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Nilson Marinho
Publicado em 18 de dezembro de 2023 às 05:00
Alguns dos visitantes que chegam a Salvador não se contentam apenas em explorar os pontos turísticos convencionais da cidade. Entre eles, há quem procure vivências únicas, proporcionadas por habitantes locais ou por pessoas que residem na capital baiana o tempo suficiente para enxergá-la para além das experiências turísticas tradicionais. >
Por trás das aulas de capoeira próximas ao Farol da Barra, das visitas à Feira de São Joaquim, com direito a aulas de culinária utilizando produtos locais, e dos passeios guiados pelo Centro Histórico, estão moradores que identificaram o potencial turístico da cidade e transformaram seus conhecimentos sobre a capital e a cultura baiana em suas principais fonte de renda ou em um complemento dela.>
Esses moradores oferecem aos visitantes a oportunidade de imergir na cultura local por meio de experiências autênticas intermediadas, em sua maioria, pela Airbnb, plataforma de reserva de acomodações.>
As experiências oferecidas para os visitantes variam entre R$ 100 a R$ 500 e duram de 1h a 5h. Quem busca pelo serviço diz que tem a intenção de criar uma conexão mais profunda com o destino e fugir do circuito turístico convencional.>
“Há vários tipos de viajantes e eu sou aquela que curte o turismo cultural, gosto de sentir, de viver e olhar a cidade como os olhos de um nativo. Quando me propus a pagar por essa experiência, sabia que não iria apenas conhecer sobre a arquitetura e cultura da cidade, mas bater um papo com meu guia sobre outra Salvador que nenhum turista tem acesso”, diz a paraguaia Ramona Benítez que, em outubro deste ano, participou de uma visita guiada pelo Pelourinho na companhia de outras duas amigas.>
Júnior Araújo, advogado e estudante de turismo e hotelaria, atua como anfitrião para turistas interessados em explorar o Centro Histórico. Por um período de 2 horas e meia, ao custo de R$ 100 por pessoa, ele oferece uma "caminhada leve" pelas "ruas charmosas da cidade alta e baixa", permitindo aos visitantes "vivenciar a realidade da cidade".>
A iniciativa de Júnior teve início no Carnaval de 2019, por meio do Airbnb, durante um período em que Salvador recebeu 850 mil turistas em apenas seis dias de festa, de acordo com dados da Empresa Salvador Turismo (Saltur). Ao longo do tempo, o jovem acumulou avaliações positivas na plataforma, o que foi crucial para atrair mais pessoas para seus serviços. Atualmente, ele também é buscado por meio do Instagram, onde mantém uma página divulgando suas visitas guiadas.>
Embora mantenha outras atividades profissionais, Júnior considera a experiência como um hobby, que o proporciona explorar sua própria cidade, ao mesmo tempo em que a apresenta a outras pessoas. Além de realizar trocas culturais, tanto com brasileiros quanto com estrangeiros, ele também aproveita para praticar outros idiomas, especialmente inglês e espanhol.>
“As pessoas escolhem as experiências para terem a oportunidade de conhecer a cidade por perspectivas diferentes, ouvir novas narrativas e, principalmente, criar uma conexão humana mais autêntica com os anfitriões na plataforma”, diz.>
Com uma média de até 200 pessoas atendidas anualmente, utilizando não apenas o Airbnb, mas também sua página no Instagram, os meses mais movimentados para Júnior são durante a alta estação, de novembro a fevereiro.>
“O turismo tem mudado ao logo dos anos, hoje, há viajantes que anseiam por vivências locais e intimistas, longe de passeios que se limitam ao hotel e cartões postais. Tem visitante que deseja inclusive não parecer um turista, que o mais quer é ajudar a economia local, se conectar com a comunidade e realizar atividades no mesmo ritmo do nativo”, opina Romeu Vargas, especialista em Turismo de Experiência e MBA em Marketing de Turismo.>
Riane Lima, moradora do bairro do Uruguai, estava desempregada quando uma prima sugeriu que ela começasse a receber turistas em sua casa. A proposta era que os viajantes tivesse a experiência de preparar um prato da culinária baiana na residência de moradores locais.>
Inicialmente, Riane hesitou devido ao receio de abrir as portas de sua casa para desconhecidos. Contudo, ao seguir o conselho da prima, decidiu se cadastrar na plataforma Airbnb. Os primeiros hóspedes que a família acolheu foram um casal de franceses.>
Hoje, Raiane Lima e sua mãe conduzem os visitantes em um passeio pela Feira de São Joaquim, apresentando-lhes os produtos locais antes de permitir que escolham o que desejam aprender a preparar. O passeio entre as barracas dura no máximo 15 minutos e, logo em seguida, os turistas são levados para a cozinha da família Lima. A experiência é oferecida por R$ 240 por pessoa. Em três anos, ela já atendeu cerca de 100 pessoas. >
“Nossos primeiros clientes foram um casal de franceses que só comiam moqueca vegana. Eles não comiam nenhum tipo de frutos do mar. Eu nunca tinha feito moqueca vegana, mas pesquisei e incluí os nossos legumes, que a gente utiliza mais na nossa cozinha. Eles amaram e começaram a nos indicar. Fizemos muitos amigos ao redor do mundo em países como Alemanha, Estados Unidos, França e Canadá”, completou Riane.>
Em 2007, o capoeirista Anderson Bonys passou por uma audição e foi selecionado para fazer parte de uma empresa internacional de entretenimento. Essa oportunidade de trabalho permitiu-lhe viajar pela Europa e Ásia, além de aprender inglês, alemão e espanhol. >
"Durante o dia, eu ministrava aulas de capoeira, samba de roda e maculelê para os hóspedes de hotéis e resorts. À noite, realizava shows brasileiros com uma mistura de axé, afro, frevo, samba e capoeira", relata o capoeirista.>
Atualmente, por meio do Airbnb, Anderson ministra aulas para pessoas de todo o mundo, independentemente da idade e do nível de conhecimento em capoeira. As aulas têm o custo de R$ 195, e o visitante pode escolher o local para a prática.>
"O perfil dos turistas é diversificado, independente de nacionalidade, idade, gênero, cor e raça. Já tive alunos dos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Canadá, França, Itália e China. O motivo pelo qual procuram as aulas é o interesse em nossa cultura brasileira, na dança e no gingado", relata Bonys.>
“As plataformas que conectam famílias locais a turistas possibilitam que o viajante seja o ator da sua própria viagem, não apenas contemple de forma passiva os atrativos do destino. Dão a chances de que aqueles que vêm de fora possam se compreender e, em algum momento, também sentir parte da cultura local. Por outro lado, oportuniza também que os locais possam oferecer suas visões, conhecimentos e saberes ao passo que são remunerados para isso”, comenta Sheila Tanan, turismóloga e mestre em Hospitalidade, Patrimônio e Turismo.>