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Donaldson Gomes
Publicado em 22 de fevereiro de 2025 às 07:00
Sua Santidade, pensei muito antes de lhe escrever, em virtude do seu estado de saúde – as notícias que chegam são preocupantes. Conversando com o amigo Davi Lemos, um dos mais calorosos devotos da Santa Sé que eu conheço, ele me explicou que os veículos de comunicação, talvez por um afastamento em relação às coisas do catolicismo, estão dando à unção dos enfermos, que já algum tempo deixou de ser chamada de extrema unção, uma dimensão equivocada. Segundo ele, o sacramento, que antes era concedido apenas a quem estava próximo da morte, passou a ser dispensado aos portadores de enfermidades graves, não necessariamente terminais. >
Ele mesmo, contou-me, já recebeu a tal unção dos enfermos quando estava bem doente e está por aqui nesta terra até hoje. Eu sei que ele não tem os seus 88 anos, entretanto, o Santo Padre há de concordar que trata-se de um alento. Enfim, faço este preâmbulo para justificar o motivo de lhe escrever em um momento tão delicado de sua vida. Torço por sua recuperação e espero que tenha tempo de se debruçar sobre uma questão que é muito importante para boa parte dos seus conterrâneos aqui na América do Sul. >
Precisamos conversar sobre a data da Páscoa. Veja bem, por uma questão de honestidade, devo lhe contar, antes de prosseguir, que não sou católico, nem mesmo do tipo não praticante. Ainda assim, preocupa-me a discussão sobre a escolha de uma data fixa para lembrar da morte e ressurreição de Jesus Cristo, a quem muito amo. A questão é que a data da Páscoa define também o período de realização do Carnaval. >
Aqui, mesmo em prejuízo da fluidez textual, terei que fazer um outro adendo, Santo Padre. Também não sou carnavalesco, como ouso imaginar que o senhor também não seja. Isso mesmo, sou um baiano que não gosta da folia e, pasme, também tenho alergia a camarão. Digo isso, Santidade, para que o senhor tenha a exata noção de quem fala com o senhor. Se puder, releve o fato de ser de outra igreja, não gostar da festa de Momo e de ter minha baianidade constantemente questionada. >
Se estiver lendo esta carta, deve estar se perguntando então o motivo dela ter sido escrita. É que vi o senhor dizer que pretende estabelecer uma data fixa para a realização da Páscoa e – ainda que esta não seja a sua preocupação – vai fixar também o período do Carnaval, com os 46 dias entre um evento e outro. Achei muito interessante a sua motivação, é realmente bonito ver cristãos católicos e ortodoxos celebrando Cristo no mesmo dia. Nós, protestantes e evangélicos, vamos acabar pegando carona na data. >
Agora, finalmente eu entro no assunto da carta. A Páscoa todo dia 20 de abril vai criar um problema gigantesco por aqui, meu querido Papa. Não sei como são as coisas aí, em Roma, ou como eram na Argentina, porém a realidade é que aqui em Salvador fica tudo parado até o Carnaval acabar. Veja o senhor, nossas crianças estão indo para a escola, mas aula pra valer é só depois do dia 5 de março! Tem gente esperando contratação, tem projetos para serem lançados, eu tenho a impressão de que boa parte dos nossos políticos só começam a se preocupar com votações importantes e as grandes questões nacionais depois da Quarta-feira de Cinzas. Eu conheço pessoas que vão iniciar dietas depois do Carnaval. >
São praticamente dois meses do ano vivendo em stand-by, Santidade. Uma vez ou outra, a gente até suporta o Carnaval em março, mas todo ano é complicado. Sei que o senhor precisa alinhar tudo com a Igreja Ortodoxa, mas meu humilde pedido é para ver se não tem como fixar a Páscoa em março. >
Com os mais sinceros votos pela sua melhora,>
Don. >
Crise no café da manhã>
Algumas altas de preços produzem estragos maiores que outras e o brasileiro vem enfrentando um cenário desafiador em relação a alguns alimentos indispensáveis no dia a dia. Após alguns meses enfrentando a alta nos preços do café – que deve se manter em um patamar elevado por mais algum tempo –, o ovo caminha para o papel de vilão da inflação, que há até bem pouco tempo chegou a ser ocupado também pelo leite e os seus derivados. >
