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Nilson Marinho
Publicado em 10 de fevereiro de 2025 às 05:05
Empresários que apostam na culinária japonesa na Bahia têm enfrentado dificuldades. Isso porque faltam profissionais qualificados para atuar na área, como sushimans e auxiliares de sushiman. Os restaurantes querem contratar, mas não encontram candidatos que atendam ao perfil mínimo exigido. >
Dados do Senai ilustram esse cenário de escassez de mão de obra. Entre 2023 e 2024, foram abertas 2.505 vagas para esses dois cargos. No período, 6.123 pessoas foram encaminhadas para entrevistas, mas apenas 538 foram contratadas por atenderem às exigências dos empregadores. Como resultado, 79% das oportunidades permaneceram abertas.>
O Senai aponta que essa dificuldade pode estar relacionada à baixa qualificação e ao conhecimento técnico limitado dos trabalhadores, o que compromete o preenchimento das vagas disponíveis para essas funções.>
Baixa formação>
Segundo Wilmina Achan, coordenadora de Recursos Humanos do Yan Ping, os desafios no recrutamento começam pela baixa formação técnica disponível no mercado. O conhecimento especializado exigido para a função é um fator que restringe a oferta de candidatos qualificados no estado. Além disso, a alta rotatividade no setor e as pretensões salariais elevadas dificultam ainda mais a permanência dos profissionais.>
“É difícil encontrar um equilíbrio entre o que buscamos e o que nos é oferecido. Às vezes, o candidato tem uma boa técnica, mas apresenta problemas comportamentais após a contratação. Comprometimento é uma habilidade cada vez mais rara no mercado de trabalho”, destaca o gestora.>
Conforme a gestora, para tentar atrair e reter profissionais, os restaurantes têm adotado estratégias como premiações trimestrais, treinamentos e reciclagens com consultores especializados, além de oferecer salários compatíveis com o mercado. No entanto, esses esforços nem sempre são suficientes para garantir a fidelização dos sushimans.>
A rotatividade no setor é alta, mesmo entre equipes que já possuem um certo tempo de casa. O principal motivo para as saídas dos profissionais, diz Wilmina, é a busca por salários mais altos, seja em outras cidades ou até mesmo no exterior. A crescente valorização da gastronomia japonesa no Brasil e no mundo tem levado muitos sushimans a migrarem para mercados onde a remuneração é mais atrativa.>
A coordenadora acredita que o problema vai além da escassez de mão de obra e aponta uma falta de formação especializada para atender à crescente demanda dos restaurantes japoneses. A oferta de profissionais qualificados não acompanha o ritmo de expansão do setor, criando um descompasso entre a necessidade dos estabelecimentos e a disponibilidade de trabalhadores preparados para a função.>
“Damos oportunidade a quem não tem experiência com sushi, avaliamos competências básicas e oferecemos treinamento para desenvolver o profissional. Mas o mercado precisa de mais iniciativas de formação para suprir essa demanda”, conclui.>
Impacto>
A dificuldade em contratar, inclusive, impacta diretamente a operação dos restaurantes. Apesar do problema, os empresários não conseguem oferecer salários mais altos para atrair profissionais, pois os custos operacionais já estão no limite. Evaristo Castineira, proprietário do Armazém Paulistano diz que está em busca de um profissional para compor a equipe, mas não consegue encontrar. >
“Vários colegas estão passando pela mesma situação. Sempre foi complicado, mas depois da pandemia piorou muito. O prazo de produção está altíssimo por conta disso, o que afeta diretamente a qualidade do atendimento e gera desistência de pedidos. Mas não temos margem para aumento de salário, já estamos no limite dos custos operacionais. Com os preços dos produtos subindo de forma descontrolada, não conseguimos repassar esse custo.”, comenta.>
Diante dessa realidade, os restaurantes tentam buscar alternativas para solucionar a crise, como a capacitação de novos profissionais. No entanto, a falta de interesse da mão de obra disponível se torna mais um obstáculo. “Não temos muitas pessoas com disposição para aprender. Temos dificuldade até para contratar auxiliares de serviços gerais. Quando falamos em registro, muitos candidatos desistem.”, completa o empresário. >
Qualificação>
Com mais de 33 anos de experiência na gastronomia japonesa, o chef Marcelo Fujita se tornou uma referência no setor, trazendo inovação e técnicas tradicionais para o Brasil. Natural de São Paulo, ele iniciou sua carreira em um dos primeiros restaurantes japoneses a sair do tradicional eixo da Liberdade e se estabelecer em um bairro nobre da capital paulista.>
“Minha base técnica é totalmente tradicional japonesa. No primeiro restaurante onde trabalhei, aprendi inicialmente a culinária quente, para depois ser introduzido gradativamente às técnicas de sushi e sashimi. Antigamente, esse era o caminho tradicional: primeiro, o profissional se tornava um cozinheiro japonês, depois passava a atuar no sushi bar”, explica Fujita.>
Ao longo dos anos, ele buscou aprimorar suas habilidades em diferentes áreas da gastronomia, passando por restaurantes de fast food japonês, onde desenvolveu competências em gestão, compras e organização operacional. “Eu queria aprender a ser rápido, organizado e limpo. Trabalhar em um restaurante de serviço rápido me ensinou muito sobre controle de qualidade e eficiência. Cheguei a ser responsável pela escolha dos peixes no Mercado Municipal de São Paulo às duas da manhã, para abastecer todas as lojas da rede”, conta.>
