no indivíduo.