"Rage Applying": cuidado com as decisões baseadas na raiva

Trocar de emprego por conta de chateação pode gerar ainda mais insatisfação

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  • Nilson Marinho

Publicado em 1 de julho de 2024 às 05:00

Raiva pode levar profissionais a procurar emprego
Raiva pode levar profissionais a procurar emprego Crédito: Pexels

Uma jovem que atua na área da comunicação estava cansada do ambiente de trabalho, mesmo assim, por ter uma carga horária considerada flexível, exceto quando precisava dar plantões, continuou na empresa por quase quatro anos. Com a troca de diretoria, algumas mudanças precisaram ser feitas, entre elas uma migração de setor que atingiu a profissional.

Trabalhando com novas lideranças e em um horário diferente daquele que já estava acostumada, a jovem começou a amadurecer a ideia de mudar de empresa, quem sabe de profissão. Não o fazia porque, diz, teme mudanças, problema que ela garante estar resolvendo com sessões de terapia.

Mas em um desses dias de fechamento de planilhas, de prazos apertados e muitas demandas, uma briga com uma superior a fez tomar a iniciativa. “Foi uma briga boba, mas como eu já estava muito saturada, decidi que, naquele momento, mandaria meu currículo para as mais variadas empresas e para colegas próximos de profissão”, conta.

A resposta não veio de imediato, mas, após dois meses após os disparos de currículos, a jovem teve uma resposta. “Uma amiga minha, umas das que eu disse que estava disponível para mudanças, me indicou para o setor dela. Não pensei duas vezes e, na mesma semana, já estava em outra empresa. Poderia ter dado errado, mas, no meu caso, deu muito certo”, completa.

O ato de procurar “emprego só de raiva”, por alguma insatisfação ou contratempo sofrido, mesmo ainda estado na atual empresa, foi nomeada pelos usuários do TikTok, sobretudo aqueles que fazem parte das gerações mais jovens (Millennials e os Z), como “rage appliers”.

“É um ato que não é novo e que não se trata de uma onda ou tendência. É simplesmente o fato de você estar extremamente aborrecido, não pedir demissão, mas sair por aí, talvez de forma impulsiva, mandando currículos torto e a direito”, opina a analista de Recursos Humanos Sara Gramacho.

“O que consigo analisar é que talvez temos hoje no mercado pessoas mais novas, porque não imaturas, que não sabem lidar com frustrações e que acham que todos os problemas podem ser resolvidos com a mudança de emprego”, completa Gramacho.

Especialistas pontuam que nessa onda de disparos de currículos para as mais variadas empresas, os candidatos, apenas movidos pelo impulso e pela raiva, podem estar se candidatando a vagas em empresas onde, muitas das vezes, as culturas organizacionais podem ser tão prejudiciais quanto as anteriores.

“Nessa ânsia de dar uma ‘resposta’ à empresa anterior com quem o profissional se chateou, ele pode se mudar para outra bem pior. Por isso, é necessário muita paciência e maturidade antes de tomar qualquer decisão. Sem contar que muitas áreas são pequenas, onde todos se conhecem e sem comunicam. Isso pode ser negativo para o profissional e prejudicá-lo mais à frente”, comenta Fabíola Rêgo, chefe de Recursos Humanos.

De acordo com a 26ª edição do Índice de Confiança Robert Half, empresa internacional de consultoria de recursos humanos, 69% dos recrutadores avaliam candidatos com histórico de trocas constantes de empregos, considerando o contexto e as razões para as mudanças. Além disso, 55% se preocupam com a falta de estabilidade e 46% veem isso como um indicativo de dificuldade de adaptação.

"(O rage appliers) é uma prática que não condiz com o planejamento de carreira. O impulso leva a candidaturas sem foco, que geralmente não conduzem a boas oportunidades. Uma carreira bem-sucedida é resultado de uma construção cuidadosa e bem pensada. Muitos profissionais também não se conhecem a fundo para saber o que realmente querem ou o que, de fato, os motiva. Por isso, é importante fazer esses movimentos com reflexão e maturidade", comenta Leonardo Berto, gerente da Robert Half.