Com o crescimento da demanda por sushimans no Brasil, o chef observou uma queda na qualidade da formação dos profissionais, consequência da falta de treinamento adequado e da substituição do ensino tradicional por métodos mais rápidos e menos rigorosos. “Hoje, conheço pouquíssimos profissionais em Salvador que possuem uma base sólida de aprendizado. O ensino foi se tornando cada vez mais raso, e os requisitos para se tornar um sushiman diminuíram ao longo dos anos”, afirma.>
Após temporadas estudando e trabalhando nos Estados Unidos, Fujita retornou ao Brasil e participou da implantação de grandes restaurantes, incluindo o JAM, em São Paulo. Em 2003, recebeu um convite para desenvolver um projeto gastronômico em Salvador. Ao visitar a cidade e conhecer o espaço na Bahia Marina, decidiu aceitar o desafio e se tornou responsável pela implantação do Soho, um dos restaurantes que ajudaram a transformar o cenário da culinária japonesa na capital baiana.>
“Quando cheguei em Salvador, percebi que a parte fria da culinária japonesa ainda era muito limitada. Tive que treinar a equipe com pratos que eles nunca tinham ouvido falar, como ceviche. Fui eu quem trouxe o ceviche para Salvador. Na época, eu tinha acabado de voltar de Nova York, cheio de ideias novas, e introduzi pratos como tiraditos, carpaccios e suzucures, que misturam influências japonesas e peruanas”, lembra o chef.>
Atualmente, Fujita ocupa o cargo de chef executivo do Grupo Soho, gerenciando quatro operações: Soho da Bahia Marina, Soho do Shopping Passeio, uma cozinha exclusiva para delivery e o restaurante Morea, de culinária asiática. Com a crescente demanda por profissionais qualificados, ele está estruturando um centro de treinamento interno para formar novos talentos e manter o padrão de excelência das casas que comanda.>
“Prefiro treinar do zero do que contratar profissionais com experiência, porque muitos aprendem de forma errada e carregam vícios que não estão alinhados com o nosso padrão de qualidade. O processo de reaprendizado pode ser mais difícil do que o ensino inicial. Formar um profissional desde a base garante que ele siga os padrões exigidos pelo restaurante”, explica.>
Treinamento>
Segundo o consultor gastronômico Rodrigo Ávila, que há 11 anos reside em Salvador e foi responsável por trazer o Poke e o Ramen para o estado, a escassez de profissionais capacitados e comprometidos impacta diretamente o setor.>
“Atualmente, o nível de qualificação é medido durante um teste de experiência, onde o profissional é avaliado em aspectos como agilidade no manuseio e limpeza de peixes, cortes, elaboração de sushis, velocidade e raciocínio ágil para atender a alta demanda nos horários de pico. Não é comum exigir certificados, mas quando o candidato tem, isso é bem aceito. Além disso, a recomendação ou um bom currículo fazem diferença”, explica Ávila.>
Apesar do aumento da oferta de cursos voltados para a gastronomia japonesa, o especialista aponta que a carga horária e a estrutura desses treinamentos ainda não são suficientes para formar um profissional completo.>
“Atualmente, existem cursos, mas nenhum deles é especializado o suficiente para proporcionar a experiência necessária. Eles preparam a pessoa apenas para ter noções básicas. O que realmente faz um profissional em qualquer área da gastronomia é a prática”, afirma.>
Além disso, Ávila pontua a falta de acesso a capacitação por parte de muitos interessados na profissão. “Já tive bons profissionais e outros nem tanto. Hoje, há uma carência de pessoas com desejo de seguir uma carreira e se especializar. Ao mesmo tempo, existem aqueles que querem se qualificar, mas não têm acesso por falta de conhecimento, recursos financeiros ou porque as empresas não oferecem treinamento ou plano de carreira.”>
Outro grande obstáculo enfrentado pelos restaurantes, diz o consultor, é a alta rotatividade de sushimans, o que dificulta a manutenção de um padrão de qualidade. Segundo Ávila, muitos profissionais, depois de adquirirem certa experiência, deixam o emprego formal para empreender de forma independente, sem seguir os mesmos padrões de segurança alimentar e qualidade.>
“Vejo uma grande carência de sushimans capacitados que desejem um compromisso a longo prazo. Como a equipe está sempre mudando, manter um padrão de qualidade se torna um grande desafio. Muitos profissionais optam por abrir seus próprios negócios, como serviços de delivery ou buffet, mas, em muitos casos, sem seguir padrões adequados de segurança e higiene”, alerta.>
Na visão do especialista, muitas empresas não oferecem um ambiente favorável para o desenvolvimento profissional de seus colaboradores. Ele ressalta a importância de uma cultura empresarial bem estruturada, com regras claras, capacitação contínua e oportunidades de crescimento.>
“Já presenciei empresas, tanto no Brasil quanto no exterior, que possuem uma sólida cultura empresarial, com regras bem definidas, capacitação constante e um plano de carreira estruturado. Infelizmente, muitas empresas aqui não oferecem sequer um ambiente agradável para seus funcionários. Além disso, para um profissional experiente, pode ser mais vantajoso trabalhar por conta própria do que por um salário mínimo”, destaca.>
Como solução a curto prazo, Ávila sugere que os empresários invistam na contratação de consultorias e treinamentos para padronizar processos e aprimorar as habilidades de suas equipes. “A curto prazo, uma solução viável é investir em consultorias especializadas e treinamentos para a equipe. A padronização dos processos também é essencial para garantir um serviço de qualidade.”>