Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Donaldson Gomes
Publicado em 8 de março de 2025 às 11:00
Depois do inacreditável bate-boca entre os presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelensky, líderes dos Estados Unidos e da Ucrânia, respectivamente, parecia que a diplomacia, ou a falta dela, nas relações internacionais atingiu o seu ponto mais baixo. Nem mesmo em produções cinematográficas, com suas licenças para a imaginação, o Salão Oval da Casa Branca viu tão pouca liturgia. Aí, vieram as reações de quase todo o mundo, condenando o climão e tentando colocar panos quentes no que se viu. >
Quase todo mundo, porque Maria Zakharova queria mesmo ver o circo pegar fogo. “O autocontrole que Trump e Vance (JD, o vice-presidente americano) demonstraram, e o fato de eles não terem agredido o Zelensky... é um milagre de autocontrole”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia. Pausa. O objetivo deste texto é se distanciar dos acontecimentos na Casa Branca, porque eles são amplamente conhecidos, e focar na pergunta: quem é a diplomata russa que parecia querer ver o circo pegar fogo ao vivo para todo o planeta?>
A cena que vem à mente é a de uma daquelas confusões na saída da escola em que, enquanto alguns tentam colocar panos quentes, na chamada “turma do deixa disso”, surgia um ou outro para fazer o famigerado “cabelinho de um, cabelinho de outro” e ver tudo desandar de vez. Parece que Zakharova estava disposta a participar do segundo grupo. >
Filha de diplomatas russos, Maria Vladimirovna Zakharova nasceu em Pequim, na China, em 1975, diz o site da Tass, a agência estatal de notícias da Rússia. É formada em Jornalismo e Relações Internacionais, com especialização em Estudos Orientais. A carreira na diplomacia começou ainda em 1998, logo após a formatura. Zakharova passou pela Secretaria de Imprensa da Missão Russa na Organização das Nações Unidas (ONU), antes de começar a ascender no Ministério das Relações Exteriores, propriamente dito. >
Talvez o mais interessante na postura adotada pela porta-voz da chancelaria russa esteja no quanto ela destoa do titular das Relações Exteriores da Rússia, o sempre sisudo Sergey Lavrov. As espinafradas em membros de outros países, tão incomuns na comunicação diplomática, fazem parte do repertório da porta-voz russa há bastante tempo. >
Depois de vê-la parecer zombar de Zelensky na última semana, uma busca no Google, o pai dos burros digital, foi praticamente inevitável. Na última quinta, ela respondeu Emmanuel Macron, a respeito da proposta de uma pausa na guerra. “São necessários acordos firmes e uma solução definitiva”, disse a porta-voz da chancelaria russa, segundo a qual qualquer pausa curta é “absolutamente inaceitável, porque levaria exatamente ao resultado contrário”. >
Em contraponto às respostas sucintas que as chancelarias do mundo costumam fornecer, Zakharova prosseguiu argumentando que a pausa serviria apenas para a Ucrânia reequipar o seu exército. >
Após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, foi Maria Zakharova a escalada para ameaçar a Finlândia e a Suécia de “consequências militares e políticas prejudiciais” se tentassem entrar na Otan e de rotular o governo ucraniano de “bandidos para quem o Ocidente fornece armas”.>
Alguém pode pensar que as respostas sempre um tom acima do habitual se dão por conta do contexto de conflito, todavia, Maria Zakharova soltou os cachorros contra a realização de uma edição do festival Lollapalooza Berlim. A diplomata quase criou uma crise com a Alemanha por conta dos shows próximos ao memorial soviético, na capital alemã. >
Em 2016, ela procurou uma agência estatal de notícias russa para expressar a preocupação com o festival, que seria realizado em setembro daquele ano. Para ela, os jovens estariam “literalmente dançando sobre túmulos” de heróis soviéticos mortos na Alemanha. O festival estava marcado para ser realizado – e foi, a despeito da retórica –, próximo ao memorial, no Treptower Park. >
A esta altura, todo mundo na Rússia já deve ter percebido que a loira dos olhos azuis não tem papas na língua. Se é ela a escolhida para falar, é porque perceberam que os tempos pedem uma retórica mais dura. Tal qual a de Trump.>
meme da semana>
A possibilidade de o ministro Alexandre de Moraes perder o direito de entrar nos EUA, ventilada em grupos de direita rendeu um meme satirizando a situação. A insinuação é de que o ministro do Supremo teria que atravessar ilegalmente, caso quisesse passear por lá.>