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Flavia Azevedo
Publicado em 18 de março de 2025 às 15:00
Nessa segunda (17), o cantor e compositor Ed Motta publicou um "desabafo" nas redes sociais. No vídeo, o artista começa criticando a cantora Maria Bethânia que se expôs ao se desequilibrar emocionalmente e brigar com a própria equipe, usando o microfone, durante um show. Até aí, tudo bem. Muita gente achou a performance dela deselegante e só não vou escrever "eu também" porque fico constrangida de cometer essa frase especificamente neste texto que trata, exatamente, de um problema que se tornou muito comum: a Síndrome do Eu Também. >
(Veja: "tão comum" significa que eu, você, a torcida do Baêa... todos estamos sujeitos a agir dessa maneira, pelo menos de vez em quando. O que chama atenção e caracteriza a "síndrome" é a frequência, a intensidade e, principalmente, a inconsciência. Isso porque, se a gente não se cuidar, em algum momento, o hábito fica insuportável em qualquer círculo social. Com o agravante de que - assim como CC e mau hálito - as pessoas não deveriam, mas têm vergonha de avisar.)>
Dito isto, o vídeo de Ed Motta é um contundente e público exemplo prático do comportamento de pessoas acometidas da tal "síndrome". Que, claro, cito entre aspas e consciente (também lhe avisando) de que uso (não fui eu que inventei) um termo inexistente em qualquer literatura técnica, mas que define muito bem o problema cuja dinâmica vou lhe explicar. Funciona assim: você diz que está com dor de cabeça e a pessoa responde "sei como é isso, tenho todo dia", para em seguida passar a discorrer sobre a própria enxaqueca. Você mostra uma roupa e a criatura diz "tenho uma parecida", para em seguida falar sobre o próprio figurino. A pessoa vai ao Museu de Picasso e aproveita para contar detalhes sobre o curso de pintura que começou a fazer. A criatura lê a notícia de alguém que quebrou a perna e comenta sobre o dia em que torceu o tornozelo. Ou seja, seja qual for o assunto, o interesse principal é, SEMPRE, conduzir a atenção pra si. Já entendeu? Então, tá. >
(Numa piada bem conhecida, a pessoa que tem a "síndrome", depois de falar sem parar sobre ela mesma, olha para o interlocutor e fala: "Agora chega, vamos falar de você. Diga o que você pensa sobre mim.".)>
No vídeo analisado, o artista começa criticando o comportamento de Maria Bethânia (que ele não cita nominalmente, mas todo mundo entendeu), para imediatamente em seguida passar a falar sobre ele mesmo. Do quanto ele é legal com a equipe dele, do quando as pessoas perseguem ele, do quanto ele poderia morar em qualquer lugar do planeta porque tem público e que só não se muda porque quer morar no Brasil. Ele aproveita pra dizer que sabe tocar piano, que estudou música e que, mesmo assim, não é respeitado por aqui. Quer dizer, sob o pretexto de criticar o comportamento da cantora, ele - principalmente - fala sobre... ele mesmo.>
Observe que qualquer um de nós pode desabafar a qualquer momento. Também que devemos e podemos falar sobre as nossas questões. De preferência, em espaço terapêutico ou entre amigos, mas gosto não se discute e há quem prefira expor intimidades sem qualquer relevância para terceiros - cotidianamente - nas redes sociais. Tudo bem também. Em TODOS os aspectos, cada pessoa sabe de si. O que talvez seja importante observar é que ninguém (NINGUÉM!) é tão interessante ao ponto de, sendo sempre o único ou principal assunto, interessar a outro alguém. Também que pode ser tentador passar a vida toda na autorreferência, mas isso é chato pra cacete e vai significar - mais cedo ou mais tarde - falar pra ninguém. Portanto, estimo melhoras. Para Ed Motta e para todos os que padecem do mal, seja de forma cíclica ou perene, em nível crítico ou mais ameno. Inclusive, não vou mentir: em alguns momentos, para mim também. >