Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Flavia Azevedo
Publicado em 14 de fevereiro de 2021 às 12:13
- Atualizado há 2 anos
Sem querer ser inconveniente (mas não me importando se for), gostaria de entender que propostas educadores/as trazem, para crianças e adolescentes, um ano depois da suspensão das aulas presenciais, em todas as escolas públicas e particulares deste país. Não estou falando de esperar a volta, estimular saudades e seguir "do jeito que dá". Também não de tapetinho de quiboa, me poupem. Muito menos da encenação com termômetros nas portarias. Nem da vacinação dos/as funcionários/as (a dos/as alunos/as não precisa esperar?), da mentira do distanciamento físico e de todas as loucurinhas que envolvem a perspectiva de retorno aos prédios escolares, no meio de uma pandemia, com cerca de mil mortes diárias no país, quando a cepa P1 (a de Manaus, a brasileira) mostra maior letalidade entre crianças e jovens. Para, né? Papo de adultos/as aqui. Inclusive, se possível, tire as crianças da sala.
(Agora, você pode fazer uma pausa pra pesquisar o resultado das escolas que já voltaram "seguindo todos os protocolos de prevenção à covid-19". Deu certo não.)
Não me interessa a forçação de barra pra atender às bolhas que gritam que "lugar de criança é na escola" porque não suportam mais as próprias crianças em casa. Também não como o reggae de quem defende que precisam existir aulas presenciais para que a escola pública proteja os mais vulneráveis sem que, tanto tempo depois, tenham criado alternativas sérias porque ninguém quer protegê-los, de fato. Menos ainda me interessa o atendimento aos interesses de empresários/as da educação. É uma guerra e tenho um lado. A vida e a saúde (integral) de crianças e adolescentes brasileiros, de todas as "classes" - também sociais -, me interessam mais. Imagino que esse deveria ser o foco de todas as pessoas envolvidas no setor. Ou que fingissem interesse, pelo menos. Que tentassem pensar de forma convincente, produtiva e tal. Mas tá complicado nestes tempos de exaltação à burrice, no qual qualquer papo convence e até uma excelente entrevista com Woody Allen tem, embutida, a "necessária" carga de "gracinha" e futilidade.
(É, Bial.)
Tô cobrando de educadores/as o olhar que educadores/as me ajudaram a construir. Quero interpretação de texto, raciocínio lógico, coerência de argumentos, ousadia e outras coisas sem as quais eu não teria sequer concluído o ensino médio no tempo em que se chamava segundo grau. Que dirá passar em vestibular. Lá pelos anos 90, ainda era moda pensar, aviso aos mais jovens, e acabei trazendo esse cacoete pra cá. Portanto, é culpa de Magali, Zé Carlos, Lurdinha, Fátima, Ana e tantos/as outros/as a minha facilidade de chegar à conclusão de que a escola, do jeito que era, morreu. Agora, precisa só se deitar.
A pandemia é, também, a pá de cal na escola que conhecíamos, aquela que já não dava conta das demandas de crianças e adolescentes, fossem elas das áreas nobres ou das quebradas. Em cada lugar social com suas fragilidades e insuficiências, claro que não é tudo igual. Estruturas detonadas, ratos e falta de água, entre outras questões básicas, pra uns. Para os "privilegiados", no mínimo, o anacronismo do discurso vertical quando "aprender e ensinar" é uma díade que, nos últimos anos, sofreu mais mutações do que o novo coronavírus, pode apostar. E o tempo parado nas salas de aula, aulas sendo chatas e tal. Comparativamente, besteira, eu sei, diante de tantas terríveis realidades. Mas a escola ser "chata", meu ver, também é uma coisa muito grave.
Esses prédios vão abrir e vão fechar por causa de surtos de covid e imaginem a tensão que a certeza disso traz. Crianças e adolescentes se contaminam menos porque não estão frequentando aulas presenciais, é simples. Apenas por isso não pegam covid nem piolho, nem aquela sequência de viroses que toda mãe conhece. Em 2020, não houve uma gripe sequer aqui em casa. Justamente porque não estão embolando melecas, dividindo lanches e fazendo tudo que toda criança e adolescente faz. Quero ver professor/a controlar. Supondo que consigam, que sentido faz a escola presencial se não haverá presença física real e livre? Com medo, vestido de astronauta, é mais saudável do que ficar em casa acompanhando aulas online? Não acho. Não é justamente sobre "o psicológico" que mais falam?
(Agora, surgem relatos de crianças seguindo "à risca" os protocolos. Por um lado, não acredito. Por outro, se tento acreditar, acho disfuncional essa escola feita de N95, não-toque, tensão e álcool.)
"Mas há os que estão nas ruas, vulneráveis". Sim, e nunca moraram nas escolas. Sempre houve pelo menos um turno em que estiveram expostos à violência, à fome e todo tipo de desajuste familiar. Para estes, reabrir as escolas ajuda por um lado, claro, mas tá longe de ser solução inclusive porque nada estava resolvido, antes de a pandemia chegar. Nesse tempo de aulas suspensas, instalaram banda larga nas comunidades, para uma retomada em 2021? Distribuíram aparelhos celulares entre os/as alunos/as, mesmo que fossem dos mais baratos? Procuraram parcerias para que isso fosse viável? Imprimiram módulos e levaram em cada casa? Conselhos tutelares estão acompanhando, pelo menos, os casos já conhecidos? CREAS e CRAS serviram como referência de verdade? Instituições deram um jeito de distribuir comida para as famílias que vivem insegurança alimentar? Derrubaram paredes, reformaram banheiros, prepararam áreas ao ar livre para receber pequenas turmas em atividades focadas em diagnóstico e saúde mental? Pensaram em alternativas à escola presencial e diária? Houve vontade e trabalho? Conseguiram se conectar ao presente, ajustar a rota ou seguem chorando no velório e tentando nos convencer de que o que tivemos até aqui era ótimo e é a única possibilidade? Não era, não é e o mundo mudou, lamento informar.
Em março, completaremos um ano desde o sepultamento da escola que conhecíamos. Acabou depósito de gente aglomerada, acabou frequência obrigatória, acabou avaliação sem a possibilidade de consulta bibliográfica. Só por exemplo. Acabaram muitas coisas boas e más. Daqui, estou ansiosa pela nova escola proposta por quem sabe, ou deveria saber, pensar. Gostaria de ouvir alguém dizer algo além de "a escola precisa voltar" mesmo sabendo que não vai. Nunca mais. A proposta é lamentar a falta, viver no passado, andar sobre escombros, tentar voltar a um lugar que não existe mais? Não me serve. Inclusive, não tenho saudades. Tenho é curiosidade e vontade do novo. Imagino que existam profissionais capazes de pensar em como a escola pode cumprir seu papel social em outros moldes e o que precisa ser feito para que isso funcione já. Talvez seja a hora de ouvir os que sempre vieram na contramão, aqueles que pareciam exóticos, os disruptivos e inconformados. Eles têm planos, eu acho, e essa é a hora de colocá-los em prática. Bora lá. Coragem! Vamos trabalhar! Porque o fato é que a escola, aquela de março de 2020, nunca mais vai voltar. E isso não é uma tragédia, saiba.
(Eu não tiro a razão das mães desesperadas por não terem onde deixar as crianças, agora que voltaram ao trabalho. Só que não posso deixar de apontar que, também nisso, sempre estivemos sozinhas, no máximo "remediadas". O que acontece é que a escola cumpria uma função que não é dela, revelando, com isso, outras questões da nossa estrutura social. Mas isso é outro papo. Volto já.)