Em termos de perspectivas, o caso do café é mesmo o mais sério. O custo médio do produto aumentou 8,56%, apenas no mês de janeiro, de acordo com a inflação oficial do Brasil, medida pelo Índice Geral de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em doze meses, a alta chega aos 50,35%. Não se trata de uma alta sazonal, que acontece em um determinado momento do ano e depois retorna aos patamares normais. >
O café ganhou novos mercados consumidores, sem ampliar na mesma medida a produção, e aí entra em cena a principal regra da economia: a lei da oferta e da procura. Se tem muito produto disponível, os preços caem. Quando há pouco, eles sobem. É bem verdade que o mercado de café vive instabilidade por conta de problemas climáticos entre os maiores produtores mundiais, dentre eles o Brasil. Entretanto, a explicação completa para o cenário vem do Oriente: os consumidores chineses descobriram como é gostoso tomar um café quentinho. >
Em 2003, o principal mercado asiático consumia 800 mil sacas de 60 quilos do produto por ano e 20 anos depois, o volume era de 9,2 milhões de sacas do produto. Em termos percentuais, o aumento é de 1.150%. Quando o clima aliviar nas lavouras o cenário vai melhorar? Sim, mas não o suficiente para retroceder aos patamares pré-China. >
A alta do leite e derivados, que nos últimos doze meses acumulou um crescimento de 9,43%, é o típico caso de uma situação sazonal. Agora em janeiro, o IPCA já registrou um leve recuo de 0,3% nos preços médios. Pouco? Sim, mas pelo menos não está subindo. >
Por outro lado, a alta nos preços dos ovos, que já são encontrados em alguns lugares do Brasil por até R$ 40 e entronizado como novo alvo dos memes e foco das críticas ao governo, ainda nem aparece nos dados oficiais de inflação. Em janeiro, teve leve alta, de 0,89%, mas em doze meses sofreu deflação de 1,91%.>
Para estragar de vez o café da manhã dos brasileiros, o pão nosso de cada dia também enfrenta um processo inflacionário, embora em proporção menos intensa. Vem de alta em dezembro (0,18%) e janeiro (0,74%), acumulando um aumento médio de 4,39% em doze meses. >
A alta no combo do café da manhã – café com leite e pão com ovo – deve ser vista com muito mais preocupação do que a da prometida picanha, que também está mais cara – 3,95% em janeiro e 12,36% no acumulado de doze meses. Dá pra passar sem o churrasquinho, mas o desjejum é sagrado. >
Cadê as bondades?>
Pressionado pelo mal estar que a carestia provoca no país, o presidente Lula prometeu, já fazem mais de 15 dias, o lançamento de um pacote de medidas econômicas para dar um alívio à população e, como consequência, turbinar a própria popularidade. Parece um pouco com o que ele fez lá em 2008 quando a crise no mercado imobiliário norte-americano ameaçava se espalhar por todo o planeta. Com bala na agulha para propor uma série de medidas, Lula chamou o maremoto, cujas contas caíram no colo de Dilma Rousseff anos depois, de marolinha. >
O que acontece agora é que as contas públicas não permitem ao governo lançar pacotes de incentivos, como os que impulsionam as vendas de automóveis, de aparelhos eletrônicos da linha, de materiais de construção, etc, e movimentaram a economia do país. Não há margem nas contas públicas para renúncias fiscais, nem para vultosos investimentos com recursos públicos, como foi o caso do PAC – o de agora, apesar do mesmo nome, é outro programa e tem um impacto diferente do que impulsionou a popularidade do presidente lá atrás. >
Restam as iniciativas que possuem um custo menor, como o consignado para quem tem FGTS para apresentar como garantia, ou o auxílio gás, importante para ajudar a acabar com a chamada pobreza energética. Só não se pode esquecer da dificuldade que muita gente tem para colocar o alimento no fogo.>
Meme da semana>
O presidente argentino Javier Milei conseguiu escapar da abertura de um processo de impeachment por conta de um escândalo envolvendo a criptomoeda Libra. Entretanto, o líder argentino não passou incólume da zoeira nas redes sociais (Imagem reproduzida do Instagram)>