Acesse sua conta

Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google

Alterar senha

Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.

Recuperar senha

Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre

Alterar senha

Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.

Dados não encontrados!

Você ainda não é nosso assinante!

Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *

ASSINE

Então é Natal

Uma única música destoa das clássicas canções natalinas que falam de amor, felicidade e passeios de trenó na neve. Curiosamente, o autor dessa música é baiano de Santo Amaro e teve uma vida para lá de trágica

Publicado em 8 de dezembro de 2024 às 02:00

Simone
A cantora Simone Crédito: Divulgação

O Natal para mim sempre será uma data que muito lembra a minha mãe. Era com muita alegria que montávamos um presépio, eu e minha irmã Gracinha, que minha mãe caprichosamente guardou até a sua morte e até hoje ainda está intacto e bem embalado como ela deixou. O presépio, uma relíquia comprada nos Estados Unidos no final dos anos 50, era montado com toda a ritualística. o que incluía a estrela-guia, os três Reis Magos, Jesus menino, José e Maria, a vaquinha, o burro, as ovelhas e o galo.

Hoje, anos depois do falecimento da minha mãe, ainda mantemos a tradição de reunir a família para juntos passarmos a noite de Natal. Nem sempre é muito fácil e por isso mesmo muito emocionante, pois cada um dos meus filhos mora em um lugar diferente, Gabriel em Campina Grande, na Paraíba, Sophia, em Recife, Pernambuco. Natália é a única que mora em Salvador. Juntos com os netos fazemos churrasco, vamos à praia e bebemos um bocado. Só uma coisa me aborrece verdadeiramente no Natal: a Simone cantando “Então é Natal”, o que deve deixar o ex-Beatle John Lennon, o verdadeiro autor da música, se remexendo de raiva lá no céu. A Yoko Ono deveria processá-la.

Por isso, o Natal sempre me foi extremamente marcante e com o tempo e com a minha curiosidade acadêmica, passei a estudar o que realmente são fatos e o que são mitos na linda história do nascimento de Jesus.

Aqui faço uma ressalva, se queremos separar os fatos dos mitos, em temas religiosos, temos de nos abster do sentimento da fé. São coisas distintas. É bíblico “se tendes fé, tendes esperança nas coisas que se não veem e que são verdadeiras”, a fé nos faz acreditar em algo que não podemos ver ou provar totalmente. E pronto!

Se queremos entender os fatos, não os mitos, temos obrigatoriamente de ler dois livros essenciais, o primeiro é “E a Bíblia tinha razão” de Werner Keller, uma obra básica sobre as pesquisas bíblicas, o segundo é “A Bíblia não tinha razão” de Israel Finkelstein e Neil Silberman, que desafia a leitura fundamentalista das Escrituras, com base nas mais recentes descobertas arqueológicas. Esses dois livros que de certo modo são visões antagônicas, mas ambos baseados em pesquisas arqueológicas, nos fornecem boas percepções sobre algumas perguntas inquietantes para quem quer entender a Bíblia. O Êxodo de fato aconteceu? Davi e Salomão governaram mesmo um vasto império? Em que ano nasceu Jesus?

Bem, voltemos aos fatos e mitos natalinos.

A concepção imaculada de Maria é um dos dogmas mais rígidos da Igreja Católica, mas não é consenso entre os cristãos. De fato, alguns textos apócrifos dos séculos II e III sugerem que Jesus é fruto de uma relação entre Maria e um soldado romano, mas essa história é difícil de acreditar pois dificilmente um filho bastardo teria autorização para entrar em uma sinagoga naqueles tempos.

A Bíblia, porém, afirma que Jesus teve duas irmãs e quatro irmãos: Tiago, Judas, José e Simão. Mas não se sabe se esses eram filhos de Maria ou de um outro casamento de José. Alguns teólogos católicos afirmam que eles eram primos de Jesus – em aramaico, irmão e primo são a mesma palavra. Ocorre que em várias passagens dos evangelhos há menções diretas ou indiretas a irmãos e irmãs de Jesus, todos filhos de Maria. Ao contar como Jesus nasceu, Lucas diz, no evangelho que leva seu nome, que Maria deu à luz seu filho primogênito. Se Jesus fosse o único filho de Maria, não haveria por que referir-se a ele como o primogênito, isto é, o primeiro entre outros.

O Evangelho de Marcos diz explicitamente: “Chegaram sua mãe e seus irmãos e, tendo ficado do lado de fora, mandaram chamá-lo. Muita gente estava sentada ao redor dele e lhe disse: Olha, tua mãe, teus irmãos e tuas irmãs estão lá fora, à tua procura” (Marcos, capítulo 3, versículos 31-32). A mesma passagem é descrita por Lucas (Lc 8, 19-20). E Marcos, em outra passagem (Mc 6, 3), cita os nomes dos quatro irmãos de Jesus e ainda pergunta pelas irmãs: “Não é este o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, Joset (variação de José), Judas e Simão? E as suas irmãs, não estão aqui entre nós?”

Com tais fatos citados nas Escrituras fica difícil de explicar qual a importância para a Igreja demonstrar a virgindade de Maria e o porquê disso para mim ainda é um mistério.

