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Flavio Oliveira
Publicado em 16 de novembro de 2024 às 16:00
Resumo do nosso ciclo de vida: na juventude, temos tempo e tesão, mas não temos dinheiro; quando adultos, temos tesão e dinheiro, mas não tempo; na velhice, ficamos com tempo e dinheiro e perdemos o tesão. Essa piada tragicômica reflete que o sistema de vida no qual estamos inseridos impede que homens e mulheres atinjam sua plenitude, alcançando todo o seu potencial humano. O mundo precisou de uma pandemia que só no Brasil matou cerca de 700 mil pessoas para que pudéssemos pensar em mudar alguma coisa, por menor que seja ela. >
Dizem que toda jornada começa com o primeiro passo, e graças as redes sociais (elas podem servir para alguma coisa boa, afinal) o Brasil se inseriu nas discussões globais sobre alternativas para a redução da jornada de trabalho. O país, talvez por conta da herança escravocrata, tem hoje uma das maiores cargas horárias de trabalho do mundo. São 44 horas/semana, em seis dias de labuta e um de folga. Na Europa, a média são 37 horas dividias em cinco dias. Proposta articulada pela deputada Érika Hilton (PSOL-SP) prevê alterar a legislação para quatro dias de trabalho e três de folga sem redução no salário. >
Não foi fácil acabar com 300 anos de escravidão no Brasil. Não será fácil acabar com a escala 6x1. As resistências pipocam aqui e ali, em reportagens, artigos, entrevistas, conversas. Até o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já declarou ser contra a medida. A justificativa é sempre a mesma: a mudança não será boa nem para os trabalhadores, que vão pagar com o aumento do desemprego e da inflação em decorrência da perda de produtividade e do aumento dos custos das empresas. Desde 2033, 9 propostas semelhantes foram derrubadas pelo Congresso. >
Érika apresentou a dela em maio, mas só ganhou impulso nas últimas duas semanas graças a mobilizações nas redes sociais. O Centrão, que controla a Câmara, já preparou uma resposta à pressão popular, dizendo que vai aproveitar esse projeto para aprovar lei para que o Brasil copie os Estados Unidos para que as empresas paguem apenas pelas horas trabalhadas. Além de ganhar por hora, à exceção do seguro-desemprego, o trabalhador americano não conta com nenhum sistema de proteção, a exemplo de FGTS, férias remuneradas ou multa por demissão sem justa causa. >
Nenhuma vida cabe em planilhas de custos. Embora precisem ser considerados no debate, pois são preocupações justas e legítimas, os cálculos dos que até agora se opõem à medida não têm sido comprovados na prática. >
A organização 4 Day Week Global conduziu testes-piloto com a escala 4x3 no Brasil e outros 13 países. Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Suécia, Holanda, África do Sul, Índia, Chile, Itália, Noruega, Bélgica e Suíça. Apesar de feito em um número limitado de empresas em cada uma dessas nações, a experiência mostrou que alguns resultados se mostraram o mesmo independentemente do local onde foi aplicado. >
Os trabalhadores se mostraram mais felizes e satisfeitos. Eles relataram também redução na carda de estresse e na necessidade de faltar por causa de doenças. As organizações registraram, olha só, aumento de produtividade. Em torno de 80% dos trabalhadores afirmaram que não gostariam de retornar à escala antiga. Algumas empresas, inclusive, garantiram não só a permanência dessa escala para o primeiro grupo como ampliaram a experiência para novas pessoas e setores. >
Segundo reportagem da BBC, em pelo menos dois desses países, Bélgica e Chile, aconteceram mudanças na legislação. Na Bélgica, desde fevereiro de 2022, os trabalhadores têm o direito à jornada 4x3. Mas lá, a carga horária semanal foi mantida. Ou seja, foi criado uma espécie de banco de horas, trabalha-se mais em um dia (algo em torno de 9h30) para ganhar folga em outro. >
