Câmara masculina vai decidir sobre aborto

São apenas 91 mulheres contra 422 homens; projeto limita direito restrito a três casos conquistado em 1940

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  • Flavio Oliveira

Publicado em 15 de junho de 2024 às 16:00

Projeto de lei limita ainda mais direito a aborto conquistado pelas mulheres brasileiras Crédito: Shutterstock

O destino de 203.080.756 brasileiros é, em parte, decidido por um grupo de 513 deputados federais. Mas há um claro problema de representatividade quando 422 deles (82% da Casa) vão deliberar sobre a vida e a morte de 104.548.325 meninas e mulheres (51,5% da população do país) ao discutir um projeto de lei que criminaliza o aborto após 22 semanas de gestação. O texto iguala esse aborto a um homicídio simples, prevendo uma pena máxima de 20 anos para meninas e mulheres que interrompam a gestação depois desse período. Mesmo que provocada por um ato de violência como o estupro. Mesmo quando há risco de vida para a gestante. Mesmo quando essas duas hipóteses estiverem presentes no mesmo caso. A pena máxima para o estuprador é de 15 anos caso o crime tenha sido cometido contra uma menor de idade.

Na política em geral – e na brasileira em particular – dificilmente existe um pensamento monolítico dentro de um mesmo grupo. Há quem defenda o projeto tanto por crença religiosa quanto pela vontade de emparedar o governo, passando pelos defensores da "moral e dos bons costumes" e por quem quer usar o assunto para provar seu poder de tirar da sala um bode que ele mesmo colocou lá.

Nenhum desses motivos é aquele pelo qual um tema delicado como o aborto deve ser debatido. A questão tem de ser vista pelo prisma da desigualdade no acesso a direitos de saúde e educação, e se cabe limites ao poder das mulheres de decidirem sobre seu próprio corpo. Política pública não deveria ser palco de disputa moral ou religiosa; nem de representações para redes sociais.

O aborto existe e é realizado no Brasil. Legalmente, quando a mulher corre risco de morte e não há outro jeito para salvá-la; em casos de fetos com anencefalia (ausência de cérebro ou de parte dele); e em casos de estupro. A lei, de 1940, não indica um prazo limite para que o procedimento seja realizado. O projeto propõe retirar parte do direito que hoje já existe, ao estabelecer o prazo de 22 semanas para que o procedimento seja realizado. 22 semanas é quando o bebê está todo formado (o tubo neural já está formado e pode ser identificado numa ecografia).

A proposta, que corre em regime de urgência, é uma reação a uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que derrubou uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia os médicos de interromper gravidezes – mesmo que em casos legais – acima das 22 semanas.

Falando só de casos legais: o acesso a uma Justiça célere não é assegurado a todas as brasileiras e recorrer a um aborto clandestino é mais fácil que depender de advogados e juízes. Quem pode pagar acessa boas clínicas (mesmo que clandestinas). Quem não pode, corre riscos. A taxa de mortalidade materna no Brasil no ano passado foi de 57 para cada 100 mil nascidos vivos. Esses números não corresponderiam à realidade, já que segundo estudo do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr) o número de mortes de gestantes no país é 35% maior do que a quantidade notificada oficialmente. A cada 100 óbitos registrados, 28 não constam na estatística de 2021, afirma o levantamento. Entre as principais causas de morte materna estão hipertensão, hemorragias, infecções pós-parto e complicações de abortamentos inseguros; além das chamadas causas indiretas, que incluem doenças infecciosas, cardiopatias e HIV entre outras.

O anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em novembro do ano passado, aponta que o Brasil registrou o maior número da história de casos de estupros, considerando também estupros de vulneráveis, e somente aqueles comunicados à polícia. Na média, foram 205 registros por dia. O documento também revela que 61,4% das vítimas (de casos registrados) tinham no máximo 13 anos. O obstetra Olímpio Moraes, referência no Brasil para aborto, afirmou à Folha de S. Paulo que, se aprovado, o projeto de lei vai punir, em sua grande maioria, crianças e adolescentes que descobrem a gravidez tardiamente por causa da situação de vulnerabilidade que vivem.

Esse é retrato que deve ser visto e estudado. Há um problema que necessita de solução. Vários podem ser os caminhos para melhor esses números. Eles incluem políticas de segurança pública voltada para mulheres e crianças, para assegurar uma infância plena, mais conteúdo de educação sexual nas escolas, melhores condições de acesso e acolhimento a delegacias e sistema judiciário, maior segurança (jurídica e física) para os profissionais de saúde que realizem o aborto, e ampliação do número de unidades de saúde habilitadas para a realização do procedimento. Em claro, instrumentos efetivos para aumentar a representação feminina na política. A via é garantir e ampliar direitos, não o contrário.

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