Outro mito natalino difícil de engolir é a história dos Reis Magos. A única passagem bíblica sobre eles é Mateus (Mt 2,1-12). Os reis magos teriam sabido que “o rei dos judeus” havia nascido em Belém da Judeia (uma parte montanhosa no sul da atual Palestina, entre o Mar Morto e o Mar Mediterrâneo). Segundo a Bíblia, os magos tiveram um sinal divino sob a forma de uma estrela que lhes indicou o caminho até ao estábulo onde Jesus estaria abrigado.

Mas o evangelista não revela seus nomes, nem especifica a localidade de onde vieram. Informa apenas que eram do Oriente, não diz que eram três, nem muito menos que eram magos. Há uma teoria de corrente racionalista, a qual acredita que os relatos sobre os reis magos é algo ficcional, sem base em fatos.

Verdade ou mito, os tais Magos sentiram-se impelidos a seguir uma estrela brilhante. Que estrela seria essa? Essa história atraí até hoje a atenção de astrônomos, porque segundo os magos, eles foram alertados pela chamada “Estrela de Belém”, que surgiu no Leste indicando o nascimento de um novo rei. Então, qual seria a explicação astronômica para a Estrela de Belém? Seria realmente uma nova estela ou algum outro fenômeno celeste que guiou os reis magos.

Uma das hipóteses mais consideradas ultimamente, e que foi muito falada uns anos atrás, é que a Estrela de Belém, na verdade, não seria uma estrela e sim uma conjunção de planetas. Em 2020, fomos alardeados pela mídia que esse fenômeno – na verdade uma rara conjunção entre Júpiter e Saturno - seria visível por nós, pobre mortais, no dia 21 de dezembro. Ou seja, estaríamos diante da estrela que guiou os magos, segundo o relato bíblico.

Infelizmente essa teoria também não para em pé. Astrônomos sérios lembram que o brilho somado de Vênus e Júpiter não é algo tão extraordinariamente brilhante. E, além disso, conjunções tão próximas, ao ponto de serem percebidas como um único astro, só seriam visíveis por algumas horas e nós sabemos que a Estrela de Belém guiou os magos por várias noites.

A cristandade comemora o Natal de 24 a 25 de dezembro. Há uma concordância entre os estudiosos que 25 de dezembro do ano 0 não pode ser a data autêntica do nascimento de Cristo – nem o ano, nem o dia. Ora, se Jesus nasceu no reinado de Herodes (Mateus 2.1), sabe-se que historicamente Herodes foi nomeado rei da Judéia pelo imperador de Roma no ano 40 a.C. e seu reinado terminou com sua morte no ano 4 a.C. Portanto, Jesus só pode ter nascido antes do ano 4, tomando-se o relato bíblico como verdade.

Ademais, segundo Lucas (2.8) “... naquela mesma região havia uns pastores que velavam e faziam de noite a guarda do seu rebanho”. Ora, na época do Natal há geada em Belém, e com a temperatura abaixo de zero não poderia haver gado nos pastos na Terra Prometida.

Com efeito, com base na narrativa do evangelho de Lucas dá para se presumir com uma boa dose de acerto que o nascimento de Jesus ocorreu antes do começo do inverno e aproximadamente no ano 7 antes da nossa era.

Deixando de lado essas discussões acadêmicas é sempre bom comemorar o Natal. Ainda mais com essas músicas lindas que cantamos ao redor da árvore natalina toda decorada, regados com vinho e no final da noite ao som do Roberto Carlos.

Uma única música destoa das clássicas canções natalinas que falam de amor, felicidade e passeios de trenó na neve. Curiosamente, o autor dessa música é baiano de Santo Amaro e teve uma vida para lá de trágica. Asis Valente tentou o suicídio três vezes, por conta de dívidas. Na primeira cortou os pulsos, na segunda pulou do Corcovado (e não morreu!) e na terceira teve êxito, vindo a óbito depois de ingerir formicida. Deixou um bilhete no bolso, em que pedia para que o amigo Ary Barroso pagasse seus dois aluguéis atrasados e finalizava dizendo: “Vou parar de escrever, pois estou chorando de saudade de todos, e de tudo.”

Assis Valente fez sambas memoráveis como Brasil Pandeiro, imortalizado pelos Novos baianos. Mas a sua composição emblemática, síntese do seu sofrimento, angustiante busca da felicidade e sua decepção por não a encontrar foi "Boas Festas". Enquanto "a gente ficou feliz a rezar" ele pediu a Papai Noel "a felicidade para você me dar". Fez esse pedido, pois pensou "que todo mundo fosse filho de Papai Noel" e que a felicidade fosse "brincadeira de papel". Decepcionado e solitário concluiu que "o meu Papai Noel não vem”, pois com certeza ele já morreu ou então a "felicidade" é um brinquedo" que ele " não tem".

Melhor escutar isso que Simone, né!

Feliz Natal! Ho! Ho! Ho!

Jorge Cajazeira é Ph.D. em Administração pela FGV/EAESP e professor da UEFS