No Chile, a escala 4x3 é permitida desde 2017, mas ela só pode ser aplicada quando houver acordo entre empresas e trabalhadores (por meios de sindicatos que representem ao menos 30% deles). Na prática, pelo desequilíbrio de força entre o capital e o trabalho, a medida não vingou. >
A 4 Days Week Brasil apresentou o relatório final em agosto. 21 empresas se inscreveram para o teste, mas duas delas desistiram, uma devido às enchentes no Rio Grande do Sul, e outra graças a uma troca de liderança. 252 funcionários, de vários níveis e setores, participaram da totalidade do piloto. >
Afirma o documento: “a implementação da semana de 4 dias trouxe diversos benefícios significativos para a empresa. 83.2% dos funcionários perceberam uma melhoria na cultura da empresa, enquanto 80.7% relataram um aumento na criatividade, inovação e colaboração. A satisfação com o trabalho também cresceu, com 82.6% dos funcionários se sentindo bem com suas tarefas e 86.5% encontrando um maior senso de propósito e realização. Além disso, 87.4% relataram ter mais energia para realizar suas tarefas, 84.5% expressaram maior satisfação com seu trabalho e 85.1% afirmaram ter orgulho do que fazem. Esses dados sugerem que a semana de 4 dias não só melhora a qualidade de vida dos funcionários, mas também potencializa a eficiência e a eficácia das operações da empresa”. >
Ainda: “Os dados financeiros dos 6 primeiros meses de 2024, em comparação com o mesmo período de 2023, revelam que a maioria (72.7%) das empresas participantes observaram um aumento na receita, enquanto 27.3% experimentaram uma diminuição. Em termos de lucros, 63.6% das empresas relataram crescimento, e 36.4% enfrentaram uma redução. Embora esses resultados positivos sejam notáveis, é importante reconhecer que a melhoria na receita e nos lucros não pode ser atribuída exclusivamente à implementação da semana de 4 dias”. Isso sem falar nos dados positivos no ambiente interno, como melhoria na colaboração e nas relações entre as lideranças e suas equipes e nos processos internos. >
Ou seja, a experiência mostra que os ganhos de produtividade e de retenção e atração de talentos podem superar o aumento de custo que a mudança na escala pode trazer. Ao mesmo tempo, maior tempo livre favorece o consumo, motor do capitalismo. Os trabalhadores terão mais tempo para cinema, bares, restaurantes, viagens. Cadeias que geram empregos como turismo, entretenimento, cultura, bebidas e alimentação tendem a se beneficiar. Cidades como Salvador e estados como a Bahia, fortes nesses segmentos, devem sair ganhando. >
Toda mudança gera impactos positivos e negativos. O ideal é que uma medida dessa seja amplamente debatido, com o objetivo de maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos. Como é uma alteração estrutural na forma como nossa sociedade está alicerçada, também é importante que a discussão não se limite à escala, mas também ao custo e a divisão de riqueza do trabalho. O projeto, por exemplo, não deixa de ser uma oportunidade para as empresas discutirem a oneração da folha de pagamentos. O Brasil é um dos países onde o empresariado paga mais taxas e impostos sobre cada vaga de emprego que gera. Ao mesmo tempo, em tempo pode-se usar a nova escala para preparar e qualificar os trabalhadores para a chamada economia pós-industrial, outra mudança estrutural que deve provocar extinção de inúmeras profissões com a inteligência artificial. Uma possibilidade é adotar uma escala 5x2, na qual 1 dos 5 dias seria usada para a qualificação necessária para o trabalhador se inserir em um curso que o prepare para o mercado de trabalho. >
Meme da semana >
Talvez o menino não seja assim tão prodígio. Ou apenas represente o lado mais leve iluminado do sombrio homem-morcego. A piada pode ter sido feita por um nerd para outros nerds, impossível saber. Mas é boa. Dê uma bat chance a ela